sábado, 18 de dezembro de 2021

REFLEXÃO DOMINICAL II

Comentário dos textos bíblicos

I leitura (Mq 5,1-4a)

O texto apresenta, no v. 1, uma promessa. Surgirá de Belém, de Éfrata, um novo chefe. Éfrata é um clã da tribo de Judá que habitou na região de Belém (cf. Gn 35,19; 48,7; Js 15,59); por vezes, substituiu o nome da aldeia de Belém. Enfatiza-se a pequenez desse lugar, que contrasta com a grandeza da cidade de Jerusalém (cf. Mq 4,2) e com a dimensão da promessa que lhe é feita. Como Belém é a cidade de origem de Davi (cf. 1Sm 16,1-23; 17,12-31), o novo dirigente é descendente desse grande rei. Sua origem antiga é uma referência ao início da dinastia davídica, pertencente já a um passado longínquo.

Nos versículos que seguem, o profeta comenta esse anúncio de Deus. O novo chefe não é chamado de “rei”, mas de “dominador”. Com isso, embora filho de Davi, distancia-se dos reis daquela dinastia, tantas vezes infiéis ao Senhor. A relação desse chefe com Deus aparece na expressão “para mim”, que muitas vezes indica submissão. Ele obedecerá ao Senhor, realizará seu desígnio. O novo chefe governará em nome de Deus, com seu poder; será seu representante. Seu poder será universal, de acordo com as expectativas para o reinado do filho de Davi (cf. Sl 2,8; 71/72,8). Por intermédio dele, o povo se estabelecerá estavelmente no país, vivendo em segurança e bem-estar. Ele é o instrumento de Deus para trazer a paz, a plena realização, ao povo eleito (cf. Is 9,6; Zc 9,10) (v. 3).

A restauração pertence a um futuro indeterminado, advirá após um tempo de provação, quando o povo eleito ficará entregue às suas próprias forças e decisões (v. 2). A mudança de situação ocorrerá quando uma parturiente der à luz (v. 2). Mq 4,10-11 chama Jerusalém de “parturiente”, que sofre dores de parto ao ir cativa para Babilônia; depois ela retornará. Se a parturiente de 5,2 é a cidade de Jerusalém, então primeiro os judeus serão de lá libertados, para depois terem lugar a promessa do novo chefe davídico e a reunião dos exilados com os judeus que ficaram na terra (ou a reunião do antigo reino do Norte com o reino de Judá). Outra interpretação entende que a parturiente é a mãe do chefe prometido, descendente de Davi. O texto estaria relendo a profecia do Emanuel (cf. Is 7,14) e aplicando-a a um tempo posterior. A tradição cristã viu nas características desse chefe prometido e na missão que lhe é outorgada a figura de Jesus (cf. Mt 2,6; Jo 7,42). Identificou, assim, a parturiente com sua Mãe. É nesse sentido cristológico que o texto tem lugar na liturgia de hoje. Ele fala do “Senhor”, do qual Maria é mãe (cf. Lc 1,43).

Evangelho (Lc 1,39-45)

Os protagonistas da cena são as duas mulheres. Seus filhos, porém, estão presentes e exercem também papel importante. João salta (de alegria, v. 44), e isso tem um efeito em sua mãe, que fica repleta do Espírito (v. 41). Jesus é aquele que indica quem é Maria: ela é a mãe do Senhor (v. 43); ela é “bendita” porque seu filho é “bendito” (v. 42).

Das duas mulheres, Maria é posta em evidência, e isso sob vários títulos:

Maria é “bendita entre todas as mulheres” (v. 42), uma expressão semita que expressa que ela é abençoadíssima.

Sendo “mãe do Senhor”, ela é implicitamente apresentada como mãe de Deus, já que o nome “Senhor” substituiu, na tradição judaica, o nome santo de Deus revelado a Moisés (cf. Ex 3,14).

Sua palavra a Isabel comunica algo mais que uma simples saudação. Tem como efeito primeiro o salto de alegria de João no ventre da mãe. Não se trata de um movimento natural, mas da manifestação daquela alegria que, no Evangelho de Lucas, indica a chegada da salvação (cf. Lc 2,10). Por isso, entende-se que Isabel tenha sido tocada pelo Espírito (v. 42). Não se diz qual foi a saudação de Maria. Importa tão somente que sua palavra comunica uma realidade salvífica. É sua presença, sua voz (v. 44), e não o conteúdo de suas palavras, que produzem esses efeitos em João e Isabel. Pois é a saudação da “cheia de graça” que traz consigo o Senhor (cf. 1,28).

Ela é aquela que acreditou. Isso a define em relação a Deus. O anjo comunicou a mensagem divina, e ela creu (v. 38), aceitou a palavra, mesmo de algo impossível humanamente. A fé é entrega à Palavra de Deus com a certeza de que ela não falhará, pois Deus é veraz e fiel. Ela se inicia no presente, mas olha para o futuro (“porque… será cumprido”, v. 45). Por isso, a fé compromete a pessoa inteira. Toda a vida de Maria recebe agora novo rumo. Tudo estará concentrado nesse Filho que ela concebeu, dará à luz, seguirá até a cruz. E, após a ressurreição, ela acompanhará os discípulos de seu Filho, a Igreja nascente (cf. At 1,14).

No quarto domingo do Advento, às portas da celebração do Natal, a Igreja nos faz voltar os olhos para contemplar a Mãe de Deus, em sua grandeza e simplicidade, como aquela que colaborou com todo o seu ser no plano de Deus para a humanidade inteira. Ela se torna, assim, ícone, modelo para aqueles que celebram a vinda do Senhor. Rememorando o nascimento de Jesus na história humana, eles vivenciam sua vinda na sua própria consciência e no coração deste mundo, na expectativa da consumação final do Reino.

Maria, porém, não é somente modelo exterior para o cristão. Como nossa mãe na fé (cf. Jo 19,27), ela colabora para que sejamos moldados à imagem de seu Filho (cf. Rm 8,29), sendo ela mesma a primeira imagem dele. 

Segunda leitura (Hb 10,5-10)

Confrontando os sacrifícios da Lei com o sacrifício de Cristo, a carta aos Hebreus mostra, nessa passagem, a superioridade deste último. Os sacrifícios da antiga Lei não eram capazes de eliminar realmente o pecado; com efeito, uma vez que as vítimas eram animais (ou outros bens criados), os sacrifícios não comprometiam o ser humano em seu íntimo. Além disso, entre o animal imolado e Deus não se podia verdadeiramente estabelecer uma comunhão. Os sacrifícios eram representações da entrega que o ser humano queria fazer de si mesmo a Deus.

O sacrifício de Cristo, ao contrário, realiza o perdão e a comunhão de modo definitivo. Porque:

É um sacrifício que engajou a consciência, o coração do Verbo encarnado. É expressão de sua obediência absoluta ao Pai: “Vim, ó Deus, fazer a tua vontade” (v. 7.9; cf. Jo 6,38; Lc 22,42). Por isso é aceito, pois realiza o plano de Deus, a sua vontade, que é o determinante no ato cultual e o que garante que o sacrifício atinja sua finalidade (v. 10).

Ele inclui todo o ser: surge do amor do Verbo e abarca a humanidade de Cristo, incluindo a realidade de seu corpo (seu ser histórico todo): “não quero sacrifício e oferenda… mas me formaste um corpo” (v. 5). Graças à humanidade assumida pelo Filho de Deus, graças à encarnação, pôde ser oferecido ao Pai o sacrifício que redime a relação entre o ser humano e Deus. Sendo então uma oferta perfeita, que cumpre totalmente a vontade, o desígnio, do Pai, realiza a santificação do gênero humano – e isso uma vez para sempre, sem precisar ser repetido (v. 10).

Às portas do Natal, Hb 10,5-10 nos relembra que aquele Senhor que celebramos em seu nascimento é o Filho que se fez homem para, tornando-se um de nós, oferecer ao Pai o culto de verdadeira adoração, de louvor e expiação. Sua vinda na carne é obediência ao plano de amor do Pai (cf. Jo 3,16). E, entrando num mundo marcado substancialmente pelo pecado, ele se oferece como sacrifício de perdão. Restabelece, assim, a comunhão quebrada e a paz.

https://www.icatolica.com/2015/12/homiletica-4-domingo-do-advento-ano-c.html

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