sábado, 22 de janeiro de 2022

ESTUDO DA BÍBLIA

O EVANGELHO DE LUCAS: INTRODUÇÃO E VISITA A NAZARÉ (Lc 1,1-4 e 4, 14-21)

No ano C o evangelho a ser lido e meditado nos domingos comuns é o terceiro evangelho, atribuído a Lucas. Ao ler detalhadamente o terceiro evangelho, vemos que é fruto de um autor único e bem personalizado. Suas ideias sobre o Reino, o protagonismo das mulheres, a hegemonia da misericórdia como atributo especial de Jesus, o homem escolhido como enviado pelo Pai para salvar o que estava perdido como eram os gentios, a universalidade da mensagem evangélica, são notas características do mesmo. É o evangelho da humanização do divino, assim como o de João é o da divinização do humano. Por isso Lucas inicia seu evangelho com os fatos de uma infância não diferente da de cada ser humano, antes de narrar a missão de evangelizar os mais necessitados entre os humanos e João sobe como teólogo até a divindade onde encontra o Verbo, que se torna homem.


LUCAS: parece que o nome era uma abreviatura de Lucanus assim como Silas é de Silanus. Nos dicionários não se encontra a tradução da palavra Loukas, que em grego, como Loukos, significaria Silva. Outros o derivam de Loukios, Lúcio, que significa nascido na aurora. Toda a tradição está conforme em acreditar que o autor, tanto do 3o evangelho como dos Atos, é Lucas, companheiro de Paulo e médico pessoal dele (Cl 4, 14). Como tal, devia ser um ex-escravo, um liberto, pois, no mundo romano, este serviço da medicina era impróprio para os homens livres. Dentre a classe dos Libertos [cidadãos (com plenos direitos, também chamados ingênuos), latinos junianos (com os diretos de jus connubium e jus commercium)  e deditícios, (considerados como inimigos vencidos, que não podiam obter nunca a cidadania romana)] é provável que Lucas fosse dos últimos, dos deditícios [de rendidos em latim], dos que não tinham cidadania romana, e que como a palavra latina indica eram os que o amo remetia sem nenhum compromisso. Como sabemos, os libertos se destacaram em áreas do comércio, trabalhos manuais e banca. Fora os escravos, estavam no último degrau humano. Paulo o chama seu cooperador em Fm 24. E é o único que o acompanha quando estava prisioneiro em Roma (2Tm 4,11). Parece ser o autor dos Atos que acompanha Paulo na sua 2a viagem (At 16, 26).


PREFÁCIO: Posto que muitos intentaram ordenar uma narração sobre os fatos plenamente realizados entre nós (1) como nos entregaram aqueles desde o início, testemunhas oculares e tornados servidores da palavra (2), pareceu também a mim, tendo acompanhado acuradamente desde o princípio, te escrever ordenadamente, ótimo Teófilo (3), para que conheças, sobre as palavras que ouvistes, a certidão. Quoniam quidem multi conati sunt ordinare narrationem quae in nobis conpletae sunt rerum sicut tradiderunt nobis qui ab initio ipsi viderunt et ministri fuerunt sermonis visum est et mihi adsecuto a princípio omnibus diligenter ex ordine tibi scribere optime Theophile ut cognoscas eorum verborum de quibus eruditus es veritatem. É o único dos evangelistas que traz um prólogo completamente literário e pessoal. Manifesta a intenção de escrever segundo o estilo dos historiadores greco-romanos da época. É antes de escritor, um investigador pelo qual seu relato tem a qualificação de verdadeiro, porque além de escrutar muitos testemunhos escritos que tem o caráter de fundamentar-se em testemunhas oculares dos fatos, de pessoas que se transformaram em apóstolos, pregadores da palavra, como era conhecido o evangelho no seu tempo. Por isso, Lucas [o tradicionalmente autor deste evangelho], após minuciosa investigação, pretende ordenar esses fatos com o fim de que Teófilo, o seu direto interlocutor possa conhecer com certeza a verdade do que tinha escutado pela palavra. Do ponto de vista literário é uma peça única. Temos outros dois textos parecidos em estilo e que não dependem de cópias anteriores mais ou menos recopiladas. São Lc 3, 1-3 em que situa cronologicamente o início da pregação do Batista e com o qual começa o evangelho da vida pública de Jesus e o pequeno prólogo de Atos 1, 1-2 como continuação do evangelho. O paralelo melhor ajustado ao prólogo de Lucas é o de Flávio Josefo dos seus dois livros Contra Apionem em que tem como objetivo instruir para que se conheça a verdade sobre nossa raça, citando para isso numerosos escritores fenícios, caldeus e egípcios. Lucas pertence à terceira geração cristã, pois ele não foi discípulo de Jesus, nem contemporâneo, e nem podemos chamá-lo de converso nos dias de Pentecostes. Ele reivindica três qualidades que o tornam confiável: integridade [muitos por todos], exatidão [acuradamente] e exaustividade [desde os inícios]. Além disso, escreve com método [ordenadamente]. Seu objetivo é a Asfaleia <803>que podemos traduzir por solvência, garantia, e, em termos de verdade, certeza absoluta sem dúvida nenhuma. Os fatos narrados são tão fora do comum que suscitariam dúvidas com respeito a sua realidade. Lucas sai ao encontro dessas dúvidas e declara que tudo foi visto e, como tal, contado por testemunhas várias e não únicas,  de modo que a concordância entre elas no ministério público da palavra, é causa da certidão do que se escreve. Entre as muitas testemunhas os modernos citam Marcos, a fonte Q e uma fonte particular que chamam de L. Logicamente também depende de testemunhos orais como podemos supor eram os 2 primeiros capítulos, que alguns afirmam ser fruto, pelo menos em parte,  da memória da própria mãe de Jesus (Lc 2, 19 e 51). Literariamente, o prólogo está dividido em uma prótasis [primeira parte que abre o período] composta de três elementos: os fatos, os muitos que os testemunharam e a narração como palavra de Deus e uma apódosis [segunda parte que encerra o período] que também tem três elementos: a minuciosa investigação, a ordenada relação e finalmente a dedicação como indiscutível realidade ao seu destinatário Teófilo. TEÓFILO: O nome significa amigo de Deus, era um nome que muitos judeus na diáspora também poderiam usar. Não implica necessariamente que Teófilo seja o patronus de Lucas embora no mundo greco-romano tais patronos existissem, como Mecenas [daí o nome geral de mecenas] com Horácio, ou Ático com Cícero. A tradição fala de um personagem importante em Antioquia, que converteu sua casa em basílica e finalmente se transformou em bispo da cidade. Mas é muito posterior e parece lenda. Pode ser também que Teófilo seja um nome geral para todo aquele que busca a Deus, ou seja, é um amante de Deus ou adorador [sebomenos <4576> ] de Deus. Lucas repete o nome em Atos 1, 1. O adjetivo  [ kratistos <2903>, optimus latino] era aplicado unicamente aos senadores, os optimates dos tempos da república e do início do império.  No caso, eram os governadores das diversas províncias, como vemos em At 23, 26 e 26, 25 em que os optimates eram os procuradores Félix e Festo. Quem era Teófilo? Um magistrado principal de uma das cidades da Grécia ou Anatólia? Não sabemos. Alguns dizem que sob esse nome está todo cristão que é na realidade Teófilo (= que ama Deus). O importante é que o autor deste evangelho quer escrever a história de Jesus com critérios de autenticidade e verdade tanto quanto sua investigação e as fontes fidedignas o permitam.


GALILEIA: Então regressou Jesus na força do Espírito para a Galieia e uma reputação brotou em toda a região acerca dele (14). Et regressus est Iesus in virtute Spiritus in Galilaeam et fama exiit per universam regionem de illo. Jesus foi batizado num lugar no rio Jordão fora da Galileia. Por isso seu regresso. NA FORÇA DO ESPÍRITO: Era o Espírito divino que desceu sobre ele no momento em que foi batizado (Lc 3, 21) e do qual estava pleno (Lc 4, 1) que o impelia de modo a se tornar o motor de sua vida e o instigador de suas atuações. Por isso Lucas afirma que a força [dunamis <1411>, virtus latina], que é propriamente poder, força, daí influência, impulso. Essa força lhe dava o poder de realizar milagres e de interpretar corretamente as Escrituras e os sinais dos tempos como modernamente se diz, fato que a maioria dos seus conterrâneos não sabiam distinguir (Mt 16, 3) e que confundia seus compatrícios (Mt 13, 54). Esse mesmo Espírito que levou Jesus ao deserto, o impele à Galileia, o norte da Palestina. Esse espírito de profecia do qual estava munido Miqueias cheio de juízo e força para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado (Mq 3,8). Era a Galileia onde segundo Isaías (9,1-2) “nos últimos tempos tornará glorioso o caminho do mar (via maris) além do Jordão, Galileia dos gentios. O povo que andava em trevas viu uma grande luz”. Por isso, sua fama, a de Jesus, espalhou-se por toda a região. A via maris clássica, comercial ou de conquista, tinha dois braços: um perto da costa por Tiro , Aco e Meguido onde se unia o outro ramal vindo do lago Hule, Hasor e Cafarnaum, seguindo o rio Jordão. Esta via maris abrangia toda a atual Galileia nos seus dois ramais. A via regia prosseguia por Damasco, Ramot e Galaad pelo interior da atual Síria e Jordânia. Jesus ensinava nas sinagogas- logicamente aos sábados- e era louvado por todos os ouvintes. São termos gerais que admitem diversas interpretações. Como ensinava e qual era a base da sua doutrina será objeto dos seguintes parágrafos de Lucas, como por exemplo, da sinagoga de Nazaré. A FAMA: Uma reputação favorável espalhou-se por toda a região. Logicamente esta reputação ou fama tinha uma causa, que Marcos aponta no primeiro milagre por ele narrado: Um novo ensinamento com autoridade! Até mesmo aos espíritos impuros dá ordens e eles obedecem. Imediatamente a sua fama se espalhou em todo lugar e em toda a redondeza da Galileia (Mc 1, 27-28). De modo que a fama não era só devida aos milagres, mas também ao ofício de Rabi ou Mestre. Seu ensinamento era novo, com autoridade e não como os doutores que se limitavam a citar os grandes mestres tradicionais, resumidos mais tarde na Mishná. Como uma consequência lógica, Lucas chamará Jesus de Mestre de modo preferente, como tradução de Rabbi ou Rabbouni.


A SINAGOGA: Assim ele ensinava nas sinagogas deles, sendo louvado por todos(15). Et ipse docebat in synagogis eorum et magnificabatur ab omnibus. A) O NOME: Palavra sinagoga era de origem grega que já no AT era usada para designar a comunidade judaica,  especialmente se reunida com finalidade religiosa. Em hebraico é  Knesset (assembleia). É, pois o mesmo que Eklesia. B) O EDIFÍCIO: Desse nome coletivo passou a indicar o edifício de reunião da assembleia. As sinagogas eram como sucursais do templo de Jerusalém com a finalidade de serem centro de reunião (Beit Knesset), casa de oração (Beit Tefilá) ou casa de estudo (Beit Midrash). Era um edifício quadrado ou retangular, com teto mantido por colunas. Havia um cemitério (guenizá= depósito) para os rolos e objetos sagrados sem uso. Um escrito que continha o nome de Deus não podia ser queimado nem destruído. Um armário de nome Aron Hakodesh (arca, a sagrada) em que se guardavam os rolos da lei e colocada sempre em direção ao templo de Jerusalém. Nos lados estavam os bancos para os assistentes e no meio deles o bima (estrado) ou plataforma elevada onde estava o púlpito (Al Mamor) para o dirigente das orações, leituras e cantos (Mt 23, 2). Este púlpito era semelhante aos das igrejas católicas com uma balaustrada ao redor do mesmo e um toldo de madeira sobre ele (Ver Ne 8, 4-5). As mulheres estavam separadas por grades ou ocupavam galerias superiores. As lâmpadas, além de razões práticas, eram símbolos da presença de Jahvé; e por isso, uma lâmpada perpétua (Ner Tamid) sempre ardia diante da Aron haKodesh à semelhança da lâmpada do sacrário, e dois castiçais acompanhavam o leitor da Torá no bima. C) FUNÇÃO: A inscrição de Teódoto explica a sua função: o da leitura da Lei e o ensino dos mandamentos. Também se reuniam ali, no segundo e quinto dia da semana, para ouvir a leitura das Escrituras. Para que houvesse uma sinagoga independente eram necessários 10 adultos ou Minyan, maiores de 13 anos. Escolhia-se um chefe de sinagoga (arkisinagogos), que dirigia o grupo e mantinha a ordem nos cultos (Lc 13, 14), ou convidava um visitante a pregar (Lc 4, 14). O culto iniciava-se, ao que parece, com o canto de um salmo pelo Hazan, cantor ou oficiante. Um dos membros da sinagoga, provavelmente o assistente, é quem dirigia a oração, consistente na leitura do Kedushá ou triplo Kadosh (santo ou consagrado) que nos sábados recebia o nome de Kedushá Rabá (grande kedushá) que incluía Dt 6, 4-9 (o Shemá) 11, 16-21 (conselho de como devem estar presentes na vida as palavras da Shemá) e Nm 15, 37-41 (complementos do anterior). Depois eram recitadas as 18 bênções (Shemoné Esré) pelo Ba’al Tefilá (chefe das orações). Logo seguia a oração do Kadish (consagração) que era recitado antes dos Shemoné e ao terminar o estudo de uma Parashá. O Kadish começa com: “Seja o seu grande nome exaltado e santificado”. E no fim, após a última bênção: “Ele com sua misericórdia conceda a paz sobre nós e sobre todo o seu povo de Israel”. Os familiares dos mortos durante o ano podiam acrescentar ao Kadish comum o Kadish dos órfãos; por isso erroneamente o Kadish é apelidado de reza dos mortos. O povo permanecia de pé e respondia Amém quando terminava cada uma das estrofes. Imediatamente lia-se o Parashá ( parágrafo correspondente da Torá) pelo Baal Coré. A leitura da Lei era feita por diversos assistentes, oito no total, chamados Olim, que seguia uma ordem constante: sacerdote, levita e outros, cada um lendo um trecho correspondente a 15 versículos atuais aproximadamente. O último leitor era o Maftir (finalizador). Para se ter uma boa ideia veremos o exemplo do Gênesis: os 7 primeiros leitores leem desde o I,1 até V, 5. Aqui entra o Maftir para ler até V, 9. Esta seção recebe o nome de Parashá (para os sefarditas, de origem espanhola) e Sidra (para os azkenazis de origem russa). Antes da leitura da Lei e depois do correspondente Parashá recitava-se uma ação de graças como Bendito o Eterno que é bendito para sempre…por nos teres dado a Torá. Alguns autores afirmam que o Kadish era recitado também após a leitura da correspondente Parashá. Na leitura da Torá o leitor, acompanhado por dois assistentes, pronunciava em voz baixa o texto hebraico e o ajudante recitava em voz alta o expressado em aramaico (Mt 10, 27); daí a necessidade dos targuns ou traduções simultâneas. Após a leitura da Torá, era escolhido um texto da Haftará correspondente, ou seja, de um dos Neviim (profetas). Para a sua interpretação era chamado ou um jovem estudioso, ou um novo convidado. Foi o caso de Jesus em Nazaré. O serviço terminava com a bênção do presidente da assembleia e a bênção sacerdotal de Nm 6, 24-26.


NAZARÉ: E veio a Nazaré onde tinha sido criado e entrou segundo ele tinha costume no dia de sábado na sinagoga e se levantou para ler(16). Et venit Nazareth ubi erat nutritus et intravit secundum consuetudinem suam die sabbati in synagogam et surrexit legere. NAZARÉ: Restos de silos, cisternas e moinhos,  permitem afirmar que era uma aldeia habitada na Idade do Ferro (900-550 aC). Fora do Novo testamento não existem registros nem referências a aldeia onde Jesus cresceu. Nem o Talmud que cita 63 localidades, nem S Paulo.  As evidências arqueológicas indicam que no século I era uma pequena aldeia agrícola, situada na ladeira de uma montanha, com duas ou três dúzias de famílias. As casas estavam agrupadas no extremo sul da colina e usualmente tinham uma parte de alvenaria que era usada para as habitações, encostada a uma ou várias grutas naturais. Escavadas na rocha que utilizavam como depósitos. O nome de Nazaré possivelmente deriva de natser, (transcrito Nazer). Diferentes derivados deste vocábulo usam-se no livro de Isaías como alusão messiânica e são traduzidas por brôto, vergôntea, galho, flor, ou rebento. Também como verbo no sentido de vigiar, guardar, observar, defender, rodear, preservar [do perigo] ou esconder [refugiar]. Este último significado poderia deduzir-se de Is 65, 4 que corresponde àqueles que vivem entre tumbas, pois perto de Nazaré e sob o atual casco urbano estava um cemitério muito antigo, fato que se relaciona com a atitude da Sagrada Família que foi ali para se esconder de Arquelau, e assim se cumpriu o que tinha dito pelos profetas que seria chamado Nazareno (Mt 2, 22-23). A aldeia é identificada desde o século IV e se construiu uma igreja, tipo sinagoga, para comemorar a Anunciação e acolher os peregrinos que deixaram seus grafitos nas paredes. A monja Egéria visitou Nazaré em 383 e viu uma grande e esplêndida gruta na qual viveu Maria e na qual encontrou um altar.  Em 570 os bizantinos construíram uma basílica onde, segundo testemunhos contemporâneos, haviam muitas curas. PARA  LER: A leitura final era um trecho dos neviim [profetas] e Jesus, como invitado, foi convidado para interpretar o texto lido, como veremos na continuação.


A LEITURA: Então foi-lhe dado um livro do profeta Isaías e tendo desenrolado o livro encontrou o lugar onde estava escrito(17): Espírito do Senhor sobre mim pelo qual me ungiu para evangelizar mendigos; me enviou (para) curar os desalentados no coração,[....] anunciar (aos) cativos remissão, e (aos) cegos restauração da visão, enviar oprimidos em liberdade (18). Spiritus Domini super me propter quod unxit me evangelizare pauperibus misit me praedicare captivis remissionem et caecis visum dimittere confractos in remissionem. O  trecho responde a Isaías 60, 1. O texto dos setenta coincide exatamente com o texto de Lucas com uma exceção: No texto de Lucas, falta a frase do original de Isaías a curar [propriamente vendar] os quebrantados de coração entre curar os desalentados de coração e anunciar aos cativos remissão, que temos deixado entre [...]. Também falta no texto de Isaías 61, 1 a frase final do 18 de Lucas: enviar oprimidos em liberdade. Esta última frase está tomada no finalde Is 58, 6. Vamos primeiro falar das diversas traduções de Isaías: A) Grega: a palavra ptôchós<4434> significa originalmente mendigos, porém é a tradução de`anav <06035>, que significa pobre ou indefeso, aflito ou sem recursos.  A outra palavra que também merece atenção é cegos, tuflois <5185>  que não tem outro significado a não ser pessoa que não vê. O texto massorético não fala de cegos, mas de cativos [shabah,<07617> no plural shabaim ]. Por que a tradução de cegos? Por uma simples razão: o encerrado no xadrez estava como cego sem ver a luz  e por isso declara restaurar a visão ( temos preferido a restaurar a vista, como se esta tivesse sido perdida). A esses cativos o profeta promete a libertação [darur <01865>]. E como confirmação, na segunda parte do verso, vemos como o profeta fala de por em liberdade os [‘asar < 0631>] os algemados  B) A Vulgata: Os ptochoi são mansueti [mansos] mantém os cativos [captivi], nada de cegos, e finalmente fala de clausi para os que temos chamado de algemados. C) Textos vernáculos: RA: quebrantados, cativos e algemados. O texto inglês moderno usa poor, captives  e prisoners, palavras usadas também pela bíblia de Jerusalém. Como vemos os cegos é uma adaptação do evangelista para acoplar o verbo restituir a visão, fato que era uma realidade nas masmorras antigas em que a falta de luz era total. Antes de comentar o texto, vamos também ver o final da citação, que está suprimida.


FINAL: Pregar um ano do Senhor aceitável (19). Praedicare annum Domini acceptum. Falta uma parte da citação do profeta, que a Vulgata reproduz fielmente: é o dia da retribuição, ou pagamento  [diem retributionis] que no texto massorético deve ser lido como dia da vingança. Além dessa carência temos no texto grego de Isaías a frase: para consolar todos os que choram. Como vemos, a citação está bastante manipulada, se é permitida a palavra, para a intenção final de apontar Jesus como o Enviado e Ungido do Senhor. Indiretamente os humilhados, os amedrontados, os faltos de esperança, e os que se consideravam calcados e confrangidos pelos poderes fáticos superiores, são os sujeitos de uma esperança que constitui o ano de graça ou sabático do Senhor. Era o Shemitá ou também podia ser o Yovel. À parte do Shabat, o sétimo dia de descanso semanal, Deus ordenou outro tipo de Shabat: A cada sete anos a terra de Israel [eretz Israel] terá um descanso, um shabat para Javé (Lv 25, 4). Nesse ano, a terra ficava em repouso. Era o SHEMITÁ, que significa “deixar livre” ou “retirar-se”.  Durante o shemitá os agricultores de Israel não trabalham a terra. As razões, explicam os sábios, são três: 1) O sustento que provém da terra não nasce da terra, nem da fortuna acumulada do homem, mas da mão de Deus Criador. Por isso Javé ordenou ao povo a mitzvá do Shemitá. 2) Deus também desejava que o ano de Shemitá, de inatividade do trabalho, permitisse que os agricultores pudessem se dedicar mais ao estudo da Torá. 3) A terra é considerada como um ser vivo que merece descanso, pois caso este não seja dado, Javé diz, que serás exilado, e ela então será recompensada de todos os anos de descanso dos quais a privaste. As três promessas do Senhor pela observância da mitzvá do Shemitá: 1) Javé prometeu que a colheita do ano anterior do Shemitá duraria três anos (Lv 25, 21). 2) que durante o ano do Shemitá ficarão satisfeitos, apesar de comerem pequenas quantidades de alimento. Por isso sua produção agrícola durará (Lv 25, 6). 3) Finalmente, se guardarem tanto os anos de Shemitá como os de Yovel (Jubileu), estarão seguros em Israel. Porém se não observarem nem Shemitá, nem Yovel, seus inimigos os forçarão ao exílio (Lv 26, 6-8). YOVEL: Yovel vem do verbo hebraico trazer de volta(a palavra Jubileu deriva-se desta palavra hebraica; o v e o b não se distinguem em geral nas pronúncias hebraicas). O toque do shofar [trombeta de chifre de carneiro] precede o Yovel. Eis um comentário de um rabi moderno: Hashem [O Nome, no lugar de Javénos tem recomendado contar desde Pashá [Páscoa] sete vezes sete dias ou quarenta e nove dias, até chegar ao dia cinqüenta  que é Shavout [nosso Pentecostes]. Sete vezes sete [sefirat há omer] ou 49 dias são os que se contam entre Páscoa e Shavuot [Pentecostes], ou entre a liberação e a promulgação da Lei, do novo Pacto. Aí começa o dia cinquentaO número oito nas Escrituras é o número de novos começos. O número oito nas Escrituras mostra o final de uma era milenária, a nova Yerushalayim (Yerushalayim shel ma’ala o Santo Jerusalém) e a vinda do novo céu e a nova terra, tal como o sistema de sacrifício apontou na antiga Yisrael ao Mashiach (Messias). Bom, o Yovel é também um novo começo. Cada Israelita vendido à escravidão era liberado no ano Yovel. Toda propriedade comprada e vendida anteriormente a Yovel era regressada a seu dono original e todas as dívidas eram canceladas. Em outras palavras, tudo regressa ao seu dono original, a forma em que deviam de ser. Todas as coisas foram feitas novas durante o ano Yovel e o ciclo começa novamente. O ano Yovel, portanto, nos indica o ponto do tempo do futuro. Assim, continua o nosso Rabi, estas ideias concretizam o discurso de Jesus como um começo, um perdão e uma novidade em que Hashem estava anunciando por seu Ungido a nova era de salvação em todos os sentidos. Por isso é importante, devido às conotações bíblicas, saber que o toque do shofar anunciador do Yovel também será um dia que escutaremos como magnífico toque do shofar, que anunciará a vinda de Mashiach, anunciando nossa liberdade (Mt 24, 31 e1Ts 4, 16).  Este som será o início da verdadeira liberdade para o povo judeu. Mashiach [o messias] virá e construirá o Terceiro Templo Sagrado. Hashem libertará o mundo da morte e da má inclinação. A ressurreição dos mortos será realidade, e viveremos para sempreRezemos diariamente a oração da Amidá [principal oração de súplica hebraica] para que isto aconteça logo. Eis a oração de súplica de um rabi católico para isso acontecer: Avinu Malkeinu (Nosso Pai e Rei) perdoa-me. Necessito de ti. Eu confesso que tenho pecado e que não tenho sido santo, porque Tu és santo. Obrigado por permitir que Teu Servo, Yeshua HaMashiach  tome meus  pecados  sobre Si e pague o preço da morte por mim. Pela morte do Mashiach e pela redenção, posso certamente conhecer-te de maneira real e pessoal. Agora coloco minha fé no Mashiach Yeshua  como meu único Senhor e Salvador e o convido ao meu coração e à minha vida. Modifica-me e converte-me em teu especial tesouroAmém. Atualmente não se celebra o Yovel.


EXPECTAÇÃO: Depois, tendo enrolado o livro, entregado ao servente, sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele(20). Et cum plicuisset librum reddidit ministro et sedit et omnium in synagoga oculi erant intendentes in eum. O ato de sentar-se era próprio dos rabinos da época. A leitura da Escritura se fazia de pé. Mas a exegese ou comentário eram feitos com o mestre sentado em sua cátedra. A expectativa estava em todos os presentes. Qual seria o comentário que Jesus, que já tinha falado em diversas sinagogas da Galileia, faria dessa profecia de Isaías, que todos contemplavam como sendo messiânica?


CUMPRIMENTO: Começou, pois, a dizer diante deles: Hoje está cumprida esta escritura em vossos ouvidos (21). Coepit autem dicere ad illos quia hodie impleta est haec scriptura in auribus vestris.Como temos observado num comentário anterior, existia uma tradição bastante espalhada entre o povo e que nesse tempo um Ungido devia iniciar um tempo de salvação como se fosse um Yovel extraordinário. Evidentemente Lucas usa o texto grego dos setenta, Is 60, 1-2: A tradução seria: “Espírito do Senhor sobre mim, pelo qual me ungiu para evangelizar os pobres [ptoxoi, meek em inglês], enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar libertação aos cativos, a libertação aos que estão presos, a convocar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança, a consolar todos os que choram.” Porém o texto hebraico, ao qual segue a Vulgata e os modernos, não traz a palavra pobres, mas Anawim. O pobre era Dal e o Anaw significava o manso, o humilde, como Moisés é descrito (Nm 12, 3). A distinção entre as duas palavras está em Pr 22,22: Não roubes o pobre [dal] porque é pobre; nem oprimas em juízo o aflito [ani]. Traduzir anawin por pobres é uma inexatidão. E foi precisamente neste trecho de Lucas em que se apoiaram certos estudiosos para sobreestimar sua reflexão teológica. No texto hebraico não são nomeados os cegos, que por outra parte saem em texto paralelo do mesmo profeta: Eu te pus como luz das nações, a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de soltar do cárcere os presos, e da prisão os que habitam nas trevas (42, 6-7). Como vemos, são termos metafóricos de uma situação de exílio que se compara a uma prisão escura em que os reclusos estão algemados com ferros nos pés e mãos, em masmorras sem luz. Como sinal dos novos tempos, os cegos serão usados por Lucas (Lc 7, 22 e 14, 13.21). Por outra parte, Lucas termina sua citação com o ano do Senhor: ano sabático de perdão em todos os níveis. Nada diz sobre o dia da vingança, que relembra o dia do Senhor de Joel (2,31), de modo que os novos tempos serão de bênção para uns e de terrível castigo para outros.

http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0301.htm

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