O EVANGELHO DE LUCAS: INTRODUÇÃO E VISITA A NAZARÉ (Lc 1,1-4 e 4, 14-21)
No ano C o evangelho a ser lido e meditado nos domingos comuns é o terceiro evangelho, atribuído a Lucas. Ao ler detalhadamente o terceiro evangelho, vemos que é fruto de um autor único e bem personalizado. Suas ideias sobre o Reino, o protagonismo das mulheres, a hegemonia da misericórdia como atributo especial de Jesus, o homem escolhido como enviado pelo Pai para salvar o que estava perdido como eram os gentios, a universalidade da mensagem evangélica, são notas características do mesmo. É o evangelho da humanização do divino, assim como o de João é o da divinização do humano. Por isso Lucas inicia seu evangelho com os fatos de uma infância não diferente da de cada ser humano, antes de narrar a missão de evangelizar os mais necessitados entre os humanos e João sobe como teólogo até a divindade onde encontra o Verbo, que se torna homem.
LUCAS: parece que o nome era uma
abreviatura de Lucanus assim como Silas é de Silanus. Nos dicionários não se
encontra a tradução da palavra Loukas, que em grego, como Loukos, significaria
Silva. Outros o derivam de Loukios, Lúcio, que significa nascido na aurora.
Toda a tradição está conforme em acreditar que o autor, tanto do 3o evangelho
como dos Atos, é Lucas, companheiro de Paulo e médico pessoal dele (Cl 4, 14).
Como tal, devia ser um ex-escravo, um liberto, pois, no mundo romano, este
serviço da medicina era impróprio para os homens livres. Dentre a classe
dos Libertos [cidadãos
(com plenos direitos, também chamados ingênuos), latinos junianos (com os diretos de
jus connubium e jus commercium) e deditícios,
(considerados como inimigos vencidos, que não podiam obter nunca a
cidadania romana)] é provável que Lucas fosse dos últimos, dos deditícios [de rendidos
em latim], dos que não tinham cidadania romana, e que como a palavra latina
indica eram os que o amo remetia sem nenhum compromisso. Como sabemos, os
libertos se destacaram em áreas do comércio, trabalhos manuais e banca. Fora os
escravos, estavam no último degrau humano. Paulo o chama seu cooperador em Fm
24. E é o único que o acompanha quando estava prisioneiro em Roma (2Tm 4,11).
Parece ser o autor dos Atos que acompanha Paulo na sua 2a viagem (At 16, 26).
PREFÁCIO: Posto que muitos intentaram ordenar uma
narração sobre os fatos plenamente realizados entre nós (1) como nos entregaram
aqueles desde o início, testemunhas oculares e tornados servidores da palavra
(2), pareceu também a mim, tendo acompanhado acuradamente desde o princípio, te
escrever ordenadamente, ótimo Teófilo (3), para que conheças, sobre as palavras
que ouvistes, a certidão. Quoniam quidem multi conati sunt ordinare narrationem
quae in nobis conpletae sunt rerum sicut tradiderunt nobis qui ab initio
ipsi viderunt et ministri fuerunt sermonis visum est et mihi adsecuto a princípio
omnibus diligenter ex ordine tibi scribere optime Theophile ut cognoscas eorum
verborum de quibus eruditus es veritatem. É o único dos
evangelistas que traz um prólogo completamente literário e pessoal. Manifesta a
intenção de escrever segundo o estilo dos historiadores greco-romanos da época.
É antes de escritor, um investigador pelo qual seu relato tem a qualificação de
verdadeiro, porque além de escrutar muitos testemunhos escritos que tem o
caráter de fundamentar-se em testemunhas oculares dos fatos, de pessoas que se
transformaram em apóstolos, pregadores da palavra, como era conhecido o
evangelho no seu tempo. Por isso, Lucas [o tradicionalmente autor deste
evangelho], após minuciosa investigação, pretende ordenar esses fatos com o fim
de que Teófilo, o seu direto interlocutor possa conhecer com certeza a verdade
do que tinha escutado pela palavra. Do ponto de vista literário é uma peça
única. Temos outros dois textos parecidos em estilo e que não dependem de
cópias anteriores mais ou menos recopiladas. São Lc 3, 1-3 em que situa
cronologicamente o início da pregação do Batista e com o qual começa o
evangelho da vida pública de Jesus e o pequeno prólogo de Atos 1, 1-2 como
continuação do evangelho. O paralelo melhor ajustado ao prólogo de Lucas é o de
Flávio Josefo dos seus dois livros Contra
Apionem em que tem como objetivo instruir para que se conheça
a verdade sobre nossa raça, citando para isso numerosos escritores fenícios,
caldeus e egípcios. Lucas pertence à terceira geração cristã, pois ele não foi
discípulo de Jesus, nem contemporâneo, e nem podemos chamá-lo de converso nos
dias de Pentecostes. Ele reivindica três qualidades que o tornam confiável:
integridade [muitos por todos], exatidão [acuradamente] e exaustividade [desde
os inícios]. Além disso, escreve com método [ordenadamente]. Seu objetivo é
a Asfaleia <803>que
podemos traduzir por solvência, garantia, e, em termos de verdade, certeza
absoluta sem dúvida nenhuma. Os fatos narrados são tão fora do comum que
suscitariam dúvidas com respeito a sua realidade. Lucas sai ao encontro dessas
dúvidas e declara que tudo foi visto e, como tal, contado por testemunhas
várias e não únicas, de modo que a concordância entre elas no ministério
público da palavra, é causa da certidão do que se escreve. Entre as muitas
testemunhas os modernos citam Marcos, a fonte Q e uma fonte particular que
chamam de L. Logicamente também depende de testemunhos orais como podemos supor
eram os 2 primeiros capítulos, que alguns afirmam ser fruto, pelo menos em
parte, da memória da própria mãe de Jesus (Lc 2, 19 e 51).
Literariamente, o prólogo está dividido em uma prótasis [primeira parte que abre o
período] composta de três elementos: os fatos, os muitos que os testemunharam e
a narração como palavra de Deus e uma apódosis [segunda
parte que encerra o período] que também tem três elementos: a minuciosa
investigação, a ordenada relação e finalmente a dedicação como indiscutível
realidade ao seu destinatário Teófilo. TEÓFILO: O nome significa amigo de
Deus, era um nome que muitos judeus na diáspora também poderiam usar. Não
implica necessariamente que Teófilo seja o patronus de Lucas embora no mundo
greco-romano tais patronos existissem, como Mecenas [daí o nome geral de
mecenas] com Horácio, ou Ático com Cícero. A tradição fala de um personagem
importante em Antioquia, que converteu sua casa em basílica e finalmente se
transformou em bispo da cidade. Mas é muito posterior e parece lenda. Pode ser
também que Teófilo seja um nome geral para todo aquele que busca a Deus, ou
seja, é um amante de Deus ou adorador [sebomenos <4576> ] de Deus. Lucas
repete o nome em Atos 1, 1. O adjetivo [ kratistos <2903>, optimus
latino] era aplicado unicamente aos senadores, os optimates dos tempos da
república e do início do império. No caso, eram os governadores das
diversas províncias, como vemos em At 23, 26 e 26, 25 em que os optimates eram os
procuradores Félix e Festo. Quem era Teófilo? Um magistrado principal de uma
das cidades da Grécia ou Anatólia? Não sabemos. Alguns dizem que sob esse nome
está todo cristão que é na realidade Teófilo (= que ama Deus). O importante é
que o autor deste evangelho quer escrever a história de Jesus com critérios de
autenticidade e verdade tanto quanto sua investigação e as fontes fidedignas o
permitam.
GALILEIA: Então regressou Jesus na força do
Espírito para a Galieia e uma reputação brotou em toda a região acerca dele
(14). Et
regressus est Iesus in virtute Spiritus in Galilaeam et fama exiit per
universam regionem de illo. Jesus foi batizado num lugar no rio
Jordão fora da Galileia. Por isso seu regresso. NA FORÇA DO ESPÍRITO: Era
o Espírito divino que desceu sobre ele no momento em que foi batizado (Lc 3,
21) e do qual estava pleno (Lc 4, 1) que o impelia de modo a se tornar o motor de
sua vida e o instigador de suas atuações. Por isso Lucas afirma que a força
[dunamis <1411>, virtus latina],
que é propriamente poder, força, daí influência, impulso. Essa força lhe dava o
poder de realizar milagres e de interpretar corretamente as Escrituras e os
sinais dos tempos como modernamente se diz, fato que a maioria dos seus
conterrâneos não sabiam distinguir (Mt 16, 3) e que confundia seus compatrícios
(Mt 13, 54). Esse mesmo Espírito que levou Jesus ao deserto, o impele à
Galileia, o norte da Palestina. Esse espírito de profecia do qual estava munido
Miqueias cheio de juízo e força para declarar a Jacó a sua transgressão e a
Israel o seu pecado (Mq 3,8). Era a Galileia onde segundo Isaías (9,1-2) “nos últimos tempos tornará glorioso o
caminho do mar (via maris) além do Jordão, Galileia dos gentios. O povo que andava em
trevas viu uma grande luz”. Por isso, sua fama, a de Jesus,
espalhou-se por toda a região. A via
maris clássica, comercial ou de conquista, tinha dois
braços: um perto da costa por Tiro , Aco e Meguido onde se unia o outro ramal
vindo do lago Hule, Hasor e Cafarnaum, seguindo o rio Jordão. Esta via maris abrangia toda
a atual Galileia nos seus dois ramais. A via regia prosseguia por Damasco,
Ramot e Galaad pelo interior da atual Síria e Jordânia. Jesus ensinava nas
sinagogas- logicamente aos sábados- e era louvado por todos os ouvintes. São
termos gerais que admitem diversas interpretações. Como ensinava e qual era a
base da sua doutrina será objeto dos seguintes parágrafos de Lucas, como por
exemplo, da sinagoga de Nazaré. A
FAMA: Uma reputação favorável espalhou-se por toda a
região. Logicamente esta reputação ou fama tinha uma causa, que Marcos aponta
no primeiro milagre por ele narrado:
Um novo ensinamento com autoridade! Até mesmo aos espíritos impuros dá ordens e
eles obedecem. Imediatamente a sua fama se espalhou em todo lugar e em toda a
redondeza da Galileia (Mc 1, 27-28). De modo que a fama não
era só devida aos milagres, mas também ao ofício de Rabi ou Mestre. Seu
ensinamento era novo, com autoridade e não como os doutores que se limitavam a
citar os grandes mestres tradicionais, resumidos mais tarde na Mishná. Como uma
consequência lógica, Lucas chamará Jesus de Mestre de modo preferente, como
tradução de Rabbi ou Rabbouni.
A SINAGOGA: Assim
ele ensinava nas sinagogas deles, sendo louvado por todos(15). Et ipse docebat
in synagogis eorum et magnificabatur ab omnibus. A) O NOME: Palavra
sinagoga era de origem grega que já no AT era usada para designar a comunidade
judaica, especialmente se reunida com finalidade religiosa. Em hebraico
é Knesset (assembleia).
É, pois o mesmo que Eklesia. B)
O EDIFÍCIO: Desse nome coletivo passou a indicar o
edifício de reunião da assembleia. As sinagogas eram como sucursais do templo
de Jerusalém com a finalidade de serem centro de reunião (Beit Knesset), casa de
oração (Beit Tefilá)
ou casa de estudo (Beit
Midrash). Era um edifício quadrado ou retangular, com teto mantido
por colunas. Havia um cemitério (guenizá=
depósito) para os rolos e objetos sagrados sem uso. Um escrito que continha o
nome de Deus não podia ser queimado nem destruído. Um armário de nome Aron Hakodesh (arca, a
sagrada) em que se guardavam os rolos da lei e colocada sempre em direção ao
templo de Jerusalém. Nos lados estavam os bancos para os assistentes e no meio
deles o bima (estrado)
ou plataforma elevada onde estava o púlpito (Al
Mamor) para o dirigente das orações, leituras e cantos (Mt 23, 2).
Este púlpito era semelhante aos das igrejas católicas com uma balaustrada ao
redor do mesmo e um toldo de madeira sobre ele (Ver Ne 8, 4-5). As mulheres
estavam separadas por grades ou ocupavam galerias superiores. As lâmpadas, além
de razões práticas, eram símbolos da presença de Jahvé; e por isso, uma lâmpada
perpétua (Ner Tamid)
sempre ardia diante da Aron
haKodesh à semelhança da lâmpada do sacrário, e dois castiçais
acompanhavam o leitor da Torá no bima. C) FUNÇÃO: A inscrição de Teódoto
explica a sua função: o da leitura da Lei e o ensino dos mandamentos. Também se
reuniam ali, no segundo e quinto dia da semana, para ouvir a leitura das
Escrituras. Para que houvesse uma sinagoga independente eram necessários 10
adultos ou Minyan,
maiores de 13 anos. Escolhia-se um chefe de sinagoga (arkisinagogos), que
dirigia o grupo e mantinha a ordem nos cultos (Lc 13, 14), ou convidava um
visitante a pregar (Lc 4, 14). O culto iniciava-se, ao que parece, com o canto
de um salmo pelo Hazan,
cantor ou oficiante. Um dos membros da sinagoga, provavelmente o assistente, é
quem dirigia a oração, consistente na leitura do Kedushá ou triplo Kadosh (santo ou
consagrado) que nos sábados recebia o nome de Kedushá Rabá (grande kedushá) que incluía
Dt 6, 4-9 (o Shemá)
11, 16-21 (conselho de como devem estar presentes na vida as palavras da Shemá)
e Nm 15, 37-41 (complementos do anterior). Depois eram recitadas as 18 bênções
(Shemoné Esré)
pelo Ba’al Tefilá (chefe
das orações). Logo seguia a oração do Kadish (consagração)
que era recitado antes dos Shemoné e ao terminar o estudo de uma Parashá. O Kadish começa
com: “Seja o seu grande
nome exaltado e santificado”. E no fim, após a última
bênção: “Ele com sua
misericórdia conceda a paz sobre nós e sobre todo o seu povo de Israel”. Os
familiares dos mortos durante o ano podiam acrescentar ao Kadish comum o Kadish
dos órfãos; por isso erroneamente o Kadish é
apelidado de reza dos mortos. O povo permanecia de pé e respondia Amém quando terminava
cada uma das estrofes. Imediatamente lia-se o Parashá ( parágrafo
correspondente da Torá) pelo Baal
Coré. A leitura da Lei era feita por diversos assistentes, oito no
total, chamados Olim,
que seguia uma ordem constante: sacerdote, levita e outros, cada um lendo um
trecho correspondente a 15 versículos atuais aproximadamente. O último leitor
era o Maftir (finalizador).
Para se ter uma boa ideia veremos o exemplo do Gênesis: os 7 primeiros leitores
leem desde o I,1 até V, 5. Aqui entra o Maftir para ler até V, 9. Esta seção
recebe o nome de Parashá (para
os sefarditas, de origem espanhola) e Sidra (para
os azkenazis de origem russa). Antes da leitura da Lei e depois do
correspondente Parashá recitava-se uma ação de graças como Bendito o Eterno que é bendito para
sempre…por nos teres dado a Torá. Alguns autores afirmam que o
Kadish era recitado também após a leitura da correspondente Parashá. Na leitura
da Torá o leitor, acompanhado por dois assistentes, pronunciava em voz baixa o
texto hebraico e o ajudante recitava em voz alta o expressado em aramaico (Mt
10, 27); daí a necessidade dos targuns ou
traduções simultâneas. Após a leitura da Torá, era escolhido um texto da Haftará correspondente,
ou seja, de um dos Neviim (profetas).
Para a sua interpretação era chamado ou um jovem estudioso, ou um novo
convidado. Foi o caso de Jesus em Nazaré. O serviço terminava com a bênção do
presidente da assembleia e a bênção sacerdotal de Nm 6, 24-26.
NAZARÉ: E veio a Nazaré onde tinha sido criado e
entrou segundo ele tinha costume no dia de sábado na sinagoga e se levantou
para ler(16). Et venit Nazareth ubi erat nutritus et intravit secundum
consuetudinem suam die sabbati in synagogam et surrexit legere. NAZARÉ: Restos de silos, cisternas e
moinhos, permitem afirmar que era uma aldeia habitada na Idade do Ferro
(900-550 aC). Fora do Novo testamento não existem registros nem referências a
aldeia onde Jesus cresceu. Nem o Talmud que cita 63 localidades, nem S
Paulo. As evidências arqueológicas indicam que no século I era uma
pequena aldeia agrícola, situada na ladeira de uma montanha, com duas ou três
dúzias de famílias. As casas estavam agrupadas no extremo sul da colina e
usualmente tinham uma parte de alvenaria que era usada para as habitações,
encostada a uma ou várias grutas naturais. Escavadas na rocha que utilizavam
como depósitos. O nome de Nazaré possivelmente deriva de natser, (transcrito Nazer).
Diferentes derivados deste vocábulo usam-se no livro de Isaías como alusão
messiânica e são traduzidas por brôto, vergôntea, galho, flor, ou rebento. Também
como verbo no sentido de vigiar, guardar, observar, defender, rodear, preservar
[do perigo] ou esconder [refugiar]. Este último significado poderia deduzir-se
de Is 65, 4 que corresponde àqueles que vivem entre tumbas, pois perto de
Nazaré e sob o atual casco urbano estava um cemitério muito antigo, fato que se
relaciona com a atitude da Sagrada Família que foi ali para se esconder de
Arquelau, e assim se
cumpriu o que tinha dito pelos profetas que seria chamado Nazareno (Mt 2,
22-23). A aldeia é identificada desde o século IV e se
construiu uma igreja, tipo sinagoga, para comemorar a Anunciação e acolher os
peregrinos que deixaram seus grafitos nas paredes. A monja Egéria visitou
Nazaré em 383 e viu uma grande e esplêndida gruta na qual viveu Maria e na qual
encontrou um altar. Em 570 os bizantinos construíram uma basílica onde,
segundo testemunhos contemporâneos, haviam muitas curas. PARA LER: A
leitura final era um trecho dos neviim [profetas]
e Jesus, como invitado, foi convidado para interpretar o texto lido, como
veremos na continuação.
A LEITURA: Então
foi-lhe dado um livro do profeta Isaías e tendo desenrolado o livro encontrou o
lugar onde estava escrito(17): Espírito do Senhor sobre mim pelo qual me ungiu
para evangelizar mendigos; me enviou (para) curar os desalentados no coração,[....] anunciar (aos) cativos remissão, e (aos) cegos restauração da visão, enviar
oprimidos em liberdade (18). Spiritus Domini super me propter quod unxit me
evangelizare pauperibus misit me praedicare captivis remissionem et caecis
visum dimittere confractos in remissionem. O trecho
responde a Isaías 60, 1. O texto dos setenta coincide exatamente com o texto de
Lucas com uma exceção: No texto de Lucas, falta a frase do original de
Isaías a curar [propriamente
vendar] os quebrantados
de coração entre curar
os desalentados
de coração e anunciar
aos cativos remissão, que temos deixado entre [...]. Também falta no texto
de Isaías 61, 1 a frase final do 18 de Lucas: enviar oprimidos em liberdade. Esta última frase está
tomada no finalde Is 58, 6. Vamos primeiro falar das diversas traduções de Isaías: A) Grega: a
palavra ptôchós<4434>
significa originalmente mendigos, porém é a tradução de`anav <06035>,
que significa pobre ou indefeso, aflito ou sem recursos. A outra palavra
que também merece atenção é cegos, tuflois <5185>
que não tem outro significado a não ser pessoa que não vê. O texto massorético
não fala de cegos, mas de cativos [shabah,<07617>
no plural shabaim ].
Por que a tradução de cegos? Por uma simples razão: o encerrado no xadrez
estava como cego sem ver a luz e por isso declara restaurar a visão (
temos preferido a restaurar a vista, como se esta tivesse sido perdida). A
esses cativos o profeta promete a libertação [darur <01865>]. E como
confirmação, na segunda parte do verso, vemos como o profeta fala de por em
liberdade os [‘asar <
0631>] os algemados B)
A Vulgata: Os ptochoi são mansueti [mansos] mantém os cativos [captivi], nada de cegos, e
finalmente fala de clausi para
os que temos chamado de algemados. C)
Textos vernáculos: RA: quebrantados, cativos e algemados. O texto
inglês moderno usa poor,
captives e prisoners, palavras usadas também pela bíblia de
Jerusalém. Como vemos os cegos é uma adaptação do evangelista para acoplar o
verbo restituir a visão, fato que era uma realidade nas masmorras antigas em
que a falta de luz era total. Antes de comentar o texto, vamos também ver o
final da citação, que está suprimida.
FINAL: Pregar
um ano do Senhor aceitável (19). Praedicare annum Domini acceptum. Falta
uma parte da citação do profeta, que a Vulgata reproduz fielmente: é o dia da
retribuição, ou pagamento [diem retributionis] que no texto massorético
deve ser lido como dia da vingança. Além dessa carência temos no texto grego de
Isaías a frase: para
consolar todos os que choram. Como vemos, a citação está bastante
manipulada, se é permitida a palavra, para a intenção final de apontar Jesus
como o Enviado e Ungido do Senhor. Indiretamente os humilhados, os
amedrontados, os faltos de esperança, e os que se consideravam calcados e
confrangidos pelos poderes fáticos superiores, são os sujeitos de uma esperança
que constitui o ano de graça ou sabático do Senhor. Era o Shemitá ou também
podia ser o Yovel.
À parte do Shabat, o sétimo dia de descanso semanal, Deus ordenou outro tipo de
Shabat: A cada sete anos
a terra de Israel [eretz Israel] terá um descanso, um shabat para Javé (Lv
25, 4). Nesse ano, a terra ficava em repouso. Era o SHEMITÁ, que significa “deixar
livre” ou “retirar-se”. Durante o shemitá os
agricultores de Israel não trabalham a terra. As razões, explicam os sábios,
são três: 1) O sustento que provém da terra não nasce da terra, nem da fortuna
acumulada do homem, mas da mão de Deus Criador. Por isso Javé ordenou ao povo
a mitzvá do Shemitá.
2) Deus também desejava que o ano de Shemitá, de inatividade do trabalho,
permitisse que os agricultores pudessem se dedicar mais ao estudo da Torá. 3) A
terra é considerada como um ser vivo que merece descanso, pois caso este não
seja dado, Javé diz, que serás exilado, e ela então será recompensada de todos
os anos de descanso dos quais a privaste. As três promessas do Senhor pela
observância da mitzvá do Shemitá: 1) Javé prometeu
que a colheita do ano anterior do Shemitá duraria três anos (Lv 25, 21). 2) que
durante o ano do Shemitá ficarão satisfeitos, apesar de comerem pequenas
quantidades de alimento. Por isso sua produção agrícola durará (Lv 25, 6). 3)
Finalmente, se guardarem tanto os anos de Shemitá como os de Yovel (Jubileu),
estarão seguros em Israel. Porém se não observarem nem Shemitá, nem Yovel, seus
inimigos os forçarão ao exílio (Lv 26, 6-8). YOVEL: Yovel vem do
verbo hebraico trazer de volta(a palavra Jubileu deriva-se desta palavra
hebraica; o v e o b não se distinguem em geral nas pronúncias hebraicas). O
toque do shofar [trombeta de chifre de carneiro] precede o Yovel. Eis um
comentário de um rabi moderno: Hashem [O Nome, no lugar de Javé] nos tem recomendado contar desde Pashá [Páscoa] sete vezes sete dias ou quarenta e nove
dias, até chegar ao dia cinqüenta que é Shavout [nosso
Pentecostes]. Sete vezes
sete [sefirat há omer] ou
49 dias são os que se contam entre Páscoa e Shavuot [Pentecostes], ou entre a liberação e a promulgação da
Lei, do novo Pacto. Aí começa o dia cinquenta. O número oito nas Escrituras é o número
de novos começos. O número oito nas Escrituras mostra o final de uma era
milenária, a nova Yerushalayim (Yerushalayim shel ma’ala o
Santo Jerusalém) e a
vinda do novo céu e a nova terra, tal como o sistema de sacrifício apontou na
antiga Yisrael ao Mashiach (Messias). Bom, o Yovel é também um
novo começo. Cada Israelita vendido à escravidão era liberado no ano Yovel.
Toda propriedade comprada e vendida anteriormente a Yovel era regressada a seu
dono original e todas as dívidas eram canceladas. Em outras palavras, tudo
regressa ao seu dono original, a forma em que deviam de ser. Todas as coisas
foram feitas novas durante o ano Yovel e o ciclo começa novamente. O ano Yovel,
portanto, nos indica o ponto do tempo do futuro. Assim, continua o nosso
Rabi, estas ideias
concretizam o discurso de Jesus como um começo, um perdão e uma novidade em que
Hashem estava anunciando por seu Ungido a nova era de salvação em todos os
sentidos. Por isso é importante, devido às conotações bíblicas, saber que o
toque do shofar anunciador do Yovel também será um dia que escutaremos como
magnífico toque do shofar, que anunciará a vinda de Mashiach, anunciando nossa
liberdade (Mt 24, 31 e1Ts 4, 16). Este som será o início da verdadeira
liberdade para o povo judeu. Mashiach [o messias] virá e construirá o Terceiro
Templo Sagrado. Hashem libertará o mundo da morte e da má inclinação. A
ressurreição dos mortos será realidade, e viveremos para sempre. Rezemos diariamente a oração da Amidá [principal
oração de súplica hebraica] para
que isto aconteça logo. Eis a oração de súplica de um rabi católico
para isso acontecer: Avinu
Malkeinu (Nosso Pai e Rei) perdoa-me. Necessito de ti. Eu confesso que tenho
pecado e que não tenho sido santo, porque Tu és santo. Obrigado por permitir
que Teu Servo, Yeshua HaMashiach tome meus pecados sobre Si e
pague o preço da morte por mim. Pela morte do Mashiach e pela redenção, posso
certamente conhecer-te de maneira real e pessoal. Agora coloco minha fé no
Mashiach Yeshua como meu único Senhor e Salvador e o convido ao meu
coração e à minha vida. Modifica-me e converte-me em teu especial tesouro. Amém. Atualmente não se
celebra o Yovel.
EXPECTAÇÃO: Depois,
tendo enrolado o livro, entregado ao servente, sentou-se; e os olhos de todos
na sinagoga estavam fitos nele(20). Et
cum plicuisset librum reddidit ministro et sedit et omnium in synagoga oculi
erant intendentes in eum. O
ato de sentar-se era próprio dos rabinos da época. A leitura da Escritura se
fazia de pé. Mas a exegese ou comentário eram feitos com o mestre sentado em
sua cátedra. A expectativa estava em todos os presentes. Qual seria o
comentário que Jesus, que já tinha falado em diversas sinagogas da Galileia,
faria dessa profecia de Isaías, que todos contemplavam como sendo messiânica?
CUMPRIMENTO: Começou, pois, a dizer diante deles: Hoje está cumprida esta escritura em vossos ouvidos (21). Coepit autem dicere ad illos quia hodie impleta est haec scriptura in auribus vestris.Como temos observado num comentário anterior, existia uma tradição bastante espalhada entre o povo e que nesse tempo um Ungido devia iniciar um tempo de salvação como se fosse um Yovel extraordinário. Evidentemente Lucas usa o texto grego dos setenta, Is 60, 1-2: A tradução seria: “Espírito do Senhor sobre mim, pelo qual me ungiu para evangelizar os pobres [ptoxoi, meek em inglês], enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar libertação aos cativos, a libertação aos que estão presos, a convocar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança, a consolar todos os que choram.” Porém o texto hebraico, ao qual segue a Vulgata e os modernos, não traz a palavra pobres, mas Anawim. O pobre era Dal e o Anaw significava o manso, o humilde, como Moisés é descrito (Nm 12, 3). A distinção entre as duas palavras está em Pr 22,22: Não roubes o pobre [dal] porque é pobre; nem oprimas em juízo o aflito [ani]. Traduzir anawin por pobres é uma inexatidão. E foi precisamente neste trecho de Lucas em que se apoiaram certos estudiosos para sobreestimar sua reflexão teológica. No texto hebraico não são nomeados os cegos, que por outra parte saem em texto paralelo do mesmo profeta: Eu te pus como luz das nações, a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de soltar do cárcere os presos, e da prisão os que habitam nas trevas (42, 6-7). Como vemos, são termos metafóricos de uma situação de exílio que se compara a uma prisão escura em que os reclusos estão algemados com ferros nos pés e mãos, em masmorras sem luz. Como sinal dos novos tempos, os cegos serão usados por Lucas (Lc 7, 22 e 14, 13.21). Por outra parte, Lucas termina sua citação com o ano do Senhor: ano sabático de perdão em todos os níveis. Nada diz sobre o dia da vingança, que relembra o dia do Senhor de Joel (2,31), de modo que os novos tempos serão de bênção para uns e de terrível castigo para outros.
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