LUCAS 6,27-38
O evangelho deste sétimo
domingo do tempo comum – Lucas 6,27-38 – é a continuidade do discurso da
planície, conforme Lucas, cuja leitura foi iniciada no domingo passado com a
passagem Lc 6,17.20-26. Naquela ocasião, Jesus identificou um mundo
escandalosamente dividido entre pobres e ricos, pessoas que vivem chorando e
outras que vivem sorrindo, saciados e famintos, perseguidos e exaltados. Movido
por uma íntima relação com o Pai (tinha acabado de descer da montanha, onde
tinha orado ao Pai e escolhido os Doze), Jesus tinha certeza que aquele mundo
dividido e desigual não correspondia aos propósitos de Deus; tomou partido pelo
lado mais fraco (os pobres e famintos, os que choram e são perseguidos),
proclamando-os felizes e incentivando-os à luta, para superar aquele abismo,
conforme o duplo significado da palavra grega “makarios”: ser feliz e pôr-se em
marcha, em caminho. Por outro lado, aos ricos, risonhos, saciados e exaltados,
Jesus proferiu sérias denúncias, com a proclamação das chamadas “maldições”,
introduzidas pela fórmula profética de condenação “ai de vós”.
É necessário recuperar essa
imagem de um mundo dividido e desigual, para compreender a mensagem do
evangelho de hoje. Jesus não se limitou a diagnosticar a situação; não teve
medo de escolher um lado, o dos mais pobres e pequenos e propôs um caminho de
superação, correspondente aos propósitos do Pai: “A vós, que me escutais, eu digo: amais
os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (27).
Diante de um mundo ferido pela ganância, desigual e dividido, o caminho de
superação não pode ser outro senão o amor. “Inimigos” aqui, são as pessoas que
praticam o mal, aquelas que são prejudiciais e responsáveis pelo sofrimento do
outro. Jesus propõe uma verdadeira revolução pelo amor, e esse é o grande
diferencial da sua mensagem. Para isso, não ilustra seu ensinamento com
exemplos abstratos, mas com situações bem concretas: “Bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai
por aqueles que vos caluniam. Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece
também a outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a
quem te pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva” (vv.
28-30). Essas são situações do dia-a-dia, acessíveis a todos e todas e bastante
desafiadoras.
Jesus não ensina uma doutrina,
mas apresenta uma proposta de vida, cuja regra de ouro é: “O que vós desejais que os outros vos
façam, fazei-o também vós a eles” (v. 31). Essa regra é a resposta
a todo movimento ou sistema que prega a violência ou a reciprocidade nas
relações. Do outro, nada se exige; o cristão deve é se colocar no lugar do
outro e refletir sobre as consequências de suas ações, como será explicitado
nos versículos seguintes: “Se
amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores
amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos vos fazem o bem, que
recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. E se emprestais somente
àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores
emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia” (v.
32-34). Existe um nível de comportamento e de relações acessível a todos, e que
é praticado em praticamente todas as sociedade: a reciprocidade. Por exemplo,
amar alguém sabendo que é amado por esse alguém, é uma atitude que não exige o
conhecimento do Evangelho nem intimidade com Jesus. “Os pecadores” aqui
significa todas as categorias de quem não pauta a vida segundo o Evangelho. O
princípio do amor se aplica também a outros tipos de relações, como o fazer o bem
de um modo geral, e a prática dos empréstimos.
Novamente no imperativo, o
convite a amar os inimigos é reforçado, junto com o fazer o bem: “Ao contrário, amai os vossos inimigos,
fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa
será grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para
com os ingratos e maus” (v. 35). É necessário que o discípulo
e discípula de Jesus façam além do óbvio, que pratiquem o amor e a justiça de
modo gratuito e desinteressado. Porém, inevitavelmente a recompensa virá, não
como salário em forma material, mas em dignidade: ser filhos ou filhas do
Altíssimo. Ser filho, nessa perspectiva, significa ser parecido com o pai. É
essa a dinâmica do amor proposto por Jesus: tornar o ser humano parecido com
Deus, sendo bondoso como Ele é. Para reforçar ainda mais a necessidade de
tornar-se parecido com Deus, Jesus parte da principal característica desse
Deus: “Sede
misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (v.
36). Aqui, Jesus ousa reformular o solene mandamento de Levítico 19,2: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso
Deus, sou santo”. Esse mandamento fora decisivo para a
construção do orgulho de Israel; compreendia-se a santidade como a separação
dos outros povos. Jesus inova e faz uma reinterpretação decisiva para a sua
comunidade: ser misericordioso significa ser bondoso, é cultivar somente
bondade dentro de si e nas relações com o próximo. Amor e bondade são traços
inseparáveis, e são os sinais mais distintivos na vida dos seguidores e
seguidoras de Jesus.
Ainda de acordo com a “regra de
ouro” das relações (“O que vós
desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”, v.
31), Jesus acrescenta: Não
julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai
e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida,
transbordante será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que
medirdes os outros, vós também sereis medidos” (vv. 37-38). É
claro que ele não está afirmando que o agir humano é critério para o agir de
Deus. Pelo contrário, é Deus o critério, sobretudo na bondade e no amor. Porém,
mais uma vez, ele reivindica a coerência de vida. Julgar e condenar não são
prerrogativas de nenhum ser humano. É no campo das relações com o próximo que
os cristãos e cristãs revelam como se relacionam com Deus e como absorveram o
Evangelho de Jesus.
Essa foi, portanto, a resposta
e o caminho para um mundo ferido, injustiçado, dividido e desigual reencontrar
o seu equilíbrio: acolhendo o ensinamento de Jesus sobre o amor e vivendo
intensamente esse amor. Para isso, não é suficiente esperar passivamente a
mudança de estruturas, mas cada um e cada uma deve, no dia-a-dia, experimentar
esse amor e pautar a vida a partir dele, começando pelas relações com o próximo
e as experiências concretas do cotidiano.
https://www.fiquefirme.com.br/95-reflexao-para-o-7-domingo-do-tempo-comum-lc-627-38
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