A FIGURA DE UM POLÍTICO MEDÍOCRE E INFELIZ
Por Guillermo Daniel Micheletti
3. Um processo romano na terra
da Judeia
O que resta de importante para esclarecer no que diz respeito à
política de PP e sua intervenção nos momentos fundamentais da vida de Jesus?
Tentar organizar e reconstruir, fidedignamente, os relatos da
paixão de Jesus não é empresa fácil. Apoiados em ilustres exegetas que trataram
de expor esses momentos cruciais de modo exaustivo – entre os quais, Raymond
Brown e Simon Légasse –, podemos tentar responder a algumas das questões
levantadas sobre a historicidade desse processo.
Nas regiões governadas pelos romanos, o direito penal era
prerrogativa absoluta deles. Portanto, deve-se dizer que o sinédrio (composto
do sumo sacerdote e 71 membros), embora tivesse poder oficial de pronunciar
sentenças segundo a Lei judaica, de modo nenhum possuía o direito ou o poder de
condenar Jesus à morte; se assim o tivesse feito, sua decisão não teria valor
algum. O processo talvez tenha se desenrolado no palácio de Herodes, e o
colóquio entre PP e Jesus teria acontecido no interior do pretório.
O processo contra Jesus aparece cheio de graves incongruências.
Jesus se defende sozinho, coisa impensável no direito romano. Por que ele foi
condenado na perspectiva judia e romana também não fica claro. Para os romanos,
uma possível condenação teria sido admitida apenas na hipótese de que Jesus se
arrogasse uma realeza terrena, pretendendo substituir o imperador, o que, no
Império Romano, implicaria a condenação à morte. Essa incriminação seria forte
diante de PP. No entanto, o fato de Jesus ter atacado as “maracutaias” do
templo e manifestado sua “origem divina” em nada contrariava a lei romana e,
portanto, PP nem deveria ter cogitado condená-lo com base nisso.
É difícil admitir, no plano histórico, que PP, “não achando
culpa em Jesus”, o tenha condenado apenas porque as autoridades religiosas lhe
enviaram um réu para ser condenado.
4.Pôncio Pilatos em nós?
O chefe dos sacerdotes lembrou a PP que Jesus ameaçava a
segurança do trono e, por causa disso, poderia ser considerado “traidor de
Roma”; esse era um ponto sensível a PP. As multidões lhe pediam que soltasse
Barrabás. Pilatos estava diante de um dilema, como tantas vezes acontece na
vida, especialmente no campo político. A justiça estava de um lado; a retidão,
do outro.
Por vezes, PP nos fascina e até podemos compreendê-lo. A vida
não é fácil! Ele talvez não fosse mau; nem o que chamaríamos de “homem fraco”,
se com isso queremos dizer “pusilânime”. Ao contrário, PP cumpriu seu cargo de
maneira completa e decidida. Afinal de contas, era um bom funcionário público,
um bom agente de Estado. Seu cargo dependia disso. Não era desonesto; ele nada
havia roubado; entretanto, agiu, muito demorada e cuidadosamente, sempre em
vista de seu próprio benefício. Quando o chefe dos sacerdotes lhe forneceu a
razão que ele estava buscando (segundo a lei romana) – “Esse homem é um
traidor: ele se faz rei!” –, preferiu a segurança e a integridade pessoal.
Talvez PP tenha se convencido de que aquele homem provavelmente fosse inocente
– ele conhecia as maquinações das autoridades religiosas de Jerusalém – mas,
submisso a seu ego, não conseguia suportar a hipótese de que sua posição
ficasse ameaçada. Conhecemos muito bem o conflito. Esse PP – atenção! – pode
viver também em nós, quando nos omitimos ou nos recusamos a sacrificar-nos para
ajudar/servir os outros em prejuízo de nós mesmos…
O coração de PP, não raro, parece o nosso, quando não
conseguimos tomar uma decisão, não conseguimos ficar contra as multidões,
contra o que está “na onda”; impotente para buscar a verdade acima de
exigências pessoais. Pilatos é a parte nossa que não defende o bem, que não
consegue ver decência humana nos marginalizados, nos condenados, no submundo de
nossa sociedade. Em cada um de nós, PP põe à prova todos os ideais que
proclamamos no resto do credo. Enfim, parece que ele permanece no credo como
prova absoluta de que Jesus não está realmente seguro conosco. Ainda não…
(CHITTISTER, 2008, p. 137-138).Infelizmente, PP não conheceu o fascínio da
liberdade. Nunca descobriu que a liberdade não mata os sonhos; antes, constrói
na vida o que muitos desejam, mas pelo que não têm a coragem de lutar.
Certamente ser livre é um desafio permanente: fascina, cativa, dá coragem, cria
esperança, faz sonhar, investir no bem, acreditar no futuro. Contém uma força
que é mais forte do que todas as escravidões. No mundo de hoje, precisamos de
pessoas livres! Pilatos não era uma delas (FRANCISCO, 2018, p. 9)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUDOIN,
Anne-Catherine. E Pilato diventa un eroe… Il Mondo della Bibbia, Torino:
Elledici, n. 97, anno 20, p. 46-51, mar./apr. 2009.
CHITTISTER,
Joan. Para aprofundar o creio. São Paulo: Paulinas, 2008.
FAUS,
José Ignacio González. Confío: comentario al credo cristiano. Santander: Sal
Terrae, 2013.
LÉMONON,
Jean-Pierre. Fortuna e caduta di un prefetto di Giudea. Il Mondo della Bibbia,
Torino: Elledici, n. 97, anno 20, p. 32-37, mar./apr. 2009.
MONLOUBOU,
L.; DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes; Aparecida:
Santuário, 1997.
PAGOLA,
José Antonio. Jesús: aproximación histórica. Buenos Aires: PPC, 2013.
PAPA
FRANCISCO. Ser livre é um risco e um desafio. L’Osservatore Romano, n. 49, 4
dez. 2018.
REID,
Daniel G. Reid (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. São Paulo:
Paulus/Paulinas/Loyola; Santo André: Academia Cristã, 2013.
SARTRE,
Maurice. Un romano di fronte all’enigma ebraico. Il Mondo della Bibbia, Torino:
Elledici, n. 97, anno 20, p. 38-41, mar./apr. 2009.
[1] Os
prefeitos da Judeia foram todos romanos: Copônio (6-9 d.C.), Marco Ambívio
(9-12 d.C.), Ânio Rufo (12-15 d.C.), Valério Gato (15-26 d.C.), Pôncio Pilatos
(26-36 d.C.) e Marcelo (36-41 d.C.), que cedeu o poder ao rei Agripa I
(MONLOUBOU; DU BUIT, 1997, p. 637).
[2]
Eusébio de Cesareia, na História eclesiástica, afirma que Pilatos caiu em
desgraça junto ao imperador romano Calígula e cometeu suicídio
por volta do ano 37 d.C. Contudo, o fato é que não se sabe ao certo como
ocorreu sua morte; conforme o apócrifo do Novo Testamento Atos de Pilatos
(também conhecido como Evangelho de Nicodemos), escrito provavelmente no século
IV, a responsabilidade sobre a condenação de Jesus recai sobre os judeus e o
papel de Pilatos no episódio é minimizado. Por causa de tal escrito, nas
Igrejas ortodoxa e ortodoxa etíope, a figura de Pilatos foi reabilitada, a
ponto de ser canonizado pela Igreja etíope e ambas as Igrejas procederem à
canonização de sua esposa, Santa Prócula.
[3] Foi
descoberto, ao sul da antiga cidade de Jerusalém, um esplêndido ossuário
familiar do século I que levava a inscrição: Yehosef bar Caiafa. A pesquisa
admite que, com muita probabilidade, se trate do ossuário de Caifás, que
interveio na execução de Jesus.
Guillermo
Daniel Micheletti
presbítero argentino da diocese de Santo André-SP. Vigário
paroquial da Paróquia Santa Teresinha,
São Bernardo do Campo-SP. Licenciando em Ciências da Educação, especialização
em Pedagogia. Professor de Sacramentos e de Pneumatologia na Escola de Teologia
Diocesana. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat). Autor
de livros pelas editoras Ave-Maria, Paulinas e Vozes.
E-mail: gdmiche@terra.com.br
https://www.vidapastoral.com.br/edicao/poncio-pilatos-a-figura-de-um-politico-mediocre-e-infeliz/
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