sábado, 5 de março de 2022

PÔNCIO PILATOS - PARTE II

A FIGURA DE UM POLÍTICO MEDÍOCRE E INFELIZ

Por Guillermo Daniel Micheletti


 

3. Um processo romano na terra da Judeia

 

O que resta de importante para esclarecer no que diz respeito à política de PP e sua intervenção nos momentos fundamentais da vida de Jesus?


Tentar organizar e reconstruir, fidedignamente, os relatos da paixão de Jesus não é empresa fácil. Apoiados em ilustres exegetas que trataram de expor esses momentos cruciais de modo exaustivo – entre os quais, Raymond Brown e Simon Légasse –, podemos tentar responder a algumas das questões levantadas sobre a historicidade desse processo.


Nas regiões governadas pelos romanos, o direito penal era prerrogativa absoluta deles. Portanto, deve-se dizer que o sinédrio (composto do sumo sacerdote e 71 membros), embora tivesse poder oficial de pronunciar sentenças segundo a Lei judaica, de modo nenhum possuía o direito ou o poder de condenar Jesus à morte; se assim o tivesse feito, sua decisão não teria valor algum. O processo talvez tenha se desenrolado no palácio de Herodes, e o colóquio entre PP e Jesus teria acontecido no interior do pretório.


O processo contra Jesus aparece cheio de graves incongruências. Jesus se defende sozinho, coisa impensável no direito romano. Por que ele foi condenado na perspectiva judia e romana também não fica claro. Para os romanos, uma possível condenação teria sido admitida apenas na hipótese de que Jesus se arrogasse uma realeza terrena, pretendendo substituir o imperador, o que, no Império Romano, implicaria a condenação à morte. Essa incriminação seria forte diante de PP. No entanto, o fato de Jesus ter atacado as “maracutaias” do templo e manifestado sua “origem divina” em nada contrariava a lei romana e, portanto, PP nem deveria ter cogitado condená-lo com base nisso.


É difícil admitir, no plano histórico, que PP, “não achando culpa em Jesus”, o tenha condenado apenas porque as autoridades religiosas lhe enviaram um réu para ser condenado.


4.Pôncio Pilatos em nós?

 

O chefe dos sacerdotes lembrou a PP que Jesus ameaçava a segurança do trono e, por causa disso, poderia ser considerado “traidor de Roma”; esse era um ponto sensível a PP. As multidões lhe pediam que soltasse Barrabás. Pilatos estava diante de um dilema, como tantas vezes acontece na vida, especialmente no campo político. A justiça estava de um lado; a retidão, do outro.


Por vezes, PP nos fascina e até podemos compreendê-lo. A vida não é fácil! Ele talvez não fosse mau; nem o que chamaríamos de “homem fraco”, se com isso queremos dizer “pusilânime”. Ao contrário, PP cumpriu seu cargo de maneira completa e decidida. Afinal de contas, era um bom funcionário público, um bom agente de Estado. Seu cargo dependia disso. Não era desonesto; ele nada havia roubado; entretanto, agiu, muito demorada e cuidadosamente, sempre em vista de seu próprio benefício. Quando o chefe dos sacerdotes lhe forneceu a razão que ele estava buscando (segundo a lei romana) – “Esse homem é um traidor: ele se faz rei!” –, preferiu a segurança e a integridade pessoal. Talvez PP tenha se convencido de que aquele homem provavelmente fosse inocente – ele conhecia as maquinações das autoridades religiosas de Jerusalém – mas, submisso a seu ego, não conseguia suportar a hipótese de que sua posição ficasse ameaçada. Conhecemos muito bem o conflito. Esse PP – atenção! – pode viver também em nós, quando nos omitimos ou nos recusamos a sacrificar-nos para ajudar/servir os outros em prejuízo de nós mesmos…


O coração de PP, não raro, parece o nosso, quando não conseguimos tomar uma decisão, não conseguimos ficar contra as multidões, contra o que está “na onda”; impotente para buscar a verdade acima de exigências pessoais. Pilatos é a parte nossa que não defende o bem, que não consegue ver decência humana nos marginalizados, nos condenados, no submundo de nossa sociedade. Em cada um de nós, PP põe à prova todos os ideais que proclamamos no resto do credo. Enfim, parece que ele permanece no credo como prova absoluta de que Jesus não está realmente seguro conosco. Ainda não… (CHITTISTER, 2008, p. 137-138).Infelizmente, PP não conheceu o fascínio da liberdade. Nunca descobriu que a liberdade não mata os sonhos; antes, constrói na vida o que muitos desejam, mas pelo que não têm a coragem de lutar. Certamente ser livre é um desafio permanente: fascina, cativa, dá coragem, cria esperança, faz sonhar, investir no bem, acreditar no futuro. Contém uma força que é mais forte do que todas as escravidões. No mundo de hoje, precisamos de pessoas livres! Pilatos não era uma delas (FRANCISCO, 2018, p. 9)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BAUDOIN, Anne-Catherine. E Pilato diventa un eroe… Il Mondo della Bibbia, Torino: Elledici, n. 97, anno 20, p. 46-51, mar./apr. 2009.

CHITTISTER, Joan. Para aprofundar o creio. São Paulo: Paulinas, 2008.

FAUS, José Ignacio González. Confío: comentario al credo cristiano. Santander: Sal Terrae, 2013.

LÉMONON, Jean-Pierre. Fortuna e caduta di un prefetto di Giudea. Il Mondo della Bibbia, Torino: Elledici, n. 97, anno 20, p. 32-37, mar./apr. 2009.

MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1997.

PAGOLA, José Antonio. Jesús: aproximación histórica. Buenos Aires: PPC, 2013.

PAPA FRANCISCO. Ser livre é um risco e um desafio. L’Osservatore Romano, n. 49, 4 dez. 2018.

REID, Daniel G. Reid (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. São Paulo: Paulus/Paulinas/Loyola; Santo André: Academia Cristã, 2013.

SARTRE, Maurice. Un romano di fronte all’enigma ebraico. Il Mondo della Bibbia, Torino: Elledici, n.  97, anno 20, p. 38-41, mar./apr. 2009.

[1] Os prefeitos da Judeia foram todos romanos: Copônio (6-9 d.C.), Marco Ambívio (9-12 d.C.), Ânio Rufo (12-15 d.C.), Valério Gato (15-26 d.C.), Pôncio Pilatos (26-36 d.C.) e Marcelo (36-41 d.C.), que cedeu o poder ao rei Agripa I (MONLOUBOU; DU BUIT, 1997, p. 637).

[2] Eusébio de Cesareia, na História eclesiástica, afirma que Pilatos caiu em desgraça junto ao imperador romano Calígula e cometeu suicídio por volta do ano 37 d.C. Contudo, o fato é que não se sabe ao certo como ocorreu sua morte; conforme o apócrifo do Novo Testamento Atos de Pilatos (também conhecido como Evangelho de Nicodemos), escrito provavelmente no século IV, a responsabilidade sobre a condenação de Jesus recai sobre os judeus e o papel de Pilatos no episódio é minimizado. Por causa de tal escrito, nas Igrejas ortodoxa e ortodoxa etíope, a figura de Pilatos foi reabilitada, a ponto de ser canonizado pela Igreja etíope e ambas as Igrejas procederem à canonização de sua esposa, Santa Prócula.

[3] Foi descoberto, ao sul da antiga cidade de Jerusalém, um esplêndido ossuário familiar do século I que levava a inscrição: Yehosef bar Caiafa. A pesquisa admite que, com muita probabilidade, se trate do ossuário de Caifás, que interveio na execução de Jesus.


Guillermo Daniel Micheletti

presbítero argentino da diocese de Santo André-SP. Vigário paroquial da Paróquia Santa Teresinha,
São Bernardo do Campo-SP. Licenciando em Ciências da Educação, especialização em Pedagogia. Professor de Sacramentos e de Pneumatologia na Escola de Teologia Diocesana. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat). Autor de livros pelas editoras Ave-Maria, Paulinas e Vozes. E-mail: gdmiche@terra.com.br

https://www.vidapastoral.com.br/edicao/poncio-pilatos-a-figura-de-um-politico-mediocre-e-infeliz/

Nenhum comentário:

Postar um comentário