sábado, 9 de abril de 2022

DIVAGAÇÕES SOBRE A MORTE E O MORRER (*)


Por Lindolivo Soares Moura (**)

"Não seria a vida inteira um sonho, e a morte um despertar?" (Unamuno).

Dizem que tudo nesta vida tem seu ponto e contraponto, e que em última instância a dialética dos contrários governa a existência. "Todo ponto de vista - costumamos afirmar - é sempre a vista a partir de um determinado ponto". Por outro lado, da mesma forma que um nascimento é comumente considerado uma chegada, a morte é por via inversa de raciocínio considerada uma partida. Mas será mesmo que se foram, partiram, não se encontram mais no meio de nós, aqueles que morreram?  E se se foram, por que foram? Para onde foram? Com que objetivo ou finalidade?  Por fim, uma pergunta menos tradicional e menos clássica: será mesmo que se foram? Será mesmo que nos deixaram?

Unamuno, um Sábio "das arábias" - ele era árabe - deixou-nos uma intrigante interrogação - melhor talvez seria dizer "provocação" - : "não seria a vida inteira um sonho e a morte um despertar?". Vista por esse prisma a morte, talvez nos seja permitido perguntar: afinal, quem parte? Quem fica? Quem celebra quem ou quem sente saudades de quem?

De repente o sentido parece se perder, ou melhor, se inverter: nós é que talvez estejamos ainda adormecidos, vivendo o maior e mais longo de todos os sonhos, aguardando que dele, a qualquer momento, o que chamamos de "morte" para a vida nos venha despertar.

"Um dia - pronto! - me acabo!  Pois seja o que tem que ser. Morrer? - que me importa! O diabo é deixar de viver!".  Ah, Mário Quintana, quanta poesia e sabedoria nos teus versos! Mas hoje queremos te pedir licença- licença poética, como dizem os poetas - para lembrar que viver e morrer são faces de uma mesma e única moeda. O diabo - advertiria Rubem Alves - é a saudade, essa tremenda dor chamada saudade!

Que nos perdoem os italianos - "nostalgia" - os espanhóis - "nostàlgia" -, os ingleses e os americanos - "to miss someone" -, mas não, definitivamente o que tais palavras ou expressão traduzem não é o mesmo sentimento que só "saudade" consegue expressar. Por isso ela é uma palavra só nossa, que só existe em nosso dicionário e idioma, intraduzível, um sentimento tão nosso que parece só existir no nosso coração. E que quando é forte e aperta, provoca reviravolta:  trocamos os pés pelas mãos.

Sim, algo nos diz que há vida do lado de cá, vida plena talvez, do lado de lá. Mas não é exatamente isso que nos incomoda, e menos ainda nos preocupa; o que mexe conosco, nos tira do eixo e tanto nos machuca, é essa espécie de maldade, essa tremenda dor chamada saudade!

Não choramos, veja-se lá, por quem se vai ou por quem se foi, ou por quem há pouco ou muito partiu. Choramos por nós mesmos: de dor, de tristeza, de saudade; choramos - quando o fazemos - em socorro do nosso próprio e pobre coração.

Saudade é um tipo de ferida, ferida emocional, está claro, cujo tratamento se chama lembrança, recordação, e cujo bálsamo talvez seja o que, paradoxalmente, de mais inútil existe e de mais terapêutico se conhece: o choro e o chorar. O luto e o pranto são para bravos e fortes, e não para débeis e fracos como se costuma pensar. E quem acaso desaprendeu, tem que fazer terapia para reaprender a chorar. A tristeza, assim como o choro e a dor, nos tornam mais sensíveis, mais empáticos, mais solidários e compassivos.

Chorar é cuidar e proteger a emoção, abrir o peito, escancarar e deixar falar - gritar se preciso for - o coração. Olhos e lágrimas são apenas parceiros e coadjuvantes nesta empreitada mágica de curar - e não curiosamente como dizemos "matar" -  a saudade".

Tampouco "perdemos" pessoas, como na maioria das vezes equivocadamente dizemos. Como poderia? Nunca se perde o que, e quem se ama. O amor é fonte de encontros e não de desencontros, de nascimento e vida, e não de morte. Certo, porém, é que só se sente saudades de quem realmente se ama e de por quem se é amado.

Enfim, o corpo pode dizer "adeus", mas o espírito e o coração é que prevalecem, e sempre responderão "presente", "aqui estamos". Quanto mais o primeiro definha - lei fundamental da vida - mais o segundo se fortalece. E se o corpo vai pouco a pouco dizendo "adeus", o espírito cumpre também sua sina de retornar "a-Deus": "fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós" (Sto. Agostinho).

Mas se assim for, e à guisa de conclusão, talvez nos seja permitido uma vez mais invocar Unamuno: "acreditar em Deus - ele afirma em outra passagem- não é outra coisa senão desejar que ele exista". Esta é a nossa fé, esta é a nossa esperança: "Deus, qualquer que seja Ele, não é um Deus de mortos, mas de vivos", e vive e existe "para que toda criação e toda criatura possa ter vida, e vida em abundância".

Por fim, Rubem Alves: "quando sentires que nada mais parece fazer sentido, que por nada mais ou mais ninguém parece valer a pena continuar vivendo, volve o olhar à tua direita ou à tua esquerda, e à distância de não mais que meio metro verás 'tua' morte. Se ela te disser: 'vamos, eu ainda não te toquei', significa que a vida ainda tem precedência, que há ainda razões para se continuar a viver, intensamente. Porque apesar de toda dor e sofrimento, desafios e provações, que por vezes ela nos impõe, A VIDA É  E  SERÁ SEMPRE UM VERDADEIRO SHOW, UM MARAVILHOSO ESPETÁCULO!  Vamos, não exites, beba a taça até o fim!".

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(*) Artigo enviado de Vitória (ES) pelo whatsapp.

(**) Lindolivo Soares Moura Vasta experiência como Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta, bem como Professor Universitário. Atendimento terapêutico na área de família, casais, adolescentes, jovens e adultos (menos crianças). Consultório Clínico em Vitória, ES, por aproximadamente 19 anos, com especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, Psicanálise, Psicodrama e Constelação familiar. Ministro religioso (Sacerdote) por aproximadamente 20 anos. Atualmente atuando sobretudo na área de Psicologia Clínica e Professor Universitário (Filosofia, Psicologia, e Teologia aplicadas).

3 comentários:

  1. Dedico esta reflexão a todos aqueles que com dignidade e indeterminação não hesitam em enfrentar a ida e o viver com tudo que ela nos traz de desafios e provações, e que quanto mais provados e desafiados são persistem em continuar lutando, sobretudo menos em benefício de si mesmos, e sobretudo em prol daqueles que lhes foram confiados. "A VIDA é luta renhida que fortes e bravos só sabem exaltar". Para esses ela a vida, não é de não a oportunidade do "bom combate", e a morte o momento de receber a coroa e o prêmio merecidos.

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