Por Lindolivo Soares Moura (**)
"Não seria a vida inteira um sonho, e a morte um
despertar?" (Unamuno).
Dizem que tudo nesta vida tem seu ponto e
contraponto, e que em última instância a dialética dos contrários governa a
existência. "Todo ponto de vista - costumamos afirmar - é sempre a vista a
partir de um determinado ponto". Por outro lado, da mesma forma que um
nascimento é comumente considerado uma chegada, a morte é por via inversa de
raciocínio considerada uma partida. Mas será mesmo que se foram, partiram, não
se encontram mais no meio de nós, aqueles que morreram? E se se foram, por que foram? Para onde
foram? Com que objetivo ou finalidade?
Por fim, uma pergunta menos tradicional e menos clássica: será mesmo que
se foram? Será mesmo que nos deixaram?
Unamuno, um Sábio "das
arábias" - ele era árabe - deixou-nos uma intrigante interrogação - melhor
talvez seria dizer "provocação" - : "não seria a vida inteira um
sonho e a morte um despertar?". Vista por esse prisma a morte, talvez nos
seja permitido perguntar: afinal, quem parte? Quem fica? Quem celebra quem ou
quem sente saudades de quem?
De
repente o sentido parece se perder, ou melhor, se inverter: nós é que talvez
estejamos ainda adormecidos, vivendo o maior e mais longo de todos os sonhos,
aguardando que dele, a qualquer momento, o que chamamos de "morte" para
a vida nos venha despertar.
"Um
dia - pronto! - me acabo! Pois seja o
que tem que ser. Morrer? - que me importa! O diabo é deixar de
viver!". Ah, Mário Quintana, quanta poesia e sabedoria nos teus versos! Mas hoje
queremos te pedir licença- licença poética, como dizem os poetas - para lembrar
que viver e morrer são faces de uma mesma e única moeda. O diabo - advertiria
Rubem Alves - é a saudade, essa tremenda dor chamada saudade!
Que
nos perdoem os italianos - "nostalgia" - os espanhóis -
"nostàlgia" -, os ingleses e os americanos - "to miss
someone" -, mas não, definitivamente o que tais palavras ou expressão
traduzem não é o mesmo sentimento que só "saudade" consegue
expressar. Por isso ela é uma palavra só nossa, que só existe em nosso
dicionário e idioma, intraduzível, um sentimento tão nosso que parece só
existir no nosso coração. E que quando é forte e aperta, provoca reviravolta: trocamos os pés pelas mãos.
Sim,
algo nos diz que há vida do lado de cá, vida plena talvez, do lado de lá. Mas
não é exatamente isso que nos incomoda, e menos ainda nos preocupa; o que mexe
conosco, nos tira do eixo e tanto nos machuca, é essa espécie de maldade, essa
tremenda dor chamada saudade!
Não
choramos, veja-se lá, por quem se vai ou por quem se foi, ou por quem há pouco
ou muito partiu. Choramos por nós mesmos: de dor, de tristeza, de saudade;
choramos - quando o fazemos - em socorro do nosso próprio e pobre coração.
Saudade
é um tipo de ferida, ferida emocional, está claro, cujo tratamento se chama
lembrança, recordação, e cujo bálsamo talvez seja o que, paradoxalmente, de
mais inútil existe e de mais terapêutico se conhece: o choro e o chorar. O luto
e o pranto são para bravos e fortes, e não para débeis e fracos como se costuma
pensar. E quem acaso desaprendeu, tem que fazer terapia para reaprender a
chorar. A tristeza, assim como o choro e a dor, nos tornam mais sensíveis, mais
empáticos, mais solidários e compassivos.
Chorar
é cuidar e proteger a emoção, abrir o peito, escancarar e deixar falar - gritar
se preciso for - o coração. Olhos e lágrimas são apenas parceiros e
coadjuvantes nesta empreitada mágica de curar - e não curiosamente como dizemos
"matar" - a saudade".
Tampouco
"perdemos" pessoas, como na maioria das vezes equivocadamente
dizemos. Como poderia? Nunca se perde o que, e quem se ama. O amor é fonte de
encontros e não de desencontros, de nascimento e vida, e não de morte. Certo,
porém, é que só se sente saudades de quem realmente se ama e de por quem se é
amado.
Enfim,
o corpo pode dizer "adeus", mas o espírito e o coração é que
prevalecem, e sempre responderão "presente", "aqui
estamos". Quanto mais o primeiro definha - lei fundamental da vida - mais
o segundo se fortalece. E se o corpo vai pouco a pouco dizendo
"adeus", o espírito cumpre também sua sina de retornar
"a-Deus": "fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está
inquieto enquanto não repousar em Vós" (Sto. Agostinho).
Mas
se assim for, e à guisa de conclusão, talvez nos seja permitido uma vez mais
invocar Unamuno: "acreditar em
Deus - ele afirma em outra passagem- não é outra coisa senão desejar que ele
exista". Esta é a nossa fé, esta é a nossa esperança: "Deus, qualquer
que seja Ele, não é um Deus de mortos, mas de vivos", e vive e existe
"para que toda criação e toda criatura possa ter vida, e vida em
abundância".
Por
fim, Rubem Alves: "quando
sentires que nada mais parece fazer sentido, que por nada mais ou mais ninguém
parece valer a pena continuar vivendo, volve o olhar à tua direita ou à tua
esquerda, e à distância de não mais que meio metro verás 'tua' morte. Se ela te
disser: 'vamos, eu ainda não te toquei', significa que a vida ainda tem
precedência, que há ainda razões para se continuar a viver, intensamente. Porque
apesar de toda dor e sofrimento, desafios e provações, que por vezes ela nos
impõe, A VIDA É E SERÁ SEMPRE UM VERDADEIRO SHOW, UM
MARAVILHOSO ESPETÁCULO! Vamos, não exites,
beba a taça até o fim!".
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(*) Artigo enviado de Vitória
(ES) pelo whatsapp.
(**)
Lindolivo Soares Moura Vasta
experiência como Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta, bem como Professor
Universitário. Atendimento terapêutico na área de família, casais,
adolescentes, jovens e adultos (menos crianças). Consultório Clínico em
Vitória, ES, por aproximadamente 19 anos, com especialização em Terapia
Cognitivo Comportamental, Psicanálise, Psicodrama e Constelação familiar.
Ministro religioso (Sacerdote) por aproximadamente 20 anos. Atualmente atuando
sobretudo na área de Psicologia Clínica e Professor Universitário (Filosofia,
Psicologia, e Teologia aplicadas).
Dedico esta reflexão a todos aqueles que com dignidade e indeterminação não hesitam em enfrentar a ida e o viver com tudo que ela nos traz de desafios e provações, e que quanto mais provados e desafiados são persistem em continuar lutando, sobretudo menos em benefício de si mesmos, e sobretudo em prol daqueles que lhes foram confiados. "A VIDA é luta renhida que fortes e bravos só sabem exaltar". Para esses ela a vida, não é de não a oportunidade do "bom combate", e a morte o momento de receber a coroa e o prêmio merecidos.
ResponderExcluirfeterminacao
ResponderExcluirdeterminação
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