A que se destina e em que sentido nos interpela?
Por Frei Claudino Gilz
Introdução
A respeito do termo educação, cada um de
nós já traz consigo um conjunto memorável de aprendizados, de questões, de saberes,
de práticas e de experiências desenvolvidas. Todavia, a que se destina e em que
sentido a missão da educação nos interpela?
Asseguram alguns historiadores1 que a educação
não foi inventada pelos gregos. A educação é contemporânea ao aparecimento das primeiras
experiências humanas individuais e da vida em grupo. É contemporânea ao desenvolvimento
da linguagem, das atividades laborais, da arte, da religiosidade, entre outras práticas
humanas. Por ser inerente à formação e aos aprendizados de cada ser humano, a educação
veio se delineando, ao longo da história, numa expressiva variedade de pressupostos
teóricos, de delineamentos metodológicos, de tensões, de conflitos, de ideologias,
de erros e acertos, de descobertas e avanços.
“A Ordem dos Frades Menores, por sua parte,
quase desde suas origens, reconheceu que sua vocação essencialmente evangelizadora
exigia dela ocupar-se também da tarefa educativa. Atividade que se concretizou,
de uma maneira muito especial, nas Universidades e, depois, nas chamadas terras
de missão.”2. E, neste atual momento de 2022, para quais escolhas e práticas a educação
nos mobiliza a empreender?
A Educação como tema privilegiado por três
Campanhas da Fraternidade
Desde meados da década de 60 (séc. XX), a
educação esteve já por duas vezes (1982 e 1998) entre os temas contemplados pela
CNBB à promoção da Campanha da Fraternidade. À luz do lema “A verdade vos libertará”,
a Campanha da Fraternidade de 1982 tinha como principal objetivo mobilizar a Igreja
e a sociedade a criar condições para a prática de uma educação libertadora, a serviço
da construção de uma sociedade fraterna. Inspirada no lema “A serviço da vida e
da esperança”, a Campanha da Fraternidade de 1998 visava disseminar a educação como
caminho à realização humana, à vivência em comunidade, ao exercício da cidadania
e à promoção de ações para a erradicação do analfabetismo no Brasil.
Em 2022, a Campanha da Fraternidade privilegia
pela terceira vez a temática da Educação com o lema “Fala com sabedoria, ensina
com amor.” (Pr 31,26). Alguns excertos do texto-base3 dessa atual Campanha nos auxiliam
a identificar aspectos não só basilares da educação em si, mas também apelos da
Igreja enquanto missão a realizar:
1 “A realidade da educação nos interpela
e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação
da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento
pessoal integral, a formação para vida fraterna e para a cidadania.” (CF-2022, Texto-Base,
n. 5).
2 “A educação é um indispensável serviço à vida. Ela nos ajuda a crescer na vivência
do amor, do cuidado e da fraternidade.” (CF-2022, Texto-Base, n. 6).
3 “Educação não é condicionamento ou adestramento. É conduzir e acompanhar a pessoa
para sair do não saber, rumo à consciência de si mesma e do mundo em que vive. É
tornar a pessoa consciente, para que se torne sempre mais sujeito de seus sentimentos,
pensamentos e ações.” (CF-2022, Texto-Base, n. 22).
4 “Educar, antes de dar lições, é aprender com as lições cotidianas e com as crises.”
(CF-2022, Texto-Base, n. 34).
5 “O projeto de vida de sociedade pode colocar em seu núcleo central a pessoa humana,
a cooperação e a superação das desigualdades. Dessa forma, o projeto de vida não
é algo que se revela somente no exercício de autoconhecimento, mas também na relação
com o outro, com as demandas da sociedade, sempre em espírito de fraternidade e
serviço.” (CF-2022, Texto-Base, n. 38).
6 “Educar é humanizar. A educação é um ato de amor e esperança no ser humano.” (CF-2022,
Texto-Base, n. 69).
7 “A educação, precisamente porque tem por objetivo tornar a pessoa mais humana,
só pode realizar-se autenticamente em um contexto relacional e comunitário.” (CF-2022,
Texto-Base, n. 167).
8 “Toda proposta educativa tem subjacente uma concepção do ser humano, da cultura,
da sociedade e da história. […] A educação que parte de uma antropologia cristã
também considera o fim último da pessoa: conhecer e amar a Deus no tempo e na eternidade,
e os irmãos e irmãs por meio da fraternidade. A educação não é só integral no sentido
temporal, mas eterno. (CF-2022, Texto-Base, n. 169).
9 “Educar para o humanismo solidário implica, também, trabalhar por uma verdadeira
inclusão, considerando o que é próprio de cada cultura e de cada contexto, sempre
com o olhar cuidadoso para as gerações futuras.” (CF-2022, Texto-Base, n. 177).
10 “Educar com sabedoria e amor é estimular o cuidado pela vida, desde a concepção,
passando pelo fim natural, até a eternidade.” (CF-2022, Texto-Base, n. 221).
11 “A humanização de uma sociedade passa também pelo modo de lidar com a fragilidade,
a morte e o luto. […] Olhar a educação à luz da fragilidade e da morte tão próxima
significa perguntar o que é que estamos fazendo com a vida, a morte e o luto.” (CF-2022,
Texto-Base, n. 248).
12 “Não há dúvidas de que a qualidade da educação depende da participação de todos
os atores envolvidos em um clima de apoio e solidariedade.” (CF-2022, Texto-Base,
n. 268).
A educação é, segundo estes 12 excertos,
uma constante necessidade do ser humano em qualquer momento, etapa de sua efêmera,
mas sagrada existência. A educação é uma atividade humana sumamente complexa, repleta
de pressupostos, de personagens interdependentes e também de riscos. Um desses riscos
consiste na tendência do ser humano de se eximir de escutar devidamente o seu semelhante.
“[…] estamos a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente, tanto
na teia normal das relações cotidianas como nos debates sobre os assuntos mais importantes
da convivência civil.”4.
A Missão de educar para a Fraternidade e
o Humanismo Solidário
Cada etapa da história da educação está articulada
ao nosso presente e, por isso, ajuda-nos a refletir sobre as mais diversas questões
e problemáticas do tempo presente. Não obstante acontecimentos tais como a tragédia
que abalou Petrópolis (RJ) ao final da tarde de 15 de fevereiro último, a percepção
da missão de educar para a Fraternidade e ao Humanismo Solidário também depende
de fatores, tais como:
– a ideia de que de que o ser humano “[…]
está se fazendo continuamente”5;
– a compreensão cristã e franciscana da criação6;
– a finalidade da educação conforme a LDB/967;
– a memória de que “a fraternidade intuída
e vivida por Francisco de Assis não é só humana, mas inclusive cósmica: ela se estende
a todas as criaturas.”8.
– o alcance de uma convivência fraterna,
alimentada pela cultura do diálogo, pela globalização da esperança, pela viabilidade
da inclusão, por relações que compõem uma comunidade viva, interdependente, vinculada
a um destino comum9;
– a aspiração de se alcançar um olhar mais
amplo em relação à instauração de um novo modelo ético-social, capaz de abranger
parcelas cada vez maiores da humanidade, mobilizando-as a contribuir na promoção
da paz, da justiça e da solidariedade;
– a imperiosa necessidade de se contrapor ao cenário atual, multifacetado e em constante
mudança, atravessado por intolerâncias de naturezas diversas, por múltiplas crises
(econômicas, financeiras, políticas, democráticas, ambientais, demográficas e migratórias),
pelo terrorismo, pelo aumento da miséria, do desemprego e das desigualdades sociais,
por ataques irracionais a provocar instabilidades emocionais e sentimentos de ódio
etc.;
– o desenvolvimento de atividades educativas
voltadas à promoção de redes de cooperação, à instauração de uma cultura solidária
junto às atuais gerações escolares e universitárias, de modo a contrapor ao individualismo,
à ideologia do conflito e à relativização dos princípios religiosos;
– a sensibilização de todas as pessoas da
sociedade para o apreço do verdadeiro, do bom, do belo e do desenvolvimento integral
da pessoa humana.
Cada um dos aprendizados, dos saberes, das
práticas e das experiências sobre educação que nos acompanham são, por assim dizer,
importantíssimos ao propósito ampliar lastros e práticas em prol de uma vida fraterna,
solidária e feliz. Tanto a educação acadêmica como a educação não-formal precisam
se alimentar da articulação de saberes interdisciplinares, oriundos da História,
da Religião, da Pedagogia, da Biologia, da Ecologia, da Arte, da Linguística, da
Matemática, da Política, da Economia, da Filosofia, da Geografia, do Direito, das
culturas, das relações sociais, do senso comum. Educação essa capaz de se servir
da sabedoria dos Pais e dos Avós, dos Santos e Santas. Do contrário, a educação
jamais chegará ao comprometimento de todos nós, membros itinerantes e convivas nesta
Aldeia terrena.
A pessoa revela-se não como um ser solitário,
autossuficiente nem absoluto, mas como um centro ou um núcleo de relações com o
mundo, os seres humanos, o Transcendente e consigo mesmo. Estas relações se interagem
e se integram na promoção do crescimento do ser humano. […] Francisco de Assis,
a partir desta perspectiva, é um modelo de integração consigo mesmo e com os outros.
De fato, a forte experiência de Deus como Pai e Sumo Bem o levou a uma atitude de
agradecimento e de louvor ao Criador por suas maravilhas e o fez irmão de todos
os homens e de todas as criaturas10
Para uma cifra significativa de pessoas,
a vida fraterna não passa de comodismos lamentáveis, de experiências sofríveis,
de relações tóxicas alimentadas por carências e inseguranças. A missão de educar
para a Fraternidade e ao Humanismo Solidário denota um conjunto de escolhas que
precisamos fazer, principalmente em favor dos que vivem nas periferias11 das pessoas
menos assistidas, dos sem teto, dos famintos e dos abandonados. “O ser humano contemporâneo
experimentou que o que acontece numa parte do mundo pode ter consequências noutras,
e que ninguém pode, a priori, sentir-se seguro num mundo onde há sofrimento e miséria.”12
Educar para a Fraternidade e o Humanismo
Solidário é uma missão muito digna e sagrada que o Altíssimo Deus sempre de novo
nos confia. Que não nos falte motivações existenciais, eclesiais13 e franciscanas
para tanto! Que não nos falte ousadia, comprometimento, atitude dialógica, prudência
e amor capaz de gestos supremos (Cf. Jo, 15,13) em favor dos mais necessitados e
sofredores!
1 Cf. GAUTHIER, Clermont e TARDIF, Maurice.
A pedagogia: teorias e práticas da antiguidade aos nossos dias. Tradução de Lucy
Magalhães. Petrópolis: Vozes, 2010. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Tradução
de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999; NEVES, Joana. História Geral: a construção
de um mundo globalizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005; SAVIANI, Demerval. História
das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.
2 ORDEM DOS FRADES MENORES – Secretariado
para a Evangelização (coord.). Ide e ensinai: Diretrizes Gerais para a Educação
Franciscana, Roma, 2009, p. 7.
3 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.
Campanha da Fraternidade 2022: texto-base, n.º 167. Brasília: Edições CNBB, 2021.
4 PAPA FRANCISCO. Escutar com o ouvido do
coração: mensagem para o 56.º dia mundial das comunicações sociais. Roma, 24/01/2022.
5 BOFF, Leonardo. Tempo de transcendência:
o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante/ Lumensana Publicações
Eletrônicas, 2000, p. 6.
6 “Se nos aproximarmos da natureza e do meio
ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto, se deixarmos de falar a
língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas
atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos
naturais, incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos.” (PAPA FRANCISCO.
Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum, n. 11. Roma: maio de
2015).
7 “[…] A educação […], inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.” (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, n.º 9394 de 20/12/1996.
8 ORDEM DOS FRADES MENORES. O grito da terra
e o grito dos pobres – um subsídio da Ordem para o cuidado da Criação. Tradutor
desconhecido. Roma: OFM Communications Office, 2016, p. 20.
9 Cf. CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA.
Educar ao humanismo solidário – para construir uma ‘civilização do amor’: 50 anos
após a Populorum Progressio. Roma: Institutos de Estudo, 2017.
10 ORDEM DOS FRADES MENORES – Secretariado
para a Evangelização (coord.). Ide e ensinai: Diretrizes Gerais para a Educação
Franciscana, Roma, 2009, p. 21-22.
11 “A inclusão ou exclusão da pessoa que
sofre na margem da estrada [cf. Parábola do Bom Samaritano, Lucas 10:25-37] define
todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos
a opção de ser bons samaritanos ou viandantes indiferentes que passam ao largo.”
(PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli Tutti – sobre a fraternidade e a amizade
social (n. 69). Assis (Itália), 3 de outubro de 2020).
12 CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA.
Educar ao humanismo solidário – para construir uma ‘civilização do amor’: 50 anos
após a Populorum Progressio. Roma: Institutos de Estudo, 2017, n. 28-29.
13 “Saiamos! […] prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças.” (PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium aos fiéis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, n. 49, Roma 24/12/2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário