sábado, 4 de junho de 2022

REFLEXÃO DOMINICAL II

OS SIGNIFICADOS DE PENTECOSTES


Poderíamos iniciar a nossa reflexão com uma indagação: Pentecostes é o aniversário da Igreja? De certa maneira sim. A primeira comunidade tinha sido reunida por Jesus durante a sua vida. Mas o que foi tão decisivo na data de Pentecostes, depois da morte e ressurreição de Jesus, é que aí começou a proclamação ao mundo inteiro da Salvação em Jesus Cristo, morto e ressuscitado.

Para os antigos judeus, Pentecostes era o aniversário da proclamação da lei no monte Sinai: esta proclamação constituiu, por assim dizer, Israel como povo, deu-lhe uma “constituição”. De modo semelhante, quando os apóstolos proclamam no dia de Pentecostes a salvação em Jesus Cristo, é constituído o novo povo de Deus. Não só Israel, mas todos os povos agora alcançados, cada um em sua própria língua, conforme nos ensina a primeira leitura.

A Primeira Leitura de hoje(At 2,1-11) nos apresenta o milagre das línguas. Pentecostes é interpretado como acontecimento escatológico à partir da profecia de Joel. Mas, sobretudo, é o cumprimento da palavra de Cristo. Passa como um vendaval ao ouvido, como fogo aos olhos; mas permanece como transformação do “pequeno rebanho” em Igreja missionária. Também hoje a Igreja do Cristo se reconhece pelo espaço que ela dá ao Espírito e pela capacidade de proclamar sua mensagem.

O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.

É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. At 2,5-13): todos “os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura, as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.

Nesta solenidade vamos ressaltar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade.

A Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13) nos apresenta a unidade do Espírito na diversidade dos dons. “Jesus é o Senhor” é a confissão que une a Igreja primitiva. E esta confissão só se consegue manter na força do Espírito Santo. Como a unidade da confissão, o Espírito dá, também, a multiformidade dos serviços na Igreja. Todos que pertencem a Cristo são membros diversos do mesmo Corpo. O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade. Devemos todos termos a consciência de que somos membros de um único “corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas diversas).

Jesus conhecia também a curteza da mente e do coração humanos. Sozinhos, os homens não seriam capazes de conhecer e viver a verdade evangélica. Conhecia, assim, a forte tendência da criatura ao egoísmo. Ora, o Reino dos Céus estende-se na direção oposta ao egoísmo: tende a formar rede de comunidade, tende ao universalismo, por isso a Igreja é católica, ou seja, universal, aonde o Espírito age e vivifica.

Assim Jesus envia o Espírito Santo para sustentar a criatura, iluminar os olhos da fé e abrir estes olhos à fraternidade.

Hoje celebramos a mistura do Espírito e vida, Espírito e história, Espírito e destino humano. E Pentecostes passa a significar fonte e finalidade, começo e plenitude.

Cristo ressuscitou para nos livrar da morte eterna. E o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos na abundância de sua graça para que, continuando a missão de Jesus, dessem testemunho da misericórdia de Deus encarnada em Cristo e implantassem a lei do coração. (cf. 2 Cor 3,3).

É muito significativo que o Espírito Santo desça sob os Apóstolos no mesmo lugar da Instituição da Eucaristia, ou seja, no Cenáculo. Assim, a partir de Pentecostes, os discípulos, ou seja, a Igreja, formarão o corpo total de Cristo, serão os continuadores da missão de Jesus, aqueles que, fazendo a Eucaristia, são por ela transformados no Corpo do Senhor.

São Francisco de Assis ensina que: “É o Espírito Santo do Senhor, que habita nos fiéis, quem recebe o santíssimo Corpo e Sangue de Cristo”. Assim, será nula a comunhão, se não estivermos santificados pelo poder do Espírito Santo. E por menores que sejamos, seremos dignos do Senhor, porque não é a pequenez que conta, mas a grandeza do Espírito Santo de Deus em nós.

Jesus, no Evangelho de hoje(cf. Jo 20,19-23), nos promete a sua presença entre nós até a consumação dos tempos. E mais do que isso ele nos oferece “a paz”, esta instituição que está tão desprezada pelos povos globalizados e dominadores. Paz que vem da Eucaristia! Paz que vem da presença santificante de Deus em nós! Paz que é o repouso da presença do Espírito vivificante em nós, o Espírito de Deus!

O Espírito Santo é o Paráclito. Paráclito que significa advogado, consolador e sustentador de nossas vidas. Paráclito é uma palavra composta e indica um amigo ou uma pessoa de confiança chamada para nos ajudar num momento de crise ou de dificuldade; mas indica também o consolo que sentimos, a segurança que esperamos de Deus, que experimentamos na nossa fé, na certeza de que o Espírito de Deus sempre caminha ao nosso lado para nos proteger, consolar e sustentar na constância da fé e da caridade.

Jesus, no Evangelho, envia os apóstolos para a missão e dá a certeza de que o Espírito Santo sempre velará e acompanhará na missão de anúncio do Reinado e senhorio de Deus. Dentro da fragilidade dos ministros sagrados, mas impregnados pela graça santificante de Deus, abandonando todos os paradigmas da perseguição e da calúnia que desune a comunidade, o Espírito Santo nos envia para a missão porque “Tudo posso naquele que me fortalece”(cf. Fl 4,13).

Oração suplicante, oração com corações e joelhos voltados para o alto, para que o Espírito Santo nos ajude a enxergar no irmão o rosto sereno e radioso de Cristo Ressuscitado.

Os apóstolos que escutaram de viva voz Jesus e caminharam com ele, tiveram medo e dificuldade de entender a sua missão na terra. Assim, mais do que todos nós temos que ter a intrépida coragem de sair pelo mundo como testemunhas de Jesus, testemunhando pela fé, não precisando ver para crer.

As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as covardias e fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

A missão da Igreja continua em nossos dias. É nosso dever tentar alcançar com a nova evangelização todas as gentes, povos, grupos, classes e raças.

Assim o verdadeiro milagre das línguas não consiste em dizer somente “Aleluia” em todas as línguas. É mais. Os diversos dons do Espírito Santo de que fala a segunda leitura servem exatamente para isto: para atingir as pessoas de todas as maneiras, para sermos profetas da Nova Aliança, selada por Cristo em seu próprio sangue e agora publicada para o mundo sob o impulso do Espírito.

A comunhão a todos reúne. No Espírito Santo, espírito de amor e unidade, todos podem entender-se. O Espírito é a alma da Igreja, o calor de nossa fé e de nossa comunhão eclesial. A Igreja, por sua unidade no Espírito, no vínculo da paz, torna-se sacramento do perdão, da unidade, da paz no mundo, na medida em que ela se coloca em contato com o Senhorio do Cristo pascal, na evangelização e na vivência do amor.

Viver o Cristo e amar o próximo pode ser o resumo da presença do Espírito Santo entre nós. Amém!

Homilia por: Padre Wagner Augusto Portugal

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