OS SIGNIFICADOS DE PENTECOSTES
Poderíamos iniciar a nossa reflexão com uma indagação: Pentecostes é o aniversário da Igreja? De certa maneira sim. A primeira comunidade tinha sido reunida por Jesus durante a sua vida. Mas o que foi tão decisivo na data de Pentecostes, depois da morte e ressurreição de Jesus, é que aí começou a proclamação ao mundo inteiro da Salvação em Jesus Cristo, morto e ressuscitado.
Para os antigos
judeus, Pentecostes era o aniversário da proclamação da lei no monte Sinai: esta
proclamação constituiu, por assim dizer, Israel como povo, deu-lhe uma “constituição”.
De modo semelhante, quando os apóstolos proclamam no dia de Pentecostes a salvação
em Jesus Cristo, é constituído o novo povo de Deus. Não só Israel, mas todos os
povos agora alcançados, cada um em sua própria língua, conforme nos ensina a primeira
leitura.
A Primeira Leitura de hoje(At 2,1-11) nos
apresenta o milagre das línguas. Pentecostes é interpretado como acontecimento escatológico
à partir da profecia de Joel. Mas, sobretudo, é o cumprimento da palavra de Cristo.
Passa como um vendaval ao ouvido, como fogo aos olhos; mas permanece como transformação
do “pequeno rebanho” em Igreja missionária. Também hoje a Igreja do Cristo se reconhece
pelo espaço que ela dá ao Espírito e pela capacidade de proclamar sua mensagem.
O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua
de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano,
mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas,
de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade
de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos
o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição
desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade,
à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da
comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha
da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade
messiânica é a comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente
as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do
Espírito (cf. At 2,5-13): todos “os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas
de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes
de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor,
pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus,
que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de
Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel.
A possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não
é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem
deixarem a sua cultura, as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta
de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala
a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam
povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que,
no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.
Nesta solenidade vamos ressaltar o papel do Espírito na tomada
de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos
apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de
arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos
uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como
comunidade de amor e de liberdade.
A Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13) nos
apresenta a unidade do Espírito na diversidade dos dons. “Jesus é o Senhor” é a
confissão que une a Igreja primitiva. E esta confissão só se consegue manter na
força do Espírito Santo. Como a unidade da confissão, o Espírito dá, também, a multiformidade
dos serviços na Igreja. Todos que pertencem a Cristo são membros diversos do mesmo
Corpo. O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao
“corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e
é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade. Devemos
todos termos a consciência de que somos membros de um único “corpo” – o corpo de
Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas
(não mais dignas ou mais importantes, mas diversas).
Jesus conhecia
também a curteza da mente e do coração humanos. Sozinhos, os homens não seriam capazes
de conhecer e viver a verdade evangélica. Conhecia, assim, a forte tendência da
criatura ao egoísmo. Ora, o Reino dos Céus estende-se na direção oposta ao egoísmo:
tende a formar rede de comunidade, tende ao universalismo, por isso a Igreja é católica,
ou seja, universal, aonde o Espírito age e vivifica.
Assim Jesus
envia o Espírito Santo para sustentar a criatura, iluminar os olhos da fé e abrir
estes olhos à fraternidade.
Hoje celebramos
a mistura do Espírito e vida, Espírito e história, Espírito e destino humano. E
Pentecostes passa a significar fonte e finalidade, começo e plenitude.
Cristo ressuscitou
para nos livrar da morte eterna. E o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos na
abundância de sua graça para que, continuando a missão de Jesus, dessem testemunho
da misericórdia de Deus encarnada em Cristo e implantassem a lei do coração. (cf.
2 Cor 3,3).
É muito significativo
que o Espírito Santo desça sob os Apóstolos no mesmo lugar da Instituição da Eucaristia,
ou seja, no Cenáculo. Assim, a partir de Pentecostes, os discípulos, ou seja, a
Igreja, formarão o corpo total de Cristo, serão os continuadores da missão de Jesus,
aqueles que, fazendo a Eucaristia, são por ela transformados no Corpo do Senhor.
São Francisco
de Assis ensina que: “É o Espírito Santo do Senhor, que habita nos fiéis,
quem recebe o santíssimo Corpo e Sangue de Cristo”. Assim, será nula a comunhão,
se não estivermos santificados pelo poder do Espírito Santo. E por menores que sejamos,
seremos dignos do Senhor, porque não é a pequenez que conta, mas a grandeza do Espírito
Santo de Deus em nós.
Jesus, no
Evangelho de hoje(cf. Jo 20,19-23), nos promete a sua presença entre nós até a consumação
dos tempos. E mais do que isso ele nos oferece “a paz”, esta instituição
que está tão desprezada pelos povos globalizados e dominadores. Paz que vem da Eucaristia!
Paz que vem da presença santificante de Deus em nós! Paz que é o repouso da presença
do Espírito vivificante em nós, o Espírito de Deus!
O Espírito
Santo é o Paráclito. Paráclito que significa advogado, consolador e sustentador
de nossas vidas. Paráclito é uma palavra composta e indica um amigo ou uma pessoa
de confiança chamada para nos ajudar num momento de crise ou de dificuldade; mas
indica também o consolo que sentimos, a segurança que esperamos de Deus, que experimentamos
na nossa fé, na certeza de que o Espírito de Deus sempre caminha ao nosso lado para
nos proteger, consolar e sustentar na constância da fé e da caridade.
Jesus, no
Evangelho, envia os apóstolos para a missão e dá a certeza de que o Espírito Santo
sempre velará e acompanhará na missão de anúncio do Reinado e senhorio de Deus.
Dentro da fragilidade dos ministros sagrados, mas impregnados pela graça santificante
de Deus, abandonando todos os paradigmas da perseguição e da calúnia que desune
a comunidade, o Espírito Santo nos envia para a missão porque “Tudo posso
naquele que me fortalece”(cf. Fl 4,13).
Oração suplicante,
oração com corações e joelhos voltados para o alto, para que o Espírito Santo nos
ajude a enxergar no irmão o rosto sereno e radioso de Cristo Ressuscitado.
Os apóstolos
que escutaram de viva voz Jesus e caminharam com ele, tiveram medo e dificuldade
de entender a sua missão na terra. Assim, mais do que todos nós temos que ter a
intrépida coragem de sair pelo mundo como testemunhas de Jesus, testemunhando pela
fé, não precisando ver para crer.
As comunidades
construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro
de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo
em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele
que nos faz vencer os medos, superar as covardias e fracassos, derrotar o ceticismo
e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar
o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua
do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às
suas indicações, aos seus questionamentos.
A missão da
Igreja continua em nossos dias. É nosso dever tentar alcançar com a nova evangelização
todas as gentes, povos, grupos, classes e raças.
Assim o verdadeiro
milagre das línguas não consiste em dizer somente “Aleluia” em todas as línguas.
É mais. Os diversos dons do Espírito Santo de que fala a segunda leitura servem
exatamente para isto: para atingir as pessoas de todas as maneiras, para sermos
profetas da Nova Aliança, selada por Cristo em seu próprio sangue e agora publicada
para o mundo sob o impulso do Espírito.
A comunhão
a todos reúne. No Espírito Santo, espírito de amor e unidade, todos podem entender-se.
O Espírito é a alma da Igreja, o calor de nossa fé e de nossa comunhão eclesial.
A Igreja, por sua unidade no Espírito, no vínculo da paz, torna-se sacramento do
perdão, da unidade, da paz no mundo, na medida em que ela se coloca em contato com
o Senhorio do Cristo pascal, na evangelização e na vivência do amor.
Viver o Cristo
e amar o próximo pode ser o resumo da presença do Espírito Santo entre nós. Amém!
Homilia por:
Padre Wagner Augusto Portugal
https://catequisar.com.br/liturgia/solenidade-de-pentecostes-c/
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