sábado, 26 de novembro de 2022

REFLEXÃO DOMINICAL III É sempre a vinda do Filho do homem

 

REFLEXÃO DOMINICAL III

É sempre a vinda do Filho do homem

 

Por Pe. José Luiz Gonzaga do Prado(*)

 

 

I.              Introdução geral

 

Advento não é simplesmente tempo de preparação para o Natal. O comércio, aliás, já está se preparando para o Natal há bastante tempo. Advento significa vinda, chegada. É tempo de celebrar a vinda de Jesus, do Senhor, do Filho do homem. O Natal é apenas o momento e a motivação privilegiada para, nos quatro domingos, celebrarmos essa vinda.

Para as comunidades primitivas, a destruição de Jerusalém e do Templo ocorrida no ano 70 significou uma vinda do Messias Jesus, o “Filho do homem”. O cristianismo nasceu da religião judaica, centralizada até então no Templo de Jerusalém. Assim, a destruição da cidade e do Templo, embora tenha sido grande choque também para os cristãos, um fim de mundo, abriu, ao mesmo tempo, novos horizontes, foi novo começo.

Todo acontecimento, de pouca ou grande monta, deve ser considerado uma vinda de Jesus. Em tudo o que acontece, ele está vindo ao nosso encontro, está mostrando-nos nova esperança e novo caminho, está lançando diante de nós um desafio e nos pedindo a resposta de uma atitude nova, diferente. Nós é que muitas vezes não percebemos.

Estaremos preparados para o encontro final com Jesus se soubermos atender a esses apelos que ele nos faz por intermédio dos fatos.

II.            Comentários aos textos bíblicos

 

  1. I leitura: Is 2,1-5

 

Em meio às guerras e ameaças de guerra, o profeta fala da Lei divina e da comunidade de fé, chamada de Sião ou Jerusalém. Tanto a do seu tempo como a de hoje devem ser esperança e luz para todas as nações.

A maneira pela qual Isaías fala de Sião ou Jerusalém, da “montanha da casa do Senhor”, de onde vem o ensinamento, a lei de Deus para todas as nações, dá a entender que ele pensa mais numa comunidade ideal do que na realidade física da cidade. Isso se torna claro até pelo fato de falar de um futuro, “nos últimos dias”.

A “montanha da casa do Senhor” não é apenas aquela montanha que se eleva oitocentos metros acima do nível do mar Mediterrâneo (onde está Jerusalém), mas um lugar de encontro com Deus que se situa muito acima de qualquer alta montanha ou serra; é uma comunidade de fé ideal, presença de Deus no mundo. Esta é que atrai para si todas as nações.

Todos vão à sua procura para encontrar os melhores caminhos. Todos querem aprender dela. Todos buscam a paz, e isto é o que ela ensina: “fundir suas espadas para fazer bicos de arado, fundir as lanças para delas fazer foices”, transformar as armas em instrumentos de trabalho, mudar a força de destruição em força de construção, abandonar as guerras e partir para a colaboração.

O profeta-poeta projetava essa comunidade ideal, promotora da harmonia universal, para um futuro, os “últimos tempos”. Esses “últimos tempos” não podem ser apenas o momento final da história, o fim da humanidade no planeta. É o futuro que já deve estar presente, é o futuro-presente que podemos hoje entender e pôr em prática como a etapa decisiva da humanidade após a ressurreição do Crucificado.

  1. II leitura: Rm 13,11-14ª

 

 As comunidades de Roma, apesar de pobres, viviam na capital do império. Ali não havia limites para o consumo e o gozar a vida. Paulo as convida a não cair na tentação.

Quanto mais escura a noite, mais próximo está o clarear do dia; quanto mais difícil a situação (era o tempo do imperador Nero em Roma), mais perto está uma solução.

Paulo tinha falado em 1Ts 4,15 na possibilidade de estar vivo na segunda vinda de Cristo. Depois, sentindo provável sua condenação à morte, desejou-a (Fl 1,23) para estar com Cristo. Agora ele fala da proximidade da salvação. Seria a vinda final de Cristo? Seu propósito, no entanto, era encerrar sua missão na parte oriental do império, passar por Roma e ir evangelizar a Espanha, o lado ocidental (Rm 15,22-24). Ele não teria esses grandes e arriscados projetos se esperasse para breve o fim do mundo.

Os problemas internos nas comunidades de Roma também não eram poucos. Os cristãos judeus tinham sido expulsos da cidade e agora podiam voltar. A situação da Palestina era cada vez mais grave, estava se tornando explosiva. Eles voltavam para Roma influenciados pelas ideias de revolução e muito mais aferrados à sua identidade judaica. Enquanto isso, os cristãos gentios de Roma, sem dúvida, tinham se afastado mais e mais dos costumes judaicos. Os dois grupos iriam se entender?

Roma, a capital do mundo, era, além disso, uma tentação; tentação, acima de tudo, de consumismo, pois tudo o que se produzia de melhor em todo o império era carreado para Roma. Cair nessa tentação seria deixar-se envolver pelo mundo das trevas.

Estão dormindo aqueles que não têm esperança de que o mundo possa mudar nem nisso pensam. Um mundo novo está chegando, está para ser construído; é preciso, então, estar acordados, viver como em pleno dia – alerta Paulo –, fugir do consumismo, que não dá nenhum sentido à vida. Como o mesmo Paulo disse em 1Ts 5, os que dormem é de noite que dormem; os que se embriagam, é de noite que se embriagam. Estes serão pegos de surpresa. Nós, ao contrário, somos da luz e, como tais, vivemos unidos ao Senhor e Messias Jesus.

  1. Evangelho: Mt 24,37-44

 

 A vinda de Cristo, quando será? O Evangelho responde que ninguém pode saber, é imprevisível. Diz, porém, que precisamos ficar atentos, ligados a Deus e seu projeto, mesmo no trabalho cotidiano, dentro ou fora de casa.

O Evangelho, das palavras de Jesus que se referem diretamente à destruição de Jerusalém, passa a falar do encontro final do fiel com o Cristo juiz. O trecho que lemos hoje faz exatamente essa passagem.

Ele havia falado da comparação com a planta que começa a brotar, anunciando a chegada da primavera e do verão (vv. 32-36). Sinais do dia decisivo seriam a autoproclamação messiânica dos líderes da revolta judaica (vv. 5-8), dificuldades, incompreensões e perseguição aos cristãos, além da divulgação do Evangelho (vv. 9-14) e da violação do Templo (v. 15). Mas, nos vv. 34-35, é dito que os fatos acontecerão ainda “nesta geração”, o que só pode ser entendido com a destruição de Jerusalém.

Depois de dizer que o dia e a hora só Deus sabe (v. 36), o Evangelho entra no texto de hoje comparando a situação de então com a do tempo de Noé. No episódio bíblico do dilúvio, ninguém se interessou pela arca que Noé preparava, ninguém pensou que sua vida seria interrompida: todos continuavam sua rotina até que Noé entrou na arca – e, em seguida, veio o dilúvio e todos se foram.

É uma advertência para estarmos conscientes de um fim inevitável, mas de data e hora imprevisíveis. E estar conscientes disso significa estar atentos aos apelos de Deus por meio dos fatos. O fim vem, é certo. Quando? Só Deus sabe. As duas certezas nos preparam para ir ao encontro do Senhor que vem.

Por ocasião da invasão do exército romano, nas proximidades ou dentro de Jerusalém, dois homens no campo ou duas mulheres em casa, exercendo a mesma atividade, têm sortes diferentes. Essa afirmação leva naturalmente a uma reflexão: o que importa não é exatamente o que estão fazendo, mas o modo como cada um está agindo na sua rotina cotidiana. Está vigilante, com o pensamento voltado para Deus e seu projeto, ou voltado apenas para si mesmo e seus sonhos?

Vem a comparação do ladrão, que chega sempre quando menos se espera. Para não ser pegos de surpresa, é preciso vigiar, ficar acordados, atentos, alertas. Paulo (1Ts 5,1ss) já fazia a comparação com o ladrão, que vem à noite. E dizia: “Mas nós não somos das trevas nem da noite, nós somos do dia e da luz”.

III.           Pistas para reflexão

 

 Em tudo o que acontece, Jesus está mostrando-nos nova esperança e novo caminho, está lançando diante de nós um desafio, está nos pedindo a resposta de uma atitude nova, diferente. É o seu advento, a sua vinda que celebramos. Nós é que muitas vezes não percebemos.

O desafio de hoje é a violência, uma ordem social violenta, de pura competição, que explode em acontecimentos trágicos, mas está no coração da sociedade e no coração de cada um. A comunidade que acredita em Deus e não no dinheiro ensina a transformar as armas em instrumentos de trabalho, mudar a força de destruição em força de construção, abandonar a violenta guerra da competição e partir para a colaboração.

A “montanha da casa do Senhor” não é apenas aquela montanha que se eleva oitocentos metros acima do nível do mar Mediterrâneo, mas um lugar de encontro com Deus, uma comunidade de fé que deve ser luz para a humanidade.

Quanto mais escura a noite, mais próximo está o clarear do dia; quanto mais difícil a situação, mais perto está uma solução.

Aqueles que não têm esperança em outro mundo possível estão dormindo. Um mundo novo está vindo, está para ser construído; é preciso estar acordados, viver como em pleno dia, fugir do consumismo, que não dá nenhum sentido à vida, e fazer da sobriedade ferramenta de partilha.

O fim vem, é certo. Quando? Só Deus sabe. A certeza é que vem, e a certeza é que não podemos saber quando vamos ao encontro do Senhor. É preciso estar conscientes de um fim inevitável, mas de data e hora imprevisíveis. E estar conscientes disso significa estar atentos aos apelos de Deus por meio dos fatos.

O que importa não é o que as pessoas estão fazendo, mas o modo como cada um está agindo. Está vigilante, com o pensamento voltado para Deus e seu projeto, ou voltado apenas para si mesmo e sua cobiça? Isso é o que vai definir a sorte de cada um.

“Nós não somos das trevas nem da noite, nós somos do dia e da luz.” Que significado tem isso no nosso dia a dia?

Os “últimos tempos” são o futuro que já está presente, são o futuro-presente que podemos hoje entender e pôr em prática. São a etapa decisiva da humanidade após a ressurreição do Crucificado, que celebramos.

Pe. José Luiz Gonzaga do Prado

Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico. Autor dos livros A Bíblia e suas contradições: como resolvê-las e A missa: da última ceia até hoje, ambos publicados pela Paulus.

 

 

 

 

 

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