SANTO AGOSTINHO
Sermão 200 – A Manifestação do Senhor
1. Os magos vieram do Oriente para adorar o nascido da Virgem.
Esta é a festa que celebramos hoje; a ela, damos a merecida solenidade e
dedicamos o sermão. Este dia brilhou pela primeira vez para os magos; para nós,
retorna anualmente nesta festividade. Eles foram os primeiros frutos dos
gentios, nós somos o povo constituído de gentios. A nós foi anunciado pela
linguagem dos apóstolos; para eles, uma estrela, como a linguagem do céu; e os
próprios apóstolos, como se fossem céus, nos proclamaram a glória de Deus [1] .
Por que não reconhecermos que os céus se tornaram tronos de Deus? Assim está
escrito: A alma do justo é o trono da sabedoria [2]. Através destes céus reinou
o criador e morador dos céus; ante tal trono o mundo estremeceu, e eis que aqui
já crê. Grande mistério! Ele estava deitado na manjedoura e guiava os magos do
Leste. Escondido em um estábulo, era reconhecido no céu, para que, reconhecido
no céu, se manifestasse no estábulo e este dia recebesse o nome de Epifania,
que pode ser traduzido como “manifestação”. Ao mesmo tempo, sua exuberância e
humildade eram enaltecidas, para que aqueles que o buscavam o encontrassem em
um estreito estábulo – para o qual os céus abertos guiavam com os sinais das
estrelas – ; de modo que, mesmo sendo uma criança envolta em panos, os magos o
adorassem e o maus o temessem [3] .
2. Com efeito, o rei Herodes o temeu quando os magos o
anunciaram, ainda enquanto estavam procurando pelo Pequeno que já sabiam que
ele nascera através do testemunho do céu. Como será o seu tribunal quando agir
como juiz, se o berço do menino já aterrorizava os reis orgulhosos? Quão sábio
são os reis agora que não buscam matá-lo, como Herodes, senão que, como os
magos, se deleitam em adorar precisamente a quem sofreu por seus inimigos, da
mão de seus mesmos inimigos, a mesma morte que o seu inimigo queria causá-lo e
com sua morte ele matou a morte em seu corpo! Agora os reis sentem um piedoso
temor a quem já está sentado à direita do Pai; a quem já temeu, quando Ele se encarnou
no seio de sua Mãe, aquele rei ímpio. Ouçam o que está escrito: “Agora, ó reis,
compreendei isso; instruí-vos, ó juízes da terra. Servi ao Senhor com respeito
e exultai em sua presença; prestai-lhe homenagem com tremor […]”[4] . Aquele
rei que vem aos reis ímpios e guia os piedosos, não nasceu como nascem os reis
neste mundo, pois também nasceu o rei cujo o reino não é deste mundo. A nobreza
do nascido manifestou-se na virgindade da Mãe e a nobreza da Mãe, na divindade
do nascido. Finalmente, apesar de ter sido muito os reis dos judeus já nascidos
e mortos, nenhum deles jamais procurou por magos para adorá-lo, visto que
tampouco conheceram alguém pela voz do céu.
3. No entanto, os fatos não devem ser negligenciados, essa
iluminação dos magos tornou-se o grande testemunho da cegueira dos judeus.
Aqueles procuraram na terra daqueles o que estes não reconheceram em sua
própria. Entre eles encontraram, sem palavras, o que os judeus negaram quando
Ele ensinava. Esses peregrinos que vinham de longe adoravam a Cristo, uma
criança que ainda não falava, ali onde seus concidadãos o crucificaram quando,
já adulto, realizava milagres. Os magos o reconheceram como Deus na sua
infância; os judeus sequer o perdoaram como homem quando Ele realizava suas
grandiosas obras. Como se fosse algo maior ver uma nova estrela brilhante no
dia de seu nascimento do que ver o sol chorar no dia de sua morte! Todavia,
aquela mesma estrela que conduziu os magos ao lugar onde o menino Deus estava
com sua Virgem Mãe e que certamente poderia ter os guiado até a mesma cidade,
se escondeu e não voltou a aparecer até que haviam perguntado aos judeus em que
cidade Cristo tinha que nascer, para que a nomeassem conforme o testemunho da
Sagrada Escritura e disseram: Em Belém de Judá. Assim está escrito: “E tu,
Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá,
porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo.”[5]. O que mais a
Providência divina quis dizer com isso, senão que as únicas Escrituras divinas
ficariam sob a posse dos judeus com as quais os gentios seriam instruídos e
eles cegados; que eles não a levariam como apoio para sua salvação, senão como
testemunho da nossa? Pois, hoje mesmo, quando apresentamos as profecias sobre
Cristo, já esclarecidas à luz dos acontecimentos, se por acaso nos comunicassem
os pagãos, a quem queremos ganhar, que essas coisas não foram previstas de
antemão, senão depois de acontecer o anunciado, de forma que o que se pensa ser
uma profecia foi uma invenção dos cristãos, usamos os códices dos judeus para
eliminar a dúvida dos pagãos. Pagãos que já estavam figurados naqueles magos a
quem os judeus instruíram com as divinas Escrituras acerca da cidade em que
Cristo nasceu, a quem eles nem buscavam, nem reconheciam.
4. Agora, pois, amadíssimos, filhos e herdeiros da graça,
considerada vossa vocação e, uma vez manifestado Cristo aos judeus e aos
gentios, apegue-se a ele como uma pedra angular [6] com um amor que não conhece
limites. Com efeito, no limiar de sua infância Ele se manifestou tanto aos que
estavam próximo e aos que estavam longe [7]. Aos judeus, nos pastores que se
aproximaram e para os gentios, nos magos que vieram de longe. Aqueles chegaram
no mesmo dia em que Ele nasceu; estes, acredita-se, hoje. Eles foram informados,
pois, sem o primeiro ser sábio, nem o segundo apenas, pois na resistência dos
pastores prevalece a ignorância, e nos ritos sacrílegos dos magos, a impiedade.
Eles estavam unidos pela própria pedra angular, que veio para escolher os
estultos do mundo para confundir os sábios [8], e não para chamar os justos,
mas os pecadores, [9], para que ninguém, por maior que seja, vanglorie-se e
ninguém, ainda que seja o menor, perca a esperança. Assim se explica que os
escribas e fariseus, embora se considerem sábios e justos, ao mesmo tempo que,
lendo os oráculos divinos, mostraram a cidade em que deveria nascer [10] ,
enquanto construtores o rejeitaram. Mas como Ele se tornou a cabeça angular
[11] , o que Ele mostrou em seu nascimento se cumpriu em sua paixão. Apeguemo-nos
a Ele em companhia do outro muro no qual estão os restos de Israel que, pela
eleição livre, eles foram salvos [12]. Eles que haviam de se unir de perto,
estão simbolizados nos pastores, para que também nós, cuja vocação significava
a chegada de longe dos magos, permaneçamos nEle não mais como peregrinos e
inquilinos, mas como concidadãos dos santos e familiares Deus, edificados com
eles no alicerce dos apóstolos e profetas, sendo Cristo a pedra angular; Ele
que fez dos povos um só [13], de modo que nEle amemos a unidade e possuamos uma
caridade incansável para recuperar os ramos que, provenientes da árvore, também
foram enxertados [14]; mas, desgastadas pela soberba, tornaram-se hereges. Deus
é poderoso para enxertá-los novamente.
[1] Cf. Salmos XVIII,1
[2] Cf. Sabedoria VII,7
[3] Cf. São Mateus II,1-18
[4] Salmos II,10-11
[5] São Mateus II,5-6
[6] Cf. Efésios II,20
[7] Cf. Efésios II,17
[8] Cf. I Coríntios I,27
[9] Cf. São Mateus IX,13
[10] Cf. São Mateus II,4-6
[11] Cf. Salmos CXVII,22
[12] Cf. Romanos XI,5
[13] Cf. Efésios II,11-12
[14] Cf. Romanos XI,17-24
Traduzido
por Ruan Gabriel a partir da versão espanhola de Pío de Luis, OSA, disponível
em:
<http://www.augustinus.it/spagnolo/discorsi/discorso_255_testo.htm>
https://www.institutojacksondefigueiredo.org/sermoes/sermao-200-a-manifestacao-do-senhor
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