PARRESIA
Lições Preciosas do Papa Bento XVI sobre a fé
Também conhecido como o “Papa
filósofo”, Joseph Ratzinger deixou um denso legado teológico do qual destacamos
algumas reflexões sobre a fé.
A Obra de Joseph Ratzinger em meio à
complexidade que lhe é própria, mas nem por isso inacessível, revela um grande
esforço em abordar de forma existencial e ontológica a dimensão da fé sobretudo
no cenário pós Concílio Vaticano II.
– Salto de fé: um
desafio nos tempos modernos
Na monumental obra “Introdução ao Cristianismo”[1], o autor fala sobre a fé no mundo
contemporâneo destacando o cuidadoso olhar de Kierkegaard[2] e do iluminista Lessing[3], revelando a dimensão da incredulidade e
dúvida sobre a existência de Deus, presente no mundo da Teologia, mas não de
forma exclusiva, pois perpassa toda a sociedade. A convivência com a
fragilidade da fé leva inevitavelmente ao inquietante aspecto de que é
impossível definir exatamente o que ela significa. Em verdade, para os
estudiosos de teologia, impõe-se suportar as incertezas da ausência de fé.
A sagacidade do autor se manifesta na forma
de aduzir a fé em uma amplitude tamanha capaz de abarcar até mesmo o mais
incrédulo, pois este é levado a pensar: “e
se eu estiver errado e Deus existir?” ou “E se o Deus da fé for de fato uma
realidade?”. Sobre o crente e o incrédulo, arremata Ratzinger:
“Talvez seja
justamente a dúvida, que preserva ambos da reclusão exclusiva do seu próprio
eu, o lugar em que a comunicação poderá realizar-se. É ela que impede ambos de
se fecharem completamente em si próprios; é ela que quebra a casca de quem tem
fé, abrindo-o para aquele que duvida, e abre a casca de quem duvida para aquele
que tem fé; para um, a dúvida é a sua maneira de participar do destino do
incrédulo, para outro é a forma que a fé encontra para continuar sendo um
desafio para ele” (Págs. 36 e 37)
Ora, esta dúvida, portanto, atormenta a todos
e merece uma reflexão que ultrapasse a casuística. O grande ‘xeque mate’
apresentado pelo autor é o brocardo jurídico in dubio pro reu, segundo o qual na dúvida é
melhor ter fé.
Mas, um ponto merece atenção: o Papa nos
ensina que a mera curiosidade neutra do espírito que procura manter-se à parte
nunca será capaz de levar qualquer um a ter uma experiência pessoal com Deus.
Neste ponto, ganha destaque a decisão pessoal como ato de vontade, o qual não
pode depender apenas da razão.
Isto exige, então uma atitude interior, uma
profunda conversão: “É
uma virada do ser, e só quem se vira pode recebe-la” e continua afirmando que “como nossa gravidade não cessa de
puxar-nos numa outra direção, a fé continua sendo uma virada a ser realizada
dia-a-dia...”
A fé, para Ratzinger, sempre teve uma relação
intrínseca com a “angústia da liberdade”, com algum tipo de quebra, ou um
“salto corajoso em demanda ao que é infinito”. Ela, portanto, não pode se
adaptar automaticamente às necessidades da existência humana, mas pressupõe o
que Kierkegaard chama de Salto
de fé, compreendendo uma espécie de decisão enquanto opção
fundamental. Em suma: não se pode optar pela fé sem saltar.
– O Deus da fé e o
Deus dos filósofos
A reflexão sobre este tema, no entender do
Papa, é tão antiga quanto a relação entre fé e filosofia. A sua história tem
origem na experiência de Pascal ao escrever “Fogo,
o ‘Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó’ não o Deus dos filósofos e sábios”.
Esclarece Ratzinger na mencionada obra: “Acostumado
com a ideia de um Deus totalmente identificado com o pensamento matemático,
Pascal teve a sua proporia existência da sarça ardente, que o fez compreender
que o Deus que é a geometria eterna do universo só pode sê-lo por ser amor
criador e sarça ardente”.
A partir de Pascal, o Deus da Fé passou a ser
essencialmente experiência e sentimento, além de coração e vida em clara
oposição ao Deus frio e distante proposto pelos filósofos.
Embora o teólogo Ratzinger pudesse adotar a
posição simplesmente pelo Deus da fé em detrimento do saber filosófico, não é
isso o que ele faz. Ele se posiciona pela unidade teórica do Deus dos
filósofos e dos Deus da fé.
O grande Papa teólogo defende que cabe ao
entendimento filosófico buscar o fundamento, o sentido apresentado pela fé e
que, in casu,
encontra-se no logos que
em sentido amplo traz a acepção de palavra, sentido, razão, verdade. A
magistral ideia de Ratzinger tem assento na providência divina que que conduziu
o logos grego
à fé hebraica e vice-versa. Este foi a via providenciada por Deus para que a fé
fosse libertada de uma certa patologia intrínseca arraigada numa predisposição
ao fundamentalismo. O mesmo teria acontecido com a razão, a qual sem fé
tenderia à violência, ao puro cálculo, ao cientificismo positivista.
Unir fé e razão, eis o resumo de toda
a atividade teológico-pastoral do Papa Bento XVI, onde tudo se assenta no Amor. É ele quem dá um
novo sentido ao Deus dos filósofos: “O
logos do mundo inteiro, o protopensamento criador, é ao mesmo tempo amor, ou
melhor, esse pensamento é criador justamente porque enquanto pensamento é amor
e, enquanto amor, é pensamento. Revela-se nele a identidade original da verdade
e do amor que, quanto estão plenamente realizados, não são duas realidades
paralelas ou até opostas, e sim uma coisa só, a saber, o absoluto único”
(Pág. 111).
Com estas reflexões convidamos você a se
aprofundar na fé matriculando-se na Escola de Teologia na plataforma do
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[1] RATZINGER,
Joseph. Introdução ao Cristianismo, Preleções sobre o Símbolo Apostólico. São
Paulo: Loyola, 1985. 8ª edição
[2] SørenAabye
Kierkegaard foi um filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês,
amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista.
[3] GottholdEphraimLessing
foi poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão, considerado um dos
maiores representantes do Iluminismo, conhecido também por sua crítica ao
antissemitismo e defesa do livre-pensamento e tolerância religiosa.
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