O REINO
DE DEUS E O PODER POLÍTICO (II)
4. Jesus e o poder
No contexto de uma sociedade monárquica e de um poder imperial, a
palavra “reino” não se refere a outra coisa que não a determinada forma de
organização política da sociedade. Para nós, habitantes de repúblicas, a
palavra “reino” passou a evocar realidades de contos de fada ou algo com
sentido metafórico. Mas essa não era a perspectiva israelita.
A palavra “reino”, em qualquer avaliação, é uma palavra que descreve uma
instituição política de sociedade. Ela é, em sua origem, um termo político,
mesmo se um número de leitores da Bíblia (…) tenha apropriado o termo
metaforicamente. (…) O resultado da carreira de Jesus mostra que,
preferencialmente, sua proclamação a respeito do reino de Deus foi política,
não metafórica e muito menos “espiritual” (Malina, 2004, p. 11).
Portanto, ao proclamar o Reino de Deus, Jesus estava propondo também
(como condição para um reino pleno) nova estrutura de organização da sociedade,
e, para isso, era necessário substituir a estrutura existente (o reino de
Herodes e o reinado dos imperadores romanos) e estabelecer uma nova. Não é
razoável pensar que isso possa ser feito sem que se “tome” de alguma forma, o
poder na sociedade. A parábola dos administradores perversos (cf. Mc 12,1-12)
não deixa dúvidas sobre a necessidade de destituir o poder dominante e
“entregar a vinha a outros”. Ela é tão clara, que os próprios chefes dos
sacerdotes entenderam que a mensagem se dirigia a eles e à sua estrutura de
poder e, por isso, procuraram matar Jesus. O fato também de essa parábola ter
sido contada no Templo (sede do poder político-religioso local) indica claro
direcionamento da mensagem ao poder estabelecido. Portanto, a tomada de poder
fazia parte do programa de Jesus. Mas de que forma?
Não havia, naquele tempo, a possibilidade de uma tomada de poder pela
via eleitoral. Ou era uma tomada violenta, ou não acontecia. Isso poderia
inviabilizar uma reflexão que lançasse luz à nossa situação atual. No entanto,
se fizermos pequena abstração, sem forçar os conceitos, podemos fazer uma
analogia entre a tomada de poder apenas pela eleição e a sua conquista pela
força: ambas as formas têm a característica de ser uma tomada brusca do poder
que substitui repentinamente os ocupantes da máquina estatal. Se, por um lado,
elas se diferem no método (uma é pelas armas e outra pelas urnas), por outro,
têm em comum a característica de ser uma troca repentina dos ocupantes do poder
estatal.
Será, então, importante ver como Jesus avaliava a tomada repentina e
violenta de poder para, guardadas as devidas proporções, perguntarmo-nos sobre
a tomada de poder por meio das eleições.
Em outro momento da história (século II a.C.), o qual certamente ainda
estava bastante presente na memória coletiva dos israelitas da época de Jesus,
ocorreu grande revolta na Judeia, liderada inicialmente por Matatias e depois
conduzida por seu filho Judas, apelidado Macabeu (o martelo), e seus irmãos. A
pressão do rei selêucida Antíoco IV para que toda a Judeia se adaptasse à
religião, às leis e aos costumes gregos e a subserviência da elite política
judaica ao domínio estrangeiro (cf. 2Mc 4,7-17) geraram grande insatisfação
entre o povo. A vitória da Guerra dos Macabeus contra o império helenístico dos
selêucidas e contra seus representantes judeus (os sumos sacerdotes Jasão e
Menelau e a elite judaica) conseguiu estabelecer um governo autônomo na Judeia
a partir da tomada do poder local. A dinastia que se iniciou com a tomada do
poder pelos macabeus ficou conhecida como “asmoneia” (de Asmon, ancestral dos
irmãos macabeus) e seus reis sumos sacerdotes, como reis “asmoneus.
Mas em que resultou essa tomada de poder? Com a morte de Judas, seu
irmão Jônatas assumiu a liderança da revolta e, após a vitória, empossou-se no
cargo de sumo sacerdote. Seu irmão, Simão, substituiu-o após a sua morte e,
além de concentrar poderes em suas mãos, passou o cargo de sumo sacerdote a seu
filho João Hircano, dando início à dinastia asmoneia.
O que tinha começado como uma revolta de camponeses judeus, uma guerra
de guerrilha contra os exércitos selêucidas, terminou não com a implantação do
Reino de Deus, mas simplesmente no estabelecimento de uma nova dinastia de
sumos sacerdotes (Horsley, 1995, p. 37).
Surpreendentemente, os reis asmoneus, a partir de João Hircano e seu
filho Alexandre Janeu, fizeram acordos com impérios vizinhos, traíram os ideais
da revolta macabaica, empenharam-se em um processo de helenização da sociedade
judaica (justamente o motivo que fomentou a revolta do povo judeu),
conquistaram violentamente povos vizinhos, destruíram o templo dos samaritanos
sobre o monte Garizim e impuseram às populações dominadas a circuncisão e a
forma de religião da Judeia, que não era a mesma entre israelitas de outras
regiões, como a Galileia (para maiores aprofundamentos, ver Gottwald, 1988, pp.
415-426; e Horsley, 1995, pp. 28-43).
Isso certamente foi motivo de grande frustração e decepção por parte
daqueles que combateram na esperança da criação de um reino governado por Deus.
Os que viam na sua luta pela tomada do poder a oportunidade de viver de acordo
com a lei de Moisés e com sua tradição tiveram seus sonhos destruídos com o
estabelecimento de um governo que em nada se diferenciou das dinastias
anteriores e nem dos governantes dos impérios pagãos.
A insatisfação e a decepção dos judeus com o governo dos asmoneus deram
origem ao partido dos fariseus e aos essênios. Os benefícios proporcionados
pela dinastia asmoneia a um grupo específico da população judaica criaram o
partido dos saduceus entre os grandes proprietários de terra e a elite que
orbitava a corte real e sumo sacerdotal. Isso significa que a configuração da
política no tempo de Jesus estava diretamente ligada com a experiência da
tomada do poder a partir da rebelião macabaica e com a traição dos ideais
revolucionários por parte dos reis sumos sacerdotes asmoneus. A dinastia
asmoneia só se encerrou em 63 a.C, com a conquista romana da Palestina e com a
perda da independência para o império romano.
Jesus e seus contemporâneos experimentavam novamente o domínio direto de
uma nação estrangeira. Localmente, o domínio do território do antigo reino de
Israel estava dividido entre Herodes Antipas (Galileia e Pereia) e Pilatos
(Judeia e Samaria). Como não havia separação entre religião e política, os
assuntos cotidianos da administração da Judeia eram decididos pelos conselheiros
do Templo, chefiados pelo sumo sacerdote judeu indicado por Roma. Mas a
autoridade do Templo se estendia a questões respeitantes à lei judaica mesmo
para os judeus que viviam fora do território da Judeia.
O Sinédrio era composto de saduceus,
doutores da lei, uma elite sacerdotal e alguns fariseus. Estes últimos, embora
tenham tido atitude hostil com relação ao domínio asmoneu, passaram, em sua
maioria, a dar apoio e sustentação à elite judaica e a orbitar o Templo. Este
parece ter sido outro caso exemplar de traição de princípios,
e não de adesão a uma doutrina equivocada. Nas palavras de
Jesus, os fariseus partilhavam da “boa” doutrina: “Os doutores da Lei e os
fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, vocês devem
fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles
falam e não praticam” (cf. Mt 23,1-3). A traição ocorreu porque os fariseus se
tornaram “amigos do dinheiro” e contribuíram com a “exploração do órfão e da
viúva” (Lc 16,4; Mt 23,13-36).Mas essa sentença não pode ser generalizada, dado
que muitos movimentos de resistência na Palestina foram liderados por
fariseus; o problema parecia estar no rumo que seu partido havia tomado.
Uma situação insustentável de miséria se impôs sobre a Palestina. Os
altos impostos pagos a Roma se somavam à tributação exagerada lançada por
Antipas sobre os galileus e ao imposto do Templo de Jerusalém. Isso contribuiu
com o enriquecimento excessivo de membros da elite judaica, que, beneficiara de
dívidas contraídas por camponeses em dificuldade, passaram a juntar grandes
propriedades de terra. O controle do Templo também rendia grandes somas aos
sumos sacerdotes e aos membros do Sinédrio.
Quanto mais pobre, mais se sofria com a exploração e a pesada carga de
impostos. Jesus faz essa observação a respeito da viúva pobre que teve de
depositar no tesouro do Templo tudo que tinha para viver, enquanto os ricos
pagavam o que lhes sobrava (cf. Mc 12,38-13,2; Lc 20,45-21,7; notemos que,
nessas passagens, Jesus denuncia os membros do Sinédrio antes e profere uma
sentença contra o Templo depois de constatar o episódio da viúva pobre — a
leitura deve ser feita ignorando a divisão dos capítulos).
Nesse cenário, como ficava a esperança no Reino de Deus, promessa feita
por meio dos profetas e esperada principalmente pelos pobres e pelos camponeses
destituídos de suas terras e rendas?
Alguns grupos acreditavam ser possível vencer a dominação estrangeira
pela força, mediante guerras localizadas contra os poderes locais, como fizeram
os macabeus. Todas essas tentativas, contudo, eram massacradas pelo poder
romano ou pelas forças locais de Herodes, e seus líderes eram mortos, muitas
vezes por crucificação (para conhecer essas experiências, ver o estudo de
Horsley, 1995, sobre os movimentos populares no tempo de Jesus).
Jesus não parecia nutrir simpatia pela tomada do poder como um momento
explosivo de uma revolta armada nem pretendia ser empossado como rei davídico.
Isso provavelmente não era decorrência de uma pregação de não violência
incondicional. É evidente que uma pregação centrada no amor rejeita
veementemente a violência. Mas isso é parte de um projeto, e não uma condenação
ingênua a qualquer forma de violência.
É mais razoável pensar que a rejeição a uma estratégia de tomada
explosiva de poder era decorrente de uma reflexão acerca da eficácia desse tipo
de atitude à luz do projeto mais amplo de construção do Reino de Deus. Ou seja,
além das forças romanas serem maiores — o que produziria o massacre de qualquer
levante —, o Reino exigia muito mais do que simplesmente trocar o governo.
Em Lc 13,1-5, Jesus é informado sobre o massacre de galileus por
Pilatos. A ação direta do governo romano só recaía sobre rebeldes que
representassem uma ameaça, mesmo que pequena, aos interesses do império. Crimes
comuns eram punidos pelas instâncias das administrações locais (recorde-se que
Pilatos sugeriu aos sacerdotes que julgassem Jesus de acordo com suas leis,
pois não o via como uma ameaça direta a Roma). Certamente, tais galileus faziam
parte dos inúmeros grupos de rebeldes que agiam naquele tempo, senão não
sofreriam a pena de Pilatos.
Nessa passagem, Jesus diz a seus
discípulos que, se eles não mudarem sua forma de ver as coisas (não fizerem uma
“transição de pensamento”, em grego metanoia, traduzido
como “conversão”, mas com sentido mais profundo do que aquele que tem essa
palavra hoje), eles vão morrer do mesmo jeito. “Todos que usam a espada, pela
espada morrerão” (Mt 26,52). Portanto, deveria haver outra forma de ação com
relação ao poder que não fosse a ação direta contra ele ou sua conquista
explosiva. Era necessário pensar de forma substancialmente diferente (essa é a
forma mais adequada de entender o significado da palavra metanoia).
O Reino, para Jesus, não viria de forma explosiva e de uma só vez. As
parábolas sobre o Reino (cf. Mt 13 e Mc 4) o revelam como processo, e não como
um acontecimento pontual. “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se
poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘está ali’; porque o Reino de Deus está no meio de
vocês” (Lc 17,20-21).
Por isso, de nada adiantaria tentar
criar um reino apenas com a destituição dos que ocupavam o Templo. Isso poderia
repetir a história dos macabeus e seria colocar remendo novo em panos velhos
(cf. Mt 9,16ss; Mc 2,21ss). Era preciso renovar o pano, e não apenas
remendá-lo. O projeto de Jesus, portanto, pregava a tomada gradativa e histórica do poder, e não a sua tomada de
assalto. Na verdade, trata-se de um projeto de construção de uma nova ordem, e não de sua imposição por meio do controle do aparato
religioso-estatal. Jesus não queria ser rei (cf. Jo 6,15); seu projeto era
muito mais amplo e apontava para um tempo que não poderia sequer ser previsto
(cf. At 1,7-8).
Trilhar o caminho para esse Reino era
também construí-lo. Ele seria resultado de uma semeadura ou de uma fermentação.
A sociedade tem de ser mudada por dentro, em suas relações (econômicas, sociais e políticas) e em
seu pensamento (a racionalidade pela qual se
interpreta o mundo).
O Reino exige a mudança de relações econômicas na sociedade. É preciso
praticar uma nova economia, diferente daquela que gera divisão. Por isso, Jesus
pregava o perdão das dívidas e a prática de empréstimos e doações
desinteressadas em um ambiente em que alguns se enriqueciam pela cobrança das
dívidas (“Dê a quem lhe pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir
emprestado”; “emprestem sem esperar coisa alguma em troca”; “perdoa as nossas
dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores”). Por isso ele exigia do rico
“vender tudo e dar aos pobres”, não como caridade, mas como redistribuição da
riqueza em nome da justiça que o Reino exige. Foi por isso, enfim, que os
primeiros cristãos aboliram a propriedade privada em suas comunidades (cf. At
2,44-45; At 4,32-35).
O Reino exige também uma nova relação social. Os pobres passam
a ocupar o centro, ao contrário da sociedade existente. Eles são os preferidos
de Deus e os primeiros no seu Reino (cf. Mt 5,1; Lc 6,20-21).
Os rejeitados (“os pobres, os aleijados, os cegos e
os mancos”) são os que participarão da festa do Reino (cf. Lc 14,15-24). Os últimos serão os primeiros, e os que se
“vestem com roupas finas e vivem no luxo” (Lc 7,25) e constituem a elite da
sociedade serão “derrubados dos tronos” e “despedidos sem nada”.
A exigência é também de uma
nova relação de poder (política) entre as pessoas.
Jesus lavou os pés dos discípulos, mostrando que poder é serviço e quem quer
ser o maior deve ser o principal servidor. Quando Tiago e João pretenderam se
beneficiar de posições de poder, pedindo um lugar à direita e outro à esquerda
do trono de Jesus (os “cargos” mais importantes), tiveram como resposta: “Vocês
sabem: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes têm
autoridade sobre elas. Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser
ser grande deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o
primeiro deverá tornar-se servo de vocês (cf. Mt 20,24-27). É uma total inversão dos desejos de poder que
prevaleciam na sociedade antiga e prevalecem também na atual (a disputa por
cargos e posições privilegiadas, mesmo nos governos de esquerda, pode ser
lembrada facilmente aqui).
Além de uma transformação das
relações humanas na sociedade, o Reino exige também a mudança de pensamento. É preciso tomar
cuidado com o “fermento dos fariseus [dos saduceus] e de Herodes” (Mc 8,14-21;
Lc 12,1). O fermento dos fariseus, dos saduceus e de Herodes gera a
concentração de riqueza e a negação do alimento ao povo. O fermento novo,
conforme nos esclarece o texto do Evangelho, está relacionado à distribuição de
pães para milhares de pessoas, sobrando vários cestos. A racionalidade dominante
na época (o fermento dos fariseus, dos saduceus e de Herodes) favorecia a
concentração de riqueza e a divisão social. Uma nova racionalidade (o fermento
do Reino) favorecia a partilha e a cooperação entre a população (ver como as
partilhas dos pães e dos peixes, às quais Jesus se refere nas passagens acima,
foram efetuadas em Mc 6,30-44; 8,1-9).
O Reino de Deus seria resultado de toda essa transformação da sociedade.
Isso seria “renovar o pano”. A tomada do poder (instalação de um novo Reino,
que exige nova ordem econômica e política) será o resultado dessa
transformação. Concentrar as forças na ocupação do aparelho político,
acreditando que essas transformações seriam automáticas ou consequências de
novas configurações de governo, não era a estratégia de Jesus — e não deveria
ser, portanto, a estratégia dos cristãos.
5. Pistas para a relação entre fé e
política
Como vimos na introdução, a redução da política às eleições não foi
elaboração estratégica teórica, mas prática real entre aqueles que queriam construir
uma nova sociedade. Para grande parte dos militantes, também os cristãos, a
tomada do poder pelas eleições se sobrepôs à construção gradativa e histórica
de uma alternativa. Os resultados não parecem ter sido muito satisfatórios e
lembram um pouco a história dos macabeus e o destino do partido dos fariseus.
Mas isso não foi sempre assim nem significa que todos passaram a agir
dessa forma. Na verdade, foi com base em uma compreensão mais ampla do conteúdo
político do Reino que muitos consideraram a tomada do poder institucional como
um meio e não um fim, o que justificou, durante muitos anos, a preocupação com
o caráter educativo das campanhas eleitorais e a existência de um trabalho
intenso de mobilização social. Ganhar eleições não era a única meta. Muitos,
hoje, ainda mantêm essa perspectiva. Mas, infelizmente, a balança acabou
pendendo mais para a tomada explosiva do poder pelas eleições.
Por vários motivos (entre os quais é
preciso destacar nossas deficiências no trabalho formativo), o que era meio tornou-se fim. Fé e política
passou a significar “fé e eleição”. Por isso é preciso refundar a utopia cristã
da construção gradual do Reino, à luz da qual toda ação concreta passa a ser
vista como mediação para um projeto mais
amplo. A decepção com algumas experiências de tomada do poder pelas eleições é fruto de uma concepção equivocada do processo de
transformação social.
Isso não significa que a participação nas eleições seja um equívoco.
Convém deixar bem claro que a possibilidade que a democracia nos proporciona de
ocupar espaços nos poderes estatais (Executivo e Legislativo) é um elemento da
nossa realidade que precisa ser aproveitado. Não havia nada semelhante no tempo
de Jesus; por isso, temos de construir a nossa própria reflexão sobre como agir
neste espaço eleitoral e de exercício de mandatos. A questão discutida aqui é o
papel que isso cumpre na construção do Reino.
Como conclusão, gostaria de sugerir algumas frentes possíveis de ação
pastoral que, em minha opinião, contribuiriam para um resgate adequado das
dimensões políticas da nossa fé.
1. Em primeiro lugar, creio que seja
necessário intensificar o trabalho de formação contínua
e sistemática. Mesmo que o tema “formação” esteja sempre como
prioridade, muitas vezes acaba se resumindo a atividades pontuais e sem
continuidade. As agendas de formação estão quase todas preenchidas com
palestras ou atividades isoladas de fim de semana. É preciso investir em
formação contínua, com grupos fixos de participantes em um tempo mais
estendido. Só assim será possível a reflexão sobre temas mais amplos como
Bíblia, sociedade, economia, história etc., de onde se poderá entender a
estratégia de ação cristã.
2. O tema “fé e política” deve ser posto em pauta todo o tempo, e não
apenas em anos eleitorais. É preciso criar atividades constantes que
estabeleçam essa relação, a fim de evitar a redução da política às eleições.
3. O tema “fé e política” ou “fé e
transformação social” deveria ser proposto como tema
transversal. Um tema transversal é aquele que perpassa todas as
atividades das pastorais e não se restringe a um momento específico de
reflexão. As implicações políticas de nossa fé não deveriam ser tema restrito a
um grupo específico, como se fosse um dos carismas ao qual apenas alguns se
dedicam. Nada impede que um grupo priorize essa reflexão para servir os outros,
mas essa não pode ser uma atividade “opcional” entre outras, dado que é um tema
essencial dos Evangelhos.
4. É também necessário voltar a
conhecer as diversas formas de ação política na sociedade que não sejam
eleitorais e participar delas, como se fazia antes. Percebe-se, hoje, que
muitos cristãos engajados em pastorais sociais e nas CEBs têm militância
exclusiva na Igreja. Fala-se muito mais em “apoio” aos movimentos sociais do
que em “participação” neles. Os movimentos sociais não podem ser compreendidos
como uma terceira pessoa que se relaciona com a comunidade eclesial. Deve-se pensar novamente no “protagonismo”
dos cristãos nas organizações da sociedade civil.
5. Também na perspectiva de uma transformação econômica histórica, é
necessário valorizar as experiências da nova economia popular, conhecidas como
economia solidária, e todas as práticas econômicas de cooperação. Diversos
grupos na Igreja já estão fazendo isso, mas é preciso também dar um caráter
político a elas, para que se perceba o seu papel como possíveis gestoras de uma
nova sociedade, e não apenas como alternativas de vida “dentro da ordem” (ver
Abdalla, 2002).
6. Aos cristãos que buscam ocupar espaços no poder estatal, seria
interessante refletir sobre os limites e as possibilidades de sua campanha e de
seu mandato dentro do projeto do Reino, para evitar que o mandato cristão se
caracterize apenas por ser “mais honesto” ou limitado às questões morais da
doutrina católica. Qual a contribuição maior do exercício do poder para a
“tomada” do poder na perspectiva do Reino de Deus?
Essas são apenas sugestões. O desafio é muito maior do que elas. Mas a
comunidade dos cristãos pode se organizar, procurando descobrir a melhor forma
de ação diante dos desafios da realidade atual.
Bibliografia
ABDALLA, Maurício. O princípio da cooperação: em busca de uma nova racionalidade.
São Paulo: Paulus, 2002.
FLUSSER, David. Jesus. São Paulo: Perspectiva, 2002.
GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica, São
Paulo: Paulus, 1988.
HORSLEY, Richard A. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de
Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
—. Arqueologia, história e
sociedade na Galileia: o contexto social de Jesus e dos rabis. São
Paulo: Paulus, 2000.
—. Jesus e o império: o reino de
Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
MALINA, Bruce J. O evangelho social de Jesus: o reino de Deus em perspectiva
mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004.
Maurício Abdalla
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-pastorais/o-reino-de-deus-e-o-poder-politico/
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