10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO
Francisco chegou aos 10 anos de pontificado: a
fraternidade humana, a atenção à família, a ecologia integral, o combate aos abusos
na Igreja, a presença na sociedade e uma nova perspectiva para os cristãos
leigos, temas de gestos e ações.
Vatican News – CNBB
No dia 13
de março, o Papa Francisco completou 10 anos de pontificado. Nessa década,
Francisco tem marcado a realidade com sua presença frente aos desafios no
interior da Igreja e às mudanças e conflitos que se manifestam no mundo. A
partir dos gestos e dos processos que leva adiante na Igreja, e também dos
documentos que produz, tem anunciado o Evangelho e convidado à fraternidade, à
proximidade e à ternura, a exemplo de Jesus, como ele mesmo costuma dizer.
Dentre
todas as realidades nas quais a Igreja toca com sua presença, algumas foram
escolhidas para serem destacadas neste momento em que Francisco chega aos 10
anos de pontificado: a fraternidade humana, a atenção à família, a ecologia
integral, o combate aos abusos na Igreja, a presença na sociedade e uma nova
perspectiva para os cristãos leigos.
Fratelli tutti
Um dos
marcos do pontificado do Papa Francisco foi a oferta à humanidade da
encíclica Fratelli tutti, documento que apresenta o desejo de
que, como humanidade, “possamos reviver em todos a aspiração mundial à
fraternidade”. Para o subsecretário adjunto de Pastoral da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Marcus Barbosa Guimarães, a carta encíclica
“é um grande presente do Papa Francisco para a Igreja e para a nossa
humanidade”.
“De modo
especial, entre os inúmeros pontos, as inúmeras contribuições que a Fratelli
tutti nos traz, eu destacaria duas chaves que parecem centrais: a primeira,
como lembra o Papa: se quisermos viver a fraternidade, devemos reconhecer a
verdade fundamental que Deus é nosso Pai. E se Deus é nosso Pai, somos filhos e
filhas, todos, sem distinção, e somos irmãos e irmãs. Essa é a raiz, é a
verdade central. É a certeza que fecunda o compromisso, o dom da fraternidade”.
“A
segunda inspiração que me vem dessa carta, ao lê-la, é o que o Papa Francisco
nos diz que precisamos recomeçar. E se vamos recomeçar a reconstrução da
fraternidade,de um modo artesanal… devemos recomeça-la a partir dos pobres,
para que ninguém fique de lado”.
Família
A
realidade da família tem sido outro destaque no pontificado do Papa Francisco.
Foram duas assembleias sinodais, uma exortação apostólica, um ano temático e
dezenas de catequeses sobre o tema.
“Nesses
10 anos de pontificado, temos muito que agradecer ao Papa Francisco pela sua
dedicação e o seu amor pela família. Com o Sínodo, trouxe a família para o
centro da atenção pastoral, um olhar para um modo de ser Igreja que é como a
família: de corresponsabilidade, de cuidado, de amor, de ternura, de
gratuidade”, comentou o bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão para
Vida e a Família da CNBB, dom Ricardo Hoepers.
Para dom
Ricardo, a Amoris Laetitia “veio confirmar o trabalho que
já vinha sendo feito pela Pastoral Familiar” e trouxe para os setores
inspirados na Familiaris Consortio, de São João Paulo II, “um ar de
renovação, uma motivação ainda maior para cuidarmos das fragilidades das
famílias”.
Ecologia
Integral
Francisco
deu especial atenção ao cuidado da casa comum nesses primeiros anos de
pontificado. Marca disso foi a encíclica Laudato Si’ – sobre o
cuidado da casa comum. A leiga Patrícia Cabral, que faz parte das
articulações da Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), do Laicato, e do Comitê
Repam no Regional Norte 1, aponta como o “grande diferencial” a proposta da
reflexão do tema da ecologia integral com a encíclica Laudato Si’ “que, aqui no
Brasil, casou com a Campanha da Fraternidade dos biomas e “fez com que a gente
pudesse refletir mais sobre a maneira como nós cuidamos dessa casa comum, e
entender a nossa pertença a esse corpo, que não estamos isolados”.
Para ela,
essa ideia de pertença favorece a compreensão da necessidade de cuidar. “Não é
simplesmente não cortar as plantas, mas renovar aquilo que está sendo destruído
de outra forma”, pontua.
Presença
na sociedade
O
arcebispo de Goiânia (GO), dom João Justino de Medeiros Silva, destacou a
experiência de cuidado com a vida da Igreja e a relação com a sociedade durante
o pontificado de Francisco. Sobre a presença na sociedade, ele destacou que o
Papa tem contribuído com diversas abordagens, como o cuidado e o zelo com
a educação na proposta do Pacto Educativo Global; o cuidado com o tema da
ecologia, “com a sua belíssima encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa
comum”; e a Economia de Francisco, “proposição que interpela a economia, a
partir da participação de jovens”.
“Esses
três temas são muito interessantes, poderíamos citar tantos outros, mas creio
que são de uma importância muito grande para pensar a presença da Igreja na
sociedade”, comentou dom Justino.
Leigos
Francisco
tem marcado a Igreja com um novo impulso ministerial para os leigos, de forma
especial para as mulheres e, com a proposta do Sínodo, propõe uma nova dinâmica
nas relações entre as diversas vocações.
Marilza
Schuina, membro do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, avalia que o Papa
Francisco “nos chama a uma Igreja em saída, uma Igreja-povo de Deus, onde todos
e todas sejam sujeitos da evangelização”. Em relação aos cristãos leigos e
leigas, Marilza considera que Francisco “vê e espera um laicato maduro, capaz
de discernir sobre os sinais dos tempos, em comunhão com a sua comunidade,
buscar o melhor caminho, um laicato que assuma a vocação no mundo, na história,
um laicato capaz de semear, trazer os sinais do Reino da justiça, do amor e da
paz”.
“Francisco,
nessa dimensão da Igreja em saída, fala de um laicato em saída, que ofereça à
Igreja, um novo modo de ser Igreja, de ser presença em todos os lugares onde
ninguém mais chega, onde ninguém mais vá ou aonde o padre, o bispo, até o Papa
pode ir, mas, nesses lugares, o leigo e a leiga não vai, ele está lá, ele vive
lá, ele mora lá. Ele, portanto, é sinal desta Igreja presente no mundo”,
comenta.
Marilza
acredita que permanece um desafio à questão das mulheres, ao qual o Papa
Francisco tem se mostrado sensível, “para que cada vez mais sejam reconhecidos
os direitos da mulher na Igreja, a estar nos espaços de decisão, a ter seu
lugar reconhecido efetivamente”.
Prevenção
aos abusos
A
presidente do Núcleo Lux Mundi, Eliane De Carli, comanda uma das estruturas na
criada pela Igreja no Brasil cuja atuação tem sido considerada delicada, mas
essencial para combater a chaga dos abusos na Igreja. O escritório é
responsável por assessorar as dioceses e entidades religiosas na implementação
de serviços de prevenção e proteção, conforme estabelecido pelo Papa Francisco.
“A gente
avalia [a criação de iniciativas de prevenção e combate aos abusos] como um
momento bastante especial para a Igreja porque ele traz a questão de uma
mudança de paradigmas, no sentido de trabalhar com transparência, com cuidado,
com a proteção e a prevenção no caso dos abusos”, disse Eliane.
Fonte:
CNBB
10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO: ALGUNS OLHARES
Por: João Vitor Santos
Quando do alto da
varanda do Palácio Apostólico, o cardeal Jean-Louis
Pierre Tauran,
decano do Colégio
Cardinalício, em 13-03-2013, anunciou que Jorge
Mario Bergoglio era
o novo papa, muitos indagaram: um argentino?! E não foram só os brasileiros,
que têm uma disputa histórica com os “hermanos
porteños”. Aliás, o próprio Bergoglio disse, em suas primeiras
palavras, que foram “buscar um papa lá do fim do
mundo”.
Tal surpresa se deu pelo fato de, depois de séculos, a Igreja ter um pontífice não
europeu. Mas essa não foi a única surpresa daquela noite, pois o argentino
escolheu ser chamado de Francisco, em referência
a São
Francisco de Assis.
Depois daquele 13 de março, as surpresas não
pararam. Todos se surpreendiam com a simplicidade e austeridade de Francisco. Tal postura
tem sido um norte para sua gestão que não apenas é uma Igreja mais simples e
dessacralizada como também está mais perto do povo. Para o mestre em Ciência
Política, Wagner
Fernandes de Azevedo,
o Papa Francisco “transformou
o papado com a história da Igreja libertadora, principalmente na
sua vertente argentina, da Teologia
do Povo”.
“É uma inversão do eixo de poder, é um papado destronado, descentralizado e,
portanto, desocidentalizado”, completa, em entrevista via mensagens de WhatsApp
concedida ao Instituto
Humanitas Unisinos – IHU.
Wagner destaca que o
pontífice foi capaz de auscultar claramente que vivemos uma transição epocal.
“Francisco entendeu que o mundo ocidental, outrora sustentado pelo
cristianismo, está em crise. E entendeu que deve propor um novo papel à Igreja
nesse novo mundo, sem perder a centralidade do Evangelho”, analisa.
Gustavo Predebon, padre na Diocese de
Caxias do Sul, vai além. Para ele, o papa revela ter “a percepção do quanto a
hierarquia como um todo não dá conta da realidade do mundo de hoje, e o quanto
a Igreja precisa caminhar para realmente apresentar o Evangelho para
pessoas do nosso tempo, e não de 400 anos atrás. (…) Por outro lado, creio que
nós, ministros e povo fiel, às vezes não conseguimos botar em prática tudo o
que o papa traz como novidade. Não estamos aproveitando o momento”, adverte.
Para o
antropólogo Antonio
Madalena Genz, a transformação que vivemos é tão brutal que lá
em 13-03-2013 jamais supúnhamos o tempo que viveríamos hoje. “Há 10 anos seria
tomado como insensato alguém que dissesse (…) que daqui a 10 anos existiriam
grupos defendendo a ideia de que a terra é plana”, diz. Por isso, considera que
“o maior avanço do pontificado de
Francisco é
ele próprio”. E acrescenta: “o Papa
Francisco se dirige ao mundo quando combate um dos traços
piores da contemporaneidade, que é essa cultura
da indiferença”.
O diplomata Rubens Ricupero observa que “o
comportamento do papa é quase como se fosse um pároco, como se sentiu durante a
pandemia quando rezava diariamente a missa
em Santa Marta,
com simplicidade”. Mas nem por isso Francisco se
senta na Cátedra de
Pedro e se move a partir dela com cheiro de sacristia. Sua
liderança e lucidez acerca das crises globais o colocam na ponta de movimentos
geopolíticos, um lugar de poucos. E isso, na sua opinião, se mede de diversas
formas, inclusive pelos documentos pontifícios: “Sua encíclica Laudato si’ é
a mais alta expressão teológica e filosófica da ecologia radical. Não ficam
atrás na profundidade e beleza a encíclica Fratelli
tutti e
a exortação apostólica Evangelii gaudium”, avalia.
O teólogo Luiz Carlos Susin também destaca
que todas essas mudanças, os ares novos que Francisco traz
para Igreja, têm estreitíssima relação com o Concílio Vaticano II. E é justamente isso
que provoca reação, pois há muitos que ainda não conseguem assimilar as luzes
acesas pelo concílio. “É sua postura de atualização do Concílio que iria
esbarrar na resistência de acomodados, de tradicionalistas, o que
inevitavelmente levanta tensões e antipatia. A burocracia da Igreja, o carreirismo ou clericalismo, tem sido
um limite imposto como um verdadeiro peso para um papa que deseja leveza”,
avalia. Mas nem por isso Francisco titubeia. “É um legítimo filho da Igreja na América Latina e,
antes ainda, um portenho filho de migrantes, com um humor próprio de Buenos Aires, mas que
mantém a disciplina jesuítica e absorveu a leveza franciscana”, conclui.
“Penso que o maior
avanço, em termos de reflexão sobre o catolicismo, sugerido pelo Papa Francisco,
consiste em abrir uma profunda discussão sobre o caráter histórico do
catolicismo”. É assim que avalia o historiador Eduardo Hoornaert. “O papa sugere
considerar o catolicismo tal qual se pratica hoje, em sua qualidade de fenômeno
histórico, ou seja, como movimento marcado pela fragilidade, imperfeição e
provisoriedade que caracteriza tudo que é histórico”, detalha. Por isso,
considera que “entender do atual papa pressupõe compreender que a história é
uma ciência que se baseia na convicção que tudo que se constrói na história da
humanidade pode eventualmente ser descontruído, reconstruído, adaptado ou
reformulado. Eis um pressuposto básico, e penso que o Papa Francisco trabalha
com ele”.
Por sua vez, o
jesuíta Clóvis de
Melo Cavalheiro comenta essa construção que, para ele e
para o entrevistado a seguir, materializa-se no pensar a Igreja não apartada do
mundo em que está inserida. “A principal transformação por que passou o
pontificado foi a incorporação à sua estratégica de beneficiar não somente a
Igreja, mas pensar no mundo como um todo, com as suas diferenças culturais,
crenças e origens”. Trata-se de um princípio bem claro aos jesuítas que
defendem a ideia de ver
Deus em todas as coisas. Para Clóvis,
é esse o “estilo do Papa
Francisco, um homem de profunda espiritualidade inaciana e
com grande capacidade de estabelecer as relações entre a ciência e a fé”.
Por fim, o
sociólogo José
de Souza Martins é
categórico e direto: “os avanços
de Francisco são
um só. Uma síntese. O do reencontro da Igreja com a igreja, da instituição com
a comunidade de fé. (…) Francisco tem
se empenhado na missão profética de negar a alienação crescente da sociedade
contemporânea, que se expressa no desencontro entre fé e vida, na transformação
do homem em objeto e coisa e em sua anulação como ser social e sujeito de sua
própria história. Seus cinco antecessores fizeram o mesmo”, pontua.
https://www.ihu.unisinos.br/626893-10-anos-de-pontificado-de-francisco-alguns-olhares
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