O ESPÍRITO SANTO NOS PADRES DA IGREJA
Por Prof. Roque Frangiotti
Como se desenvolveu a
reflexão teológica dos primeiros séculos em torno do Espírito Santo? Qual foi o
espaço que o Espírito Santo ocupou na vida, na liturgia e nas disputas
teológicas no chamado “período patrístico”? Quando começou a se definir a
personalidade do Espírito Santo na reflexão patrística? Poderíamos afirmar que
o Espírito Santo, sempre presente na vida de oração, nas celebrações
litúrgicas, não tinha essa mesma presença nas elaborações teológicas, na
sistematização do pensamento cristão? Este artigo pretende verificar até onde o
Espírito Santo foi objeto de uma reflexão teológica entre os Padres da Igreja,
e a partir de quando.
1. A centralização cristológica
Hoje a reflexão
teológica e a vivência eclesial estão particularmente sensíveis à reflexão
sobre o Espírito Santo. Até a realização do Concílio Vaticano II, contudo,
tinha-se a amarga constatação de que o Espírito Santo era o grande esquecido e
o eterno desconhecido tanto da piedade cristã quanto da vivência eclesial e das
reflexões sistemáticas da teologia. A sede de espiritualidade que brotou a
partir da dinâmica desenvolvida pelo Concílio Vaticano II — e que tomou conta
do homem contemporâneo —, a vivacidade das comunidades eclesiais e grupos
cristãos comprometidos que exprimem criativamente a fé e um mais orgânico
aprofundamento teológico, concorrem para maior revalorização do lugar e da
função do Espírito Santo na vida cristã em geral, atingindo, de modo especial,
a Igreja católica.
Nas origens do
cristianismo; deu-se aquilo que ficou conhecido como Pentecostes: um vento
forte perpassou a comunidade cristã primitiva e todos os seguidores de Jesus
sentiram-se abalados, sacudidos, envolvidos num clima de entusiasmo, de
euforia, de alegria escatológica. Nasceu aí a esperança inaudita de um retorno
imediato do Senhor para proceder ao julgamento da história, premiando os bons e
punindo os maus da face da terra. Esse entusiasmo, essa alegria, os dons e
carismas que invadiam as comunidades eram atribuídos à presença do Senhor
ressuscitado, na forma, ou se se quiser antecipar, na pessoa do Espírito Santo.
Contudo, devemos
reconhecer que, se os escritos do Novo Testamento — e mesmo dos Padres da
Igreja — estão repletos de menções e referências ao Espírito Santo, a reflexão
teológica e sistemática só vai se ocupar dele a partir dos meados do século IV.
O problema principal e central que dominou a consciência e a inteligência dos
Padres capazes de pensar, escrever, discutir e polemizar, foi, sem dúvida, o
cristológico. Por várias razões, tinham de se explicar sobre a pessoa e a obra
de Jesus Cristo. Tinham de precisar a relação que se podia estabelecer entre
Jesus e o Pai, ou de precisar qual era sua natureza, seu lugar e função na
história da salvação. Como podia e devia se entender a relação deste homem com
Deus Pai? Era ele o Filho de Deus por natureza ou por adoção? Era apenas um
profeta a mais? Era o profeta definitivo, escatológico? De qualquer modo que se
responda a essas interrogações, o certo é que Jesus de Nazaré, chamado o
Cristo, tornou-se o centro das discussões, das reflexões e das controvérsias
nos primeiros séculos.
Desse modo, vamos
encontrar as primeiras linhas de uma teologia do Espírito Santo ou, se se
quiser, de uma pneumatologia, só a partir do século IV.
2. Menções do Espírito Santo no século II
As
primeiras linhas de uma teologia do Espírito Santo, no século II,
caracterizam-se por uma concepção dinâmica. Sirva de exemplo esta passagem de
santo Ireneu: “Senhor, único e verdadeiro Deus, faça que domine em nós, por
meio do nosso Senhor Jesus Cristo, o Espírito Santo”[1]. De modo semelhante,
Ireneu explica na Demonstração
da pregação apostólica I, 1,6s: “O
terceiro fator principal é, pois, o Espírito Santo, por meio do qual os
profetas profetizaram e os pais aprenderam as coisas divinas, os justos
caminharam na estrada da justiça, o qual na plenitude dos tempos foi derramado
de novo sobre a humanidade e sobre o mundo inteiro para recriar os homens para
Deus. O nosso renascimento no Batismo é efetivado por estes três fatores,
enquanto o Pai nos dá a graça do renascimento mediante o Filho no Espírito
Santo. Aqueles que, de fato, recebem e levam em si o Espírito Santo são guiados
ao Verbo, isto é, ao Filho. O Filho, por sua vez, os guia ao Pai, e o Pai os
torna participantes da imortalidade. Sem o Espírito não se pode ver o Verbo de
Deus, e sem o Filho ninguém pode ir ao Pai. De fato, o saber do Pai é o Filho.
Mas o saber do Filho de Deus se obtém mediante o Espírito Santo, e o Filho
dispensador doa o Espírito por beneplácito do Pai, àqueles que o Pai quer e
como quer”.
Estudiosos
da problemática do Espírito Santo nos Padres da Igreja dizem que o esquema
conceitual aplicado para explicar as relações entre as pessoas divinas é
devedor, como em outras áreas da teologia, de formas expressivas e conceituais
helênicas. No caso específico de conceituar o Espírito Santo, o esquema teria
procedido da II Epístola do pseudo-platão (312). De fato, esta passagem
enigmática diz: “Tudo está em torno do rei de tudo, e todas as coisas belas são
dele; as coisas segundas estão em torno do segundo; as terceiras, em torno do
terceiro”. Ora, este texto, a partir de Justino, na I Apologia 60,5-9,
diz: “Ao falar ao terceiro princípio, devemos também ao fato de ter lido, como
dissemos, em Moisés que o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Com efeito,
Platão dá o segundo lugar ao Verbo, que vem de Deus e que ele disse estar
espalhado em forma de X no universo; e dá o terceiro lugar ao Espírito que se
disse pairar sobre as águas, e assim fala: ‘E o terceiro sobre o terceiro’, foi
referido a outros textos platônicos e aplicado a Gn 1,1ss, no qual se encontra
Deus, que ‘diz’ (portanto, Palavra de Deus) e o Espírito de Deus que estava
sobre as águas”. A fórmula pseudoplatônica parece assim um esquema útil para
explicar as relações intercorrentes entre Pai, Deus primeiro, e Logos, Deus
segundo, e o Espírito Santo, Deus terceiro.
Na
constatação da unidade de ação do Verbo e do Espírito Santo não é de se
estranhar se, nesse período no qual a doutrina não está ainda desenvolvida,
forem encontradas algumas inseguranças. Teófilo de Antioquia, por exemplo, faz
coincidir o Espírito com a Palavra e, respectivamente, com a Sabedoria de Deus.
Assim, em A Autólico I,7,
afirma: “É Deus que cura e vivifica através do Verbo e da Sabedoria. Deus fez
tudo através do seu Verbo e da sua Sabedoria. Por seu Verbo foram estabelecidos
os céus e por seu Espírito toda a força deles. Sua Sabedoria é poderosíssima.
Por sua Sabedoria, Deus colocou os alicerces da terra”. Já em A Autólico II,15,
se expressa assim, para estabelecer as relações da trindade com a criação:
“Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da
Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria. No quarto símbolo está o
homem, que necessita de luz. Assim temos: Deus, Verbo, Sabedoria, Homem. Como
se pode observar, não se consegue clareza nem distinção entre o Filho e o
Espírito em relação às funções-papéis na criação do universo. A terminologia
permanece confusa. Ora a “Sabedoria” designa o Verbo, ora o Espírito, como
podemos ler no capítulo 18 desse mesmo livro de Teófilo: “Além disso, Deus se
apresenta como se precisasse de ajuda, pois diz: ‘Façamos o homem à nossa
imagem e semelhança’, mas não diz a ninguém essa palavra ‘façamos’, a não ser a
seu próprio Verbo e à sua Sabedoria”.
Em
Atenágoras de Atenas, o Espírito é definido como uma “emanação do Pai”, como se
pode ler em sua obra Petição
em favor dos cristãos 10: “Com efeito, dizemos que o mesmo
Espírito Santo, que opera nos que falam profeticamente, é uma emanação de Deus,
emanando e voltando como um raio de sol. Portanto, quem não se surpreenderá ao
ouvir chamar de ateus indivíduos que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um
Espírito Santo, que mostram seu poder na unidade e sua distinção na ordem?”. Já
há, aqui, como se pode observar, uma das primeiras articulações da teologia
trinitária. Nela o Filho de Deus é o Verbo coeterno, intermediário único da
criação. Do Espírito Santo só se diz que, no conjunto dos três mostra seu poder
com os outros dois. No capítulo 24,1-2, há uma nova tentativa de explicitação
da natureza e da função da trindade: “De fato, assim como confessamos Deus, o Filho,
que é o seu Verbo, e o Espírito Santo, identificados segundo o poder, mas
distintos segundo a ordem: o Pai, o Filho e o Espírito, porque o Filho é inteligência,
Verbo e Sabedoria do Pai, e o Espírito, emanação como luz do fogo…”.
3. O desenvolvimento da reflexão sobre o Espírito Santo no século
III
Encontramos no século
III, isto é, a partir dos primeiros decênios dos anos 200, uma teologia que se
aplica ao estudo das relações Pai-Filho de modo mais organizado, mais completo
e estruturado. A reafirmação da unicidade de Deus — isto é, da monarquia divina
— é integrada com a ideia de sua íntima organicidade funcional (economia
divina). É por esta via que o estudo teológico do Espírito Santo começa a
melhor se definir. É quanto se verifica, por exemplo, em Tertuliano, Hipólito
e, sobretudo, em Orígenes.
Em
Tertuliano, o Espírito é “o terceiro nome da divindade” e o “terceiro em
relação a Deus Pai e a Deus Filho” (A
Práxeas, 30,5). O Espírito é a “vicaria vis” do
Filho, na Prescrição dos heréticos, 13,5.
O Espírito é o único capaz de explicar a íntima vida divina. Pai, Filho e
Espírito Santo são, para Tertuliano, concebidos numa forma de conjugação
especial pela qual são unidos, mas não se identificam intercorrendo entre eles
uma relação semelhante àquela que ocorre entre raiz, ramo e fruto, ou então,
entre a fonte, o rio e o riacho, ou ainda, entre o sol, o raio e a ponta deste
raio que toca as coisas (A
Práxeas, 87). É bom lembrar que Tertuliano é o primeiro dos
Padres da Igreja latina a usar a expressão “Trinitas”. Teófilo de
Antioquia, algumas dezenas de anos antes já usara o grego “trías” (A Aut. II,15),
identificando o Espírito com a Sabedoria, numa fórmula teológica mais arcaica.
Para
Hipólito de Roma, o Logos, a segunda pessoa, é igual ao prósopon ao
lado do Pai, que domina sobre tudo, e o Filho é em tudo ativo, enquanto o
Espírito Santo é aquele que está em tudo: é nele, no Espírito, que cremos no
Filho (Contra Noeto 12).
Mas será Orígenes que
criará a formulação mais completa e sistemática de uma teologia trinitária
neste período e, de um particular reconhecimento também do Espírito Santo.
Orígenes entendeu responder a várias questões teológicas sutis que andavam
surgindo a respeito, por exemplo, do caráter gerado ou ingerado do Espírito
Santo ou, antes, se o Espírito Santo tinha ou não uma substância própria.
No
afrontar esses e outros problemas, Orígenes se atém, de um lado, à fórmula
trinitária de Mt 28,19, e, de outro lado, se esforça por levar em conta aquilo
que a instrumentalização teológico-racional à qual recorre impôs-lhe
coerentemente deduzir. De modo sumário, pode-se dizer que a posição originária
consiste em entender a trindade como uma espécie de círculo concêntrico
inscrito um dentro do outro do qual o mais amplo é representado pelo Pai, único
ingerado, que tem domínio sobre todas as criaturas. O círculo intermédio é
representado pelo Filho-Logos, dominante sobre as criaturas racionais. E o
círculo menor, no interior, é constituído pelo Espírito, que tem domínio sobre
a realidade espiritual (De
princ. I,5:7).
A concepção
originista da trindade é, como se vê, nitidamente gradual. Daqui a atenção
colocada por Orígenes sobre as operações internas seja do Pai, do Filho, seja
do Espírito Santo, que, sendo plenamente hipóstase intelectual existente e
subsistente, por si, vem a ter uma função específica na história da salvação.
Originado pela mediação do Logos, ele é, para Orígenes, uma realidade inferior
em relação àquela do qual teve origem.
É verdade que da
metade do século III até os primeiros decênios do século IV, a posição do
Espírito Santo na teologia aparece pouco clara, e ainda muito escassamente
definida.
4. De Niceia a Constantinopla (325-381)
O Concílio de Niceia,
realizado em 325, não acrescentou praticamente nada em relação à pessoa e ao
lugar do Espírito Santo na Trindade. Nada definiu a seu respeito. Limitou-se a
registrar, no credo: “Cremos no Espírito Santo”. Posteriormente, em plena
controvérsia ariana, depois de 360, surgiu uma tendência entre tantas outras
que disputavam sobre a natureza e o lugar do Espírito Santo em relação ao Pai e
ao Filho.
O Concílio de Niceia
convocado, dirigido e dominado pelo imperador Constantino, deu o golpe decisivo
no arianismo. Dele participaram 308 bispos orientais, 5 bispos ocidentais e 2
presbíteros romanos. Com referência à fé batismal, definiu a divindade de
Cristo como “Filho de Deus, unigênito, da mesma substância do Pai, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado”. Contudo, o Espírito
Santo é apenas mencionado no credo, não merecendo nenhum destaque ou atenção
especial.
Após o Concílio,
surgiu um conflito que envolveu autoridades eclesiásticas e civis, um conflito
de política eclesiástica. Depois da morte de Constantino, em 337, tornou-se
mais sensível a exigência de uma confissão de fé unitária, capaz de conciliar
as facções saídas da definição de Niceia. O confronto assumiu caráter mais
estritamente teológico a partir da metade do século IV, quando o movimento
ariano, sob a liderança de Aézio e de Eunômio, radicalizou e enrijeceu as
próprias concepções. Ganha espaço, então, aqueles que se opunham ao
reconhecimento da divindade do Espírito Santo e que tinham como protagonista a
Macedônio, bispo de Constantinopla entre os anos 342-360.
Macedônio, depois de
longo tempo como diácono da Igreja constantinopolitana, tornou-se presbítero
por volta de 332-335. Quando o imperador Constâncio exilou o bispo ortodoxo,
isto é, um não ariano, e colocou na sede de Constantinopla Eusébio de
Nicomédia, Macedônio saiu reforçado. Com a morte de Eusébio, Macedônio foi
eleito bispo, pelo partido ariano. Elevado à sede episcopal da capital do
império oriental, cuidou para elevar às sedes vacantes de sua diocese apenas presbíteros
arianos. Com isso, o império tornou-se praticamente ariano.
A
partir de 380, tornou-se costume o emprego do termo “macedonianos” para
designar aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo, isto é, negavam a
sua consubstancialidade com o Pai e com o Filho, considerando-o uma espécie de
entidade intermédia entre Deus e as criaturas. Este movimento ficou conhecido
também com o nome de pneumatômacos, isto é, hostis ao Espírito Santo. São
Jerônimo, em seu Chronicon de
380, refere-se a esta heresia com uma menção explícita a seu “fundador”:
“Macedônio (…) foi feito bispo dos arianos no lugar de Paulo. Dele deriva a
atual heresia macedoniana”. Também Dídimo, o cego, em seu De Trinitate, menciona
frequentemente dos “macedonianos” e afirma que o heresiarca é Macedônio,
ordenado bispo dos arianos.
Bem
antes do Concílio de Constantinopla, Dídimo escreveu em Alexandria uma extensa
compilação de textos escriturísticos em 63 capítulos intitulada De Spiritu Sancto, que
se tornou uma das melhores obras da antiguidade sobre o tema. Foi traduzida
para o latim por Jerônimo. No Ocidente apareceu também uma obra (em três
livros) de Santo Ambrósio, sobre o Espírito Santo, mas já datada de 381, ano da
realização do Concílio constantinopolitano. Nela, Ambrósio mostra que o
Espírito Santo é como o Filho, consubstancial ao Pai, sendo, pois, Deus
verdadeiro. Mas essa obra é pouco original e inteiramente tributária à de
Dídimo, o cego, e apoiada ainda nos escritos de Santo Atanásio e de Basílio de
Cesareia.
Esse
período constituiu-se no grande momento de Atanásio, extremo defensor de Niceia
e que trouxe uma contribuição decisiva para a afirmação da doutrina da
trindade. Ele polemizou fortemente com aqueles que interpretavam as expressões
das Escrituras sobre o Espírito Santo em sentido “figurado”, e que eram também
conhecidos por “tropici”. O Espírito
Santo deve ser compreendido, no seio da Trindade, no sentido do movimento
circular interno, o que se explica com o termo pericórese ou circuminsessio — movimento de união intratrinitária.
O Espírito não é uma “criatura” como sustentavam os “tropici”, os
macedonianos ou os pneumatômacos: Ele é consubstancial ao Pai e ao Filho.
Mas
foi, definitivamente, decisiva para a clarificação da convergência doutrinária
a contribuição e a influência dos Padres capadócios: Basílio de Cesareia,
Gregório de Nissa, seu irmão, e Gregório Nazianzeno, seu grande amigo. Essa
contribuição se inscreve não somente no campo da reflexão teológica, da
especulação, mas principalmente pela experiência vivida na vida monástica que
levavam, apesar de serem bispos. A eles se deve a elaboração da distinção
lógica entre hipóstase e ousia que
permite clarear a fórmula que se tornou normativa para a fé da Igreja: uma
natureza (ousia) e três
pessoas (hipóstases) em
Deus.
Foi
principalmente Basílio, na sua obra Sobre
o Espírito Santo de 375, aquele que, em coerência com a fé
batismal, mostrou como o Espírito Santo é parte da Trindade como terceira
pessoa doadora de toda vida e digno da mesma adoração que se presta ao Pai e ao
Filho e, por isso, substancialmente distinto de todos os outros espíritos.
Esclareceu-se também que, a respeito da origem do Logos do Pai, se distinguia a
origem do Espírito Santo, o qual procede do Pai e do Filho. A distinção entre o
Pai e o Filho, fundada sobre a oposição entre gerador e gerado, corresponde à
distinção do Pai e do Filho, que representam o aspirante, pelo Espírito, qual
objeto aspirado. Basílio insiste contra os pneumatômacos, sobre o fato de que o
Espírito Santo não é uma criatura, que é digno da mesma honra reservada ao Pai
e ao Filho, está no mesmo nível, ele é conumerado[2].
Passos
ulteriores foram dados por Gregório de Nazianzeno que aprofundou o conceito
de pericórese intratrinitária,
afirmando que a especificidade do Espírito Santo é a de “provir”, de “proceder”
do Pai, participando da substância ou essência dele como a especificidade do
Filho é a de ser “gerado”. Mas é, sobretudo, com Gregório de Nissa, irmão de
Basílio, nas polêmicas que empreendeu contra Eunômio e os macedonianos, que
acusavam os capadócios com suas especulações trinitárias de cair no triteísmo,
que se alcança a resolução doutrinal mais nítida a respeito do Espírito Santo.
Gregório parte das operações das pessoas divinas, que são distintas, mas que
testemunham uma única essência. Quanto ao Espírito Santo, tem a característica
de ser de Deus e de Cristo provindo do Pai e sendo recebido pelo Filho. Assim,
o Pai é toda a potência, o Filho é potência do Pai e o Espírito é o Espírito da
potência do Filho. Portanto, como ao Pai e ao Filho assim também ao Espírito
Santo ocorre endereçar a adoração suprema.
No
mesmo período, Dâmaso de Roma e Ambrósio de Milão induziram a Igreja ocidental
a aceitar a ortodoxia nicena, compreendida a doutrina sobre a divindade do
Espírito Santo e a exclusão explícita das posições sabelianas[3].
O influxo de Basílio,
Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno no Oriente se faz sentir no Concílio de
Constantinopla e na sucessiva especulação grega, a qual será sempre
contracenada pelo equilíbrio entre a reflexão sobre a trindade em si mesma e a
sua manifestação histórico-salvífica. O Espírito Santo é visto, por isso, na
pneumatologia grega, como princípio pessoal de divinização da criatura que, na
força do Espírito, volta ao Pai. Nessa visão, o Espírito Santo se identifica
com a própria fé, com a inteligência das Escrituras. Ele orienta o
comportamento ético dos homens na comunhão com Deus. O Espírito Santo não
constitui para os Padres gregos uma teologia douta, mas o horizonte mesmo da
inteligência-inteligibilidade do mistério cristão como mistério da salvação.
5. Teologia trinitária de Santo Agostinho
No Ocidente um sínodo
romano — sob o papa Dâmaso I, em 382 —, oferece uma apresentação
particularizada da doutrina eclesiástica, mediante a qual se enucleou mais a
divindade do Espírito Santo que a sua função histórico-salvífica. O sínodo
operou, dessa forma, um sentido metafísico da compreensão do Espírito. Mas uma
característica mais exata do Espírito Santo será alcançada na teologia
trinitária de Santo Agostinho. Referindo-se à vida espiritual interior,
estimulado também por alguns acenos da Sagrada Escritura, Agostinho chega à
concepção de que o Espírito Santo é o amor que une o Pai e o Filho. Que ele é
produto de um movimento de amor entre o Pai e o Filho.
De
fato, já no capítulo 6 do livro I sobre A
Trindade, Agostinho aborda a questão da deidade do Espírito
Santo e sua igualdade com o Pai e o Filho.
Assim, no capítulo 13
do mesmo livro I, Agostinho escreve: “Sobre o Espírito Santo, recolhem-se também
testemunhos abundantes dos quais fizeram uso todos os autores que antes de nós
escreveram acerca destas matérias, nos quais se prova que o Espírito Santo é
Deus, e não criatura. E se não criatura, é não somente Deus — pois os homens
foram também chamados deuses (Sl 81,6) —, mas Deus verdadeiro. É, portanto,
igual em tudo ao Pai e ao Filho, consubstancial e coeterno na unidade da
Trindade”.
Mais adiante, no
livro II, capítulo 3,5, Agostinho apresenta outra regra para a doutrina sobre o
Espírito Santo. “Resta-nos agora provar como o Espírito Santo também recebeu
tudo do Pai, tal como o Filho, para demonstrar que o Espírito Santo não é
inferior nem ao Pai nem ao Filho”. Do mesmo modo, não se infere que o Espírito
Santo seja inferior pelo fato de Cristo dizer: “Não falará de si mesmo, mas
dirá tudo o que tiver ouvido”. Essa sentença, diz Agostinho, indica apenas que
“o Espírito Santo procede do Pai”. No capítulo 7 deste livro II fala da missão
do Filho e da missão do Espírito Santo. No livro XVII 14.15, Agostinho
apresenta o Pai e o Filho como princípio único do Espírito Santo: O Pai e o
Filho não estão em oposição ao Espírito Santo, mas ambos constituem um único
princípio, um único doador do Espírito Santo. Já no livro V 14,15 havia dito:
“Ao proceder do Pai, o Espírito Santo procede também do Filho, não como de dois
princípios, mas de um só princípio”. Tal interpretação prende-se expressamente
à tradição grega, mas também se encontra em Tertuliano, em Ambrósio e Hilário
de Poitiers.
Mas
a precisão sobre a teologia do Espírito Santo, em Agostinho, encontra-se no
termo caridade-amor. Para ele, o termo caridade insinua aquela caridade comum
pela qual e na qual Pai e Filho se amam mutuamente. Esse termo indica como a
terceira pessoa procede comumente do Pai e do Filho e os une um ao outro. Essa
caridade mútua entre o Pai e o Filho é, para Agostinho, substancial. Se o amor
interior na criatura não é senão uma imagem inadequada do Espírito Santo, pelo
fato de sua pobreza ontológica, ele revela algo do jogo das relações mútuas das
Pessoas divinas. Assim Agostinho explica no livro XV 23,43 sobre A Trindade: “O
amor-faculdade humana que procede do conhecimento é que une a memória à
inteligência, sendo comum à faculdade que exerce de certo modo o papel de pai
(a memória), e à que exerce o papel de prole (que é a inteligência). Está
manifesto por aí que o amor não pode ser entendido, nem como o que gera, nem
como o que foi gerado. Logo, o amor, na imagem humana, oferece alguma
semelhança, ainda que bem imperfeita com o Espírito Santo”. Portanto, o
Espírito Santo não é apenas o fruto da união do Pai e do Filho, mas essa união
mesma que atua, ligando um ao outro e o que impede o Espírito Santo de ser Pai
ou Filho é, precisamente, aquilo que ele recebe ao mesmo tempo de ambos”[4].
6. “Filioque”
Sucessivas
declarações doutrinais da Igreja trouxeram ainda uma mudança importante
política e teologicamente. Inserida aos poucos no símbolo constantinopolitano,
a fórmula Filioque tornou-se
uma pesada herança doutrinal até hoje não resolvida, entre a Igreja do Ocidente
e a Igreja do Oriente.
A
formulação de que o Espírito procede do Pai e do Filho aparece na tradição
ocidental nas últimas décadas do século IV. Encontra-se de vários modos nas obras de
Ambrósio, de Mário Vitorino, de Hilário de Poitiers, preparando o caminho para
Agostinho desenvolver a noção de Tertuliano de que a processão do Espírito se
efetua por meio do Filho.
Inserida
na Espanha, no sínodo de Braga de 675, a fórmula ganhou a Gália e a Itália.
Quando, em 808, os monges do mosteiro franco, construído sobre o monte das
Oliveiras, cantaram no Credo o Filioque, foram
taxados de hereges pelos monges gregos. O papa Leão III declarou que a
processão do Espírito Santo também do Filho devia ser exposta na pregação, mas
que a inserção da fórmula no Credo seria supérflua. A pedido do imperador
Henrique II, a fórmula Filioque foi
inserida no símbolo também em Roma, por Benedito VIII, em 1014.
O patriarca grego
Fócio (+1073) defendia que a processão do Espírito Santo era só do Pai e fez
dessa afirmação um dogma para a Igreja Oriental. Consolidou, assim, com
considerações dogmáticas a separação entre a Igreja do Oriente e a Igreja do
Ocidente, mais especificamente romana, separação que se fundava muito mais por
motivos políticos e culturais que propriamente dogmáticos.
7. Resumindo
A
reflexão da fé vai aplicar-se sobre a ação e a natureza do Espírito Santo
gradualmente a partir do século II no contexto da dimensão soteriológica e
cristológica. Resolvida, de certo modo, a crise ariana, definida a divindade de
Jesus Cristo, os Padres passaram a defender a divindade do Espírito Santo. Isso
ocorreu por volta do ano 360. A análise estrutural da definição do Concílio de
Constantinopla esclarece os atributos dados ao Espírito Santo: Ele é Senhor que
dá a vida dos filhos de Deus, isto é, santifica, diviniza, é coadorado e
coglorificado, procede do Pai, embora não se precise ainda a relação com o
Filho. Evidentemente o argumento prevalecente para a afirmação da divindade do
Espírito Santo foi o soteriológico: se somos resgatados e divinizados pelo
Espírito Santo, é porque ele é Deus igual ao Pai e ao Filho. Os protagonistas
da ortodoxia foram Atanásio e os capadócios, Basílio e os Gregórios. O passo
decisivo para a afirmação da ortodoxia foi dado pelo Concílio de
Constantinopla, em 381, que sublinhou a verdadeira divindade do Espírito Santo.
Ulteriores explicitações do dogma trinitário, especialmente em relação ao
Espírito Santo, foram desenvolvidas de modo particular por Santo Agostinho em
sua obra A Trindade. A
inserção da fórmula Filioque na
liturgia levou à separação das Igrejas do Oriente e do Ocidente, provocando o
cisma que deu origem à independência da Igreja Oriental em relação à Igreja de
Roma.
[1] As citações de
Ireneu, Justino, Teófilo e Atenágoras são tiradas da nova tradução publicada na
coleção “Patrística” da Editora Paulus.
[2] Basílio de
Cesareia, Sobre o Espírito Santo, col.
“Patrística”, S. Paulo, Paulus. Pode-se ler na Introdução desta obra um relato
histórico das questões discutidas e dos principais protagonistas que se
digladiavam em torno da divindade do Espírito Santo.
[3] Idem.
[4] É recomendável
a leitura da obra A
Trindade de Agostinho. Obra que influenciou definitivamente a
Idade Média, talvez a melhor sobre as questões trinitárias. Encontra-se
publicada na col. “Patrística” (vol. 7), S. Paulo, Paulus, 1995
.
Prof. Roque Frangiotti
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/patristica/o-espirito-santo-nos-padres-da-igreja/
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