LITURGIA, CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO DE
CRISTO: UMA INTRODUÇÃO À SUA TEOLOGIA
Muitas
vezes o cristão católico fala a palavra liturgia, mas não tem o devido
entendimento do que seja.
Introdução
Muitas
vezes o cristão católico fala a palavra liturgia, mas não tem o devido
entendimento do que seja. A primeira idéia é que a liturgia é o conjunto de
rituais no qual a determinada celebração se desenvolve. Imagina-se que os
gestos e a simbologia estão ali colocados apenas para embelezar o templo ou o
evento que se está celebrando.
Observa-se
claramente este fato nas solenidades matrimoniais, onde se dá valor excessivo à
música, decoração, traje da noiva e fotografias, deixando minimizados os atos
mais relevantes da celebração. Assim, veremos alguns aspectos importantes para
realmente entender a liturgia e que são de fundamental importância para quem
está em pleno estudo de teologia.
O que é Liturgia?
Buscando
o sentido etimológico, liturgia (leit, de léos-láos = povo e érgon, do verbo
ergázomai = agir ) é uma ação para o povo, um agir para o povo, ou seja, uma
ação pública. As Sagradas Escrituras trazem este termo de forma gradual,
mostrando uma evolução até chegar ao ponto alto que é a chamada liturgia
cristã. Nesta liturgia, todos são os celebrantes, portanto, os licurgos, os
“fazedores”, e o objetivo é atualizar o mistério pascal de Cristo em cada
celebração.
Quem celebra ou quem faz
a liturgia?
O
costume ou tradição de reunir-se para comemorar é próprio do homem, assim,
religiosamente isto também acontece. O nome para essa reunião é diferente para
cada grupo, cultura ou credo. No Catolicismo, a assembléia reunida para
celebrar chamava-se “ekklesia”(grego) que passou para “ecclesia”(latim) e para
“igreja” (português).
Dessa
maneira, a ação litúrgica é uma celebração pública da Igreja, que está ali
reunida e é o “sacramento da unidade”
O
povo santo de Deus é que faz a liturgia. A assembléia reunida ora a Deus e
celebra cada um de acordo com os seus dons e ofícios diversos. Todos, a seu
modo, com suas capacidades e diversidades participam desta liturgia. Este povo,
nascido das águas do batismo é um povo sacerdotal, sendo ele o protagonista do
mistério celebrativo.
Quem é essa Igreja?
A
assembléia litúrgica para se caracterizar como tal, deve apresentar-se da seguinte
maneira:
1)
crente: ela crê na fé recebida dos apóstolos em Jesus Cristo;
2)
aberta: a assembléia deve ser católica, para todos sem discriminação qualquer;
3)
reconciliada: dentro da assembléia não pode haver divisão, todos estão
reconciliados, todos são irmãos de fé;
4)
ativa: há uma participação de todos, por ação do Espírito Santo, cada qual age
com seu carisma, ora presidindo, lendo, cantando, orando.
Fica
claro que as características apresentadas não são, por vezes, atingidas no
nosso dia-a-dia comunitário. A heterogeneidade dificulta o trabalho eclesial, a
falta de santidade de todos afasta-nos de Cristo, a hierarquia por vezes não é
bem compreendida, os motivos que levaram as pessoas à assembléia são diversos,
ou louvor ou tristeza ou súplica, tirando a unicidade de intenções. Há, da
mesma forma, uma dificuldade de se entender que é na liturgia que se busca a
fonte para o impulso missionário, mas o trabalho de missão visa a liturgia e
sua celebração, ou seja, é celebrando que se ganha força para continuar
celebrando.
A
assembléia apresenta diversidade de dons, pois é inspirada pelo Espírito Santo.
Dessa maneira, cada um tem seu dom e seu papel próprio na celebração. O
presidente compete ser o dinamizador e age na dimensão funcional e mística. É
ele que torna possível vermos o Cristo, pois age “in persona Christi”, mas age
também, “in nomine ecclesia”.
Outros
mistérios fazem-se presentes. O Diácono que motiva a todos a rezarem e proclama
o Evangelho. O leitor proclama as leituras. O Acólito serve ao altar durante a
apresentação das oferendas. Todos estes são ordenados, mas há muitos outros
ministérios que não exigem ordenação, como: salmistas, cantores, turiferários,
crucíferos, comentaristas, MESC e outros.
A importância do tempo e
do espaço celebrativo
O
espaço celebrativo é o local onde ocorre a reunião de fieis. Não é o local da
presença de Deus, mas onde a assembléia reúne-se e Deus se faz presente no meio
de seu povo. Portanto, a mística em torno desta visita de Deus pede que este
local seja bem planejado, construído e decorado de maneira própria para
viver-se melhor este mistério.
Dentro
do templo, pode-se ver Cristo em três locais: no altar (alimento consagrado),
na sede (o sacerdote “in persona Chriti”) e no ambão (a Palavra viva, o Cristo na
Escritura). Nestes locais deve haver uma simbologia própria dentro de um
espírito místico, dando ênfase a cada um deles no seu tempo devido, durante a
celebração.
Falamos
do espaço, agora o tempo. O tempo é importante para o homem e há o momento de
parar para orar a Deus. O momento é o primeiro dia da semana, o “dies
dominicus”. Este é o dia semanal de oração do cristão, onde ele pára com o fim
de rememorar a paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Anualmente,
o período de parada é no tríduo pascal. Este coincide com o tempo cósmico, no
equinócio da primavera, como que se estivéssemos comemorando o renascimento da
vida após o inverno.
Outra
festa anual dos cristãos católicos é a festa do nascimento do Senhor, mas esta
não obedece ao ciclo lunar, como a Páscoa, e sim ao ciclo solar e tem-se uma
data fixa no calendário gregoriano.
A estruturação e leis
envolvidas nas celebrações
As
celebrações litúrgicas podem acontecer de forma sacramental, não-sacramental e
em tempos e lugares diversos. O que vai definir o tipo de celebração é o
encadeamento de elementos que a compõe.
A
estrutura verbal-simbólica, ou seja, a soma de palavras e símbolos (gestos),
faz a celebração acontecer. Assim, na missa temos a liturgia da palavra e a
liturgia eucarística.
A
estrutura dialógica mostra o diálogo entre Deus e seu povo em cada celebração,
pois Ele está presente em cada uma delas.
7.
Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente em Sua
Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa,
tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos
sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz”, quanto, sobretudo, sob
as espécies eucarísticas. Presente esta pela Sua força nos sacramentos, de tal
forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está pela
Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na
Igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, Ele que
prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio
deles” (Mt 18,20)[...](SC 7)
Pode-se
ver esta dinâmica na missa quando Deus fala na primeira leitura, o povo
responde no salmo, fala novamente na segunda leitura, o povo responde na
aclamação ao Evangelho. Cristo fala no Evangelho e a resposta da comunidade é a
profissão de fé e as preces.
Na
parte verbal da celebração, encontramos as leituras que são a palavra de Deus
dirigidas a nós. Lêem-se os textos dos profetas, 1ª leitura( AT ), o salmo
responde a mensagem proclamada. No NT, 2ª leitura, o apóstolo mostra a vivência
desta palavra na comunidade e no Evangelho temos contato com a vida de Jesus.
Após o Evangelho, há a homilia, onde o sacerdote atualiza a palavra, mostrando
a realização da salvação de Jesus Cristo no “hoje”, no aqui e agora.
A
homilia pode ser querigmática, catequética, profética ou mistagógica, fazendo
um relacionamento entre a liturgia da palavra e eucarística.
Na
liturgia, também se ora. A oração litúrgica tem que ser eficaz, por ser
feita em nome de Cristo, e tem de ser teológica, pois a oração cristã fala
a Deus. Estas orações que estão nos livros litúrgicos são provenientes de uma
longa tradição da Igreja. Esta eucologia divide-se em orações presidenciais e
não-presidenciais, sendo que as primeiras são feitas pelo presidente da
celebração e as outras pela assembléia.
Na
oração há a seguinte estrutura geral:
1)
anamnética: recorda o que aconteceu:
2)
epiclética; invoca a presença do Espírito Santo.
Ao
final da oração sempre há a homologação por parte de toda a assembléia com o
“amem”.
Os
cantos trazem o aspecto festivo e alegre para a celebração litúrgica, mas devem
trazer a expressão do mistério celebrado. Dessa forma, têm-se músicas
religiosas, mas não litúrgicas, porque não expressam aquele momento adequado em
que são cantadas. Assim, um canto de entrada é motivacional para a assembléia,
diferentemente de um canto de ofertório que enfoca a apresentação do pão e do
vinho.
A celebração e os
símbolos
A
nossa vida diária é repleta de símbolos que nos remetem a uma sensibilidade
maior, de acordo com o que aquele símbolo significa. Da mesma maneira, os
símbolos são utilizados nas cerimônias litúrgicas porque transmitem algo mais
do que aquilo que são.
Um
bom exemplo de simbolismo é o bolo de aniversário, que por si só não passa de
um bolo, entretanto, quando oferecido em um aniversário, traz o simbolismo da
natividade. Comer um bolo qualquer simplesmente me alimenta, mas comer um bolo
de aniversário é mais do que alimento, é comungar com todos a celebração da
vida.
Maldonado(1990)
diz ser o símbolo uma realidade sensível que remete a algo além daquilo que
está ali na nossa frente. Como no caso do bolo, os celebrantes vêem além da
massa doce e confeitos que o enfeitam, mas sentem algo mais, algo que poderia
se dizer de “misterioso”.
Assim,
nas celebrações litúrgicas ocorre um simbolismo, mostrando-nos algo além, algo
de mistério.
O fazer simbólico
Quando
um determinado gesto carregar algo de especial, misterioso, que está além do
próprio gesto, torna-se um rito. O rito é praticado várias vezes, pois é um
gesto simbólico, como o apertar as mãos aqui na cultura ocidental, ou seja,
temos um gesto que exprime mais do que simplesmente tocar a outra pessoa, é sim
um símbolo de amizade e civilidade entre elas.
Tem-se,
assim, o rito litúrgico que é um conjunto de gestos próprios carregados de
simbologia que remete a todos os celebrantes a um dos mistérios de Cristo, de
acordo com o sacramento que se está celebrando.
No
caso do rito litúrgico, há algumas características particulares:
1) imita e
torna presente o mistério celebrado;
2) embora
sempre repetido, é sempre novo;
3) expressa
criatividade por trazer sempre em si a novidade;
4) é uma
linguagem, tendo uma seqüência com um gesto encadeando outro;
5) toca a
sensibilidade e os sentidos todos, visão(velas e roupas), audição(música),
olfato(incenso), paladar(vinho) e tato(cumprimento).
6) envolve
todo o ser humano, ficando em pé, de joelhos, sentado, ocorre uma participação
total no mistério celebrado.
O mistério na liturgia
A
liturgia, ao longo da história, só tornou-se importante quando atribuíram-na
uma visão teológica, que, sem ela, tornava toda a liturgia amarrada dentro de
uma uniformidade e com um rigorismo jurídico que a transformava em gestos
materialistas.
Com
um olhar teológico, pode-se ver a liturgia como a reunião de todos os atos de
culto da Igreja e que lhe são próprios. Assim, surge uma visão “mistérica”,
sacramental, onde o sujeito único e principal que exerce o culto é o Cristo
ressuscitado.
7. [...]
Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, “pois aquele
que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se
ofereceu na Cruz”, quanto, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Presente
esta pela Sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é
Cristo mesmo que batiza. Presente está pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que
fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja. Está presente finalmente quando
a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles” (Mt 18,20).
Realmente,
em tão grandiosa obra, pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens
são santificados, Cristo sempre associa a Si a Igreja, Sua Esposa diletíssima,
que invoca seu Senhor e por Ele presta culto ao eterno Pai.
Com razão,
pois, a Liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo,
no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada
sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral
pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros.
Disto se
segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de Seu
Corpo que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no
mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja. (SC
7)
Considerações finais
Assim,
conclui-se que a Igreja celebra a liturgia para atualizar vários aspectos da
vida de Jesus entre nós. É a participação do próprio Cristo, o Emanuel, no
nosso dia-a-dia, mostrando-nos que não estamos sozinhos na nossa caminhada
terrena.
Da
mesma forma, na liturgia participamos, antecipadamente, da liturgia celeste,
como podemos ler na “Sacrosanctum Concilium”:
Referências
BÍBLIA
DE JERUSALÉM. São Paulo: Edições Paulinas, 1973.
CATECISMO
DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
VATICANO
II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. São Paulo:
Edições Paulinas, 1998.
SANTOS,
Vitor P. C. dos. Caderno de Referência de Conteúdo de Iniciação à Liturgia do
curso de Graduação de Teologia. Batatais: Centro Universitário Claretiano,
2010.
Publicado
por: Robson Stigar
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