REFLEXÃO
DOMINICAL II
“O REI DOS REIS"
O filme era em preto e
branco, e o cinema era o saudoso Club Atlético Votorantim, meus olhos brilhavam
quando meu pai me dava uns trocados no domingo de páscoa, e me dizia “tome, vá
assistir o “Rei dos reis”. O Tarzan e o Zorro, ou o mocinho
dos filmes de Cowboy, eram nossos heróis que sempre se saiam bem sobre os
bandidos, a gente brincava depois, tentando reproduzir o que tínhamos visto na
tela mágica do cinema, e todos queriam ser os heróis vencedores. Então, o Rei
dos reis, na certa contava a história de um rei poderoso e vencedor, contudo, o
final do filme acabara com o meu entusiasmo, o tal Rei dos Judeus – Jesus de
Nazaré – sofrera uma derrota humilhante e vergonhosa, sendo torturado pelos
seus algozes até na hora da morte, além do mais nascera pobre em um estábulo,
trabalhara com o pai em uma carpintaria, andava a pé e não em fogosos cavalos com
sua guarda pessoal como faziam os grandes reis, e o pior, andava com pessoas de
baixo nível, ladrões, prostitutas, pecadores, coisa nada recomendável para um
rei. E no meu pensar de menino, comparado aos heróis da tela, o filme fora uma
decepção.
Não dava nem para brincar de
“Rei dos reis” com a minha turma, pois, como cantava Raul Seixas, eu também
morria de medo de ser pendurado numa cruz. Era um filme onde, contrariando os
demais, a força do mal havia vencido! Todos os anos eu ia assistir, na esperança
de que houvesse perdido uma parte do filme, quem sabe a fita não tinha
arrebentado, como as vezes ocorria com outros filmes, ocasião em que a platéia
soltava uma calorosa vaia, vai ver que faltava um pedaço do filme, e assim eu
alimentava a esperança de que Jesus de Nazaré saira-se vitorioso diante dos
seus torturadores e poderosos que o haviam condenado.
Minha mãe era muito fervorosa
em suas orações e práticas religiosas, um belo dia expus-lhe minha dúvida, se
Jesus era ou não um vencedor, e se ele realmente ressuscitara, após aquela
morte horrível na cruz, onde afinal havia se enfiado, que ninguém o via. Minha
mãe sorriu, disse-me que com o decorrer do tempo eu iria entender, desde que
continuasse a ir à igreja, escutar a santa palavra e a receber a eucaristia.
Achei que a minha mãe tinha algum segredo sobre Jesus, que não queria me
contar.
Comecei a segui-la sem que
ela soubesse, um domingo a tarde foi ao hospital Santo Antonio, visitar uma
amiga internada, levou duas maçãs, e já no quarto, abraçou e a beijou,
dizendo-lhe palavras de conforto e esperança,. Na outra semana pediu a meu pai
para entregar ao soldado Ranieri, uma marmita cheia de comida e pedaços de
frango, para ele levar para o Chiquinho, que estava preso por bebedeira, e que
não tinha mais família. Em outro dia, acolheu em nossa casa, com a permissão do
meu pai, um andante (eu morria de medo de andante) ele tinha uma barba grande e
estava mau vestido, meu pai lhe cedeu uma calça e uma camisa limpa, um sapato
usado para seus pés descalços, ele sentou-se na mesa e almoçou com muito
apetite, igual os cachorros famintos que a gente alimentava na calçada.
E em minha última espionagem,
notei que ela ficou quase uma semana ajudando a cuidar de uma criança enferma,
que vivia com o avô, carregando a menininha pobrezinha uns três dias, prá cima
e prá baixo, levando-a na farmácia e no Posto de Atendimento. Percorria as
casas rezando o terço nos meses de maio e outubro, e preferia sempre as mais
pobres, para alegria das pessoas simples, que saudavam Nossa Senhora das
Graças, com muita festa. Meu coração se questionava cada vez mais, onde estava
o Rei dos reis, triunfante? Qual a relação desse Reino do Bem, com aquelas
atitudes de minha mãe?
Lembro-me que já andava nos
meus 14 anos e falava em ir para o seminário, certa tarde o Vico, marido da Nhá
Jandira caiu em frente a nossa casa, esfolando o rosto na calçada, sangrando
muito, sendo que meu irmão o recolheu para dentro de casa e ela, limpando o
ferimento fez um curativo, lavando o rosto ferido daquele homem, e foi quando
então uma luz brilhou dentro de mim, assim que ela foi para a cozinha corri
atrás “Descobri mãe, descobri onde está o Jesus vencedor do mal!”. Enxugando as
mãos no velho avental, ela indagou-me para que falasse logo, pois ainda tinha
de preparar a janta para nós. “Ele está escondido em todas essas pessoas que
Senhora ajuda, eu andei espionando tudo o que a senhora fez.”
Minha mãe sorriu, e disse-me
que era mesmo verdade, que um dia o Padre Antonio explicara para o povo, o que
Mateus havia escrito em seu evangelho (nos anos 60 a gente não tinha acesso a
Bíblia) que em todas as pessoas que sofriam alguma dor, física ou moral, Jesus
estava presente e precisava ser tratado bem, com carinho, amor e ternura. E
assim desvendei o mistério de Cristo Rei, o seu reino alicerçado no amor, na
justiça, na igualdade entre as pessoas é eterno, e jamais as forças do mal irão
prevalecer contra ele.
É este o único critério que o
evangelho desse penúltimo domingo do ano litúrgico nos coloca, para entrarmos
na comunhão plena com Deus na Vida Eterna, crer na vitória da cruz, no Cristo
Ressuscitado, que quer ser amado nos pobres, enfermos, idoso, crianças,
encarcerados, prostituídos, nos famintos, e nos que estão nus, porque já perdeu
toda sua dignidade. Há algo que nunca contei à minha mãe, e
que guardei só para mim: É que na caminhada para o calvário, havia poucas
pessoas que acreditavam em seu poder e realeza, Verônica, a que enxugou o seu
rosto ferido, era uma delas, quando minha mãe limpou o rosto ferido daquele
Homem alcoolizado, que caira em frente a nossa casa, eu me lembrei do filme,
desvendando o grande mistério “tive sede e me destes de beber, tive fome e me
destes de comer, estava nu e me vestistes, preso e enfermo, e fostes me
visitar”.
José da Cruz é Diácono
da
Paróquia Nossa Senhora
Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0350.htm#msg01
Nenhum comentário:
Postar um comentário