sexta-feira, 10 de novembro de 2023

SANTO AGOSTINHO As Dez Virgens

 

 

SANTO AGOSTINHO

As Dez Virgens

 

By Pr. João Bosco

AGOSTINHO é um dos maiores nomes na história da Igreja cristã. Ele era um tição arrancado do fogo, como o próprio Paulo, podero¬so troféu do Espírito Santo. Nasceu em Tagasta, África (atual Souk-Ahras, Argélia), em 13 de novembro de 354, e morreu em Hipona, África, em 28 de agosto de 430. Seu pai era pagão, mas sua mãe, Mônica, era cristã de maravilhosa beleza de caráter e profundidade de fé. Quando jovem, Agostinho foi treinado para a carreira da retórica. Ele viveu em pecado com uma moça que lhe deu um filho, a quem era profundamente dedicado, dando-lhe o nome de Adeodato. “dado por Deus”. Durante esses anos de vida licenciosa, sua mãe nunca deixou de orar e se esforçar pela conversão dele. Foi a ela que o bispo de Tagasta fez a célebre observação, que tem consolado tantas mães ansiosas, que “um filho de tantas lágrimas não pode ser perdido’.

Quando seguia sua profissão de retórica em Milão, Agostinho pôs-se sob a influência de Ambrósio, bispo de Milão, e foi levado à vida cristã. Mas ele estava tão enredado na sensualidade, que se es¬quivava de sacrifício que envolvesse uma confissão de fé. Depois de intensas lutas espirituais, descritas graficamente na sua obra Confis¬sões, Agostinho finalmente achou Cristo e a paz. Em 396, foi feito bispo da sede episcopal de Hipona, na África. Daí em diante, tornou-se uma das grandes figuras da Igreja daqueles tempos, na verdade, de todos os tempos. Sua mente poderosa criou uma série de livros, sendo o maior deles A Cidade de Deus, obra vasta na qual ele procu¬ra vindicar o Cristianismo e concebe a Igreja como uma ordem nova e divina que surge das ruínas do Império Romano. Engajou-se em muitas controvérsias, sendo a mais importante a controvérsia com Pelágio e os pelagianos. Contra Pelágio, que afirmava ser o pecado de Adão puramente pessoal, e afetava só a ele, Agostinho defendeu a doutrina do pecado original, que os homens herdam de Adão uma natureza pecadora e. assim, estão sob condenação. Agostinho é acla¬mado por todas as escolas da Igreja Crista, e tanto católicos quanto protestantes o consideram, ao lado do apóstolo Paulo, como o gran¬de mestre em relação ao significado do pecado e ao passado da natureza humana.
SEU sermão sobre “As Dez Virgens” é um interessante tratado de um dos grandes temas de púlpito: a Segundo Vinda de Cristo. Espe¬cialmente belas são as palavras finais: “As nossas lâmpadas alumiam entre os ventos e as tentações desta vida. Mas deixemos que nossa chama queime fortemente, que o vento da tentação aumente o fogo, em vez de apagá-lo”.

As Dez Virgens

Então, o Reino dos céus será semelhante a dez virgens…” (Mt 25-1)

VOCÊS que estavam presentes ontem se lembram de minha promessa, a qual, com a ajuda do Senhor, será cumprida hoje, não somente a vocês, mas aos muitos outros que também se reuniram aqui. Não é questão fácil dizer quem são as dez virgens, cinco das quais são sábias e as outras cinco, tolas. Não obstante, de acordo com o contexto desta passagem a qual desejei que fosse lida hoje novamente a vocês, ama¬dos, não penso, até onde o Senhor me conceder entendimento, que esta parábola ou similitude relacione-se somente com essas mulheres. Estas, por uma santidade peculiar e mais excelente, são chamadas virgens na igreja, as quais, por um termo mais habitual, também cha¬mamos “as religiosas”; mas, se não me engano, esta parábola se rela¬ciona com a totalidade da Igreja. No entanto, embora devamos entendê-la somente acerca daquelas que são chamadas “as religiosas”, não são dez? Deus proíba que tão grande companhia de virgens seja reduzida a tão pequeno número! Porém, talvez alguém diga: “Mas, e se embora sejam tantas em profissão exterior, contudo, na verdade sejam tão poucas, que escassas dez podem ser encontradas!” Não é assim. Pois se Ele tivesse querido dizer que as virgens boas só deveriam ser en¬tendidas pelas dez. Ele não teria representado cinco tolas entre elas. Se este é o número das virgens que são chamadas, por que as portas são fechadas contra as cinco?
Entendamos, amados irmãos, que esta parábola se relaciona com todos nós, isto é, com toda a Igreja, não somente com o clero de quem falamos ontem; nem somente com o laicato, mas com todos em geral. Então, por que as virgens são dois grupos de cinco? Estas vir¬gens são todas as almas cristãs. Mas para que eu possa lhes dizer o que pela inspiração do Senhor penso, não são almas de todo tipo, mas as almas que têm fé e parecem ter boas obras na Igreja de Deus; e, não obstante, até entre elas, “cinco são sábias e cinco são tolas”. Primeiro, vejamos por que são chamadas “cinco” e por que “virgens” e, depois, consideremos o restante. Cada alma no corpo é denotada pelo número cinco, porque faz uso dos cinco sentidos. Não há nada de que tenhamos percepção pelo corpo, senão pela porta de cinco dobras: a visão, a audição, o olfato, o paladar ou o tato. Aqueles que se privam da visão ilícita, da audição ilícita, do olfato ilícito, do pala¬dar ilícito e do tato ilícito, por causa da sua incorrupção, receberam o nome de virgens.
Mas se é bom abster-se dos estímulos ilícitos dos sentidos e. por conta disso cada alma cristã recebeu o nome de virgem, por que cinco são admitidas e cinco rejeitadas? Todas são virgens e, não obstante, cinco são rejeitadas. Não é o bastante que sejam virgens e que tenham lâmpadas. São virgens por causa da abstinência do uso ilícito dos sentidos; têm lâmpadas por causa das boas obras. De cujas boas obras o Senhor disse: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). Outra vez Ele diz aos discípulos: “Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias” (Lc 12.35). Nos “lombos cingidos” está a virgindade; nas “candeias ace¬sas”, as boas obras.
O título de virgindade não é normalmente aplicado aos casados; contudo, até neles há certa virgindade de fé que produz castidade de casados. Saibam, santos irmãos, que todo aquele que, como a tocar a alma, tem fé incorrupta, pratica abstinência de coisas ilícitas e faz boas obras, não é adequadamente chamado de “virgem”. Toda a Igre¬ja, que consiste em virgens, meninos, homens casados e mulheres casadas, é por um nome chamada de virgem. Como provamos isso? Ouçam a declaração do apóstolo Paulo, que diz não somente às mu¬lheres religiosas, mas a toda a Igreja: “… porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Co 11.2). E porque devemos nos precaver contra o Diabo, o corruptor desta virgindade, o apóstolo acrescentou: “Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos e se apartem da simplicidade que há em Cristo” (v. 3). Poucos têm virgindade físi¬ca; no coração, todos devemos tê-la. Se a abstinência do que é ilícito é bom, pelo que recebeu o nome de virgindade, e as boas obras são louváveis, que são significadas pelas lâmpadas, por que cinco são admitidas e cinco rejeitadas? Se há uma virgem e uma que leva lâmpa¬da, que contudo não é admitida, onde ela se verá, que nem preserva a virgindade das coisas ilícitas e que nem desejando ter boas obras anda em trevas?
Destes, meus irmãos, sim, destes vamos tratar. Aquele que não vê o que é mau, aquele que não ouve o que é mau, aquele que desvia seu olfato dos fumos ilícitos e seu paladar da comida ilícita dos sacri¬fícios, aquele que recusa o abraço da esposa de outro homem, repar¬te o pão com os famintos, traz o estranho à sua casa, veste os desnu¬dos, reconcilia os litigiosos, visita os doentes, sepulta os mortos; ele com certeza é uma virgem, ele com certeza tem lâmpadas. O que mais buscamos? Algo, contudo, ainda busco. O santo Evangelho me colocou nesta busca. Está escrito que até entre estas virgens que le¬vam lâmpadas, algumas são sábias e algumas tolas. Como vemos isso? Como fazemos distinção? Através do óleo. Alguma coisa grande, algu¬ma coisa sumamente grande significa este óleo. Vocês acham que não é o amor? Isto dizemos à medida que investigamos o que é; não nos aventuramos a julgamento precipitado. Eu lhes direi por que o amor parece estar significado pelo óleo. O apóstolo diz: “… e eu vos mos¬trarei um caminho ainda mais excelente. Ainda que eu falasse as lín¬guas dos homens e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine” (1 Co 12.31b; 13-1). A carida¬de é o caminho acima dos demais, a qual com boa razão está significada pelo óleo, pois o óleo mantém-se acima de todos os líquidos. Colo¬que água, derrame óleo, e este se manterá sobre a água. Coloque óleo, derrame água, e o óleo ainda assim permanecerá sobre a água. Se você mantiver a ordem habitual, ele ficará no ponto mais alto; se você mudar a ordem, ele continuará no ponto mais alto. “A caridade nunca falha”.
Tratemos agora das cinco virgens sábias e das cinco virgens to¬las. Elas desejavam ir ao encontro do Esposo. Qual é o significado de “sair ao encontro do Esposo?” Ir com o coração, estar esperando por sua vinda. Mas Ele tarda. “E, tardando o esposo, tosquenejaram todas”. O que significa “todas”? Tanto as tolas quanto as sábias “tosquenejaram todas e adormeceram”. Este sono é bom? O que quer dizer este sono? É que com a tardança do Esposo, “por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos se esfriará” (Mt 24.12)? Devemos entender este sono assim? Não gosto disso. Eu lhes direi por quê. Porque entre elas estão as virgens sábias; e, certamente, quando o Senhor disse: “E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos se esfriará”, Ele continuou, dizendo: “Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (v. 13). Onde estariam essas vir¬gens sábias? Elas não estão entre aquelas que vão **perseverar até ao fim”? Elas não seriam admitidas entre todas, irmãos, por nenhuma outra razão senão porque elas perseverariam até o fim. Nenhuma frieza de amor se insinuou sobre elas; nelas o amor não esfriou, mas conserva seu brilho ainda até o fim. E porque brilham até o fim, as portas do Esposo estão abertas para elas. É dito a elas que entrem, como àquele servo excelente: “Entra no gozo do teu senhor” (Mt 25-21). Qual é o significado de “todas dormiram”? Há outro sono do qual ninguém escapa. Lembram-se da declaração do apóstolo: “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dor¬mem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1 Ts 4.13), ou seja, concernente àqueles que estão mor¬tos? Por que eles são chamados ‘os que já dormem”, mas estão no seu próprio dia? Então, “todas dormiram”. Vocês acham que pelo fato de alguém ser sábio, não morre? Seja a virgem tola ou a sábia, todas sofrem o sono de morte igualmente.
Mas os homens dizem continuamente para si mesmos: “Eis que o Dia do Julgamento está vindo. Tantos males estão acontecendo, tan¬tas tribulações se multiplicam; vejam, todas as coisas que os profetas disseram estão quase cumpridas. O Dia do Julgamento já está às por¬tas”. Aqueles que falam assim, em fé, superam astuciosamente tais pensamentos para “encontrarem-se com o Esposo”. Mas, vejam! guer¬ra sobre guerra, tributação sobre tribulação, terremoto sobre terremo¬to, fome sobre fome, nação contra nação e o Esposo ainda não veio. Enquanto se espera que Ele venha, todos os que dizem: “Vejam, Ele está vindo, e o Dia do Julgamento nos encontrará aqui”, dormem. Enquanto dizem isto, continuam a dormir. Que cada um de nós tenha em vista este seu sono e persevere até ao seu sono de amor; que o sono o ache esperando assim. Pois, suponha que ele dormiu. “Aquele que dorme não ressuscitará?” Então, “todas dormiram”. Tanto as sábi¬as quanto as virgens tolas, na parábola, todas dormiram.
“Mas, à meia-noite, ouviu-se um clamor”. O que é “à meia-noite”? Quando não há nenhuma expectativa, absolutamente nenhuma con¬vicção. A noite indica ignorância. O indivíduo faz um cálculo consigo mesmo: “Vejam, tantos anos se passaram desde Adão, e os seis mil anos estão se completando, e então imediatamente de acordo com a computação de certos expositores, o Dia do Julgamento virá”. Contu¬do, estes cálculos vêm e passam, e ainda a chegada do Esposo tarda, e as virgens que haviam ido encontrá-lo, dormem. E, vejam, quando Ele não é esperado, quando os homens dizem: “Os seis mil anos foram esperados, e, passaram-se. Como saberemos quando Ele virá?” Ele virá à meia-noite. O que significa “virá à meia-noite”? Virá quando vocês não estiverem cientes. Por que Ele virá quando vocês não esti¬verem cientes? Ouçam o próprio Senhor: “Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder” (At 1.7). “O Dia do Senhor”, diz o apóstolo, “virá como o ladrão de noite” (1 Ts 5-2). Portanto, vigiem de noite para que não sejam sur¬preendidos pelo ladrão. Pois o sono da morte – quer vocês durmam ou não – virá.
Mas, à meia-noite, ouviu-se um clamor” (Mt 25.6). Que clamor foi este. senão acerca do qual o apóstolo diz: “Num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta”? “… porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Co 15-52). E quando o clamor foi dado à meia-noite: “Aí vem o espo¬so!”, o que se segue? “Então, todas aquelas virgens se levantaram”. O que significa todas “elas” se levantaram? “Vem a hora”, disse o próprio Senhor, “em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz […1 [e] sairão” (Jo 5.28,29). Então, ante a última trombeta. todos se levantarão. “As loucas, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com as suas lâmpadas” (Mt 25.3,4). Qual é o significado de “não levaram óleo em suas vasilhas”? O que quer dizer “em suas vasilhas”? Em seus corações. O apóstolo diz: “Nossa glória é esta, o testemunho de nossa consciência”. Há o óleo, o óleo precioso; este óleo é proveniente do dom de Deus. Os homens podem pôr óleo em suas vasilhas, mas não podem criar a azeitona. Vejam, eu tenho óleo, mas vocês criaram o óleo? É proveniente do dom de Deus. Vocês têm óleo. Levem-no consigo. O que é “levá-lo convosco”? Tenham-no dentro de si para agradar a Deus.
Essas virgens tolas que não levaram óleo consigo desejam agradar os homens mediante essa abstinência, por meio da qual são chamadas virgens, e mediante suas boas obras, quando parecem levar lâm¬padas. E se desejam agradar os homens, e por conta disso fazem todas essas obras louváveis, elas não levam óleo consigo. Se vocês levam-no consigo, levam-no no interior onde Deus vê; ali levam o testemunho de sua consciência. Pois aquele que anda para ganhar o testemunho de outrem não leva óleo consigo. Se vocês se privam das coisas ilícitas e fazem boas obras para serem louvados pelos homens, não há óleo interior. E assim, quando os homens começam a deixar seus louvores, as lâmpadas falham. Observem, amados, antes que essas virgens dormissem, não está escrito que as lâmpadas se apaga¬vam. As lâmpadas das virgens sábias queimavam com um óleo interi¬or, com a garantia de uma boa consciência, com uma glória interior, com uma caridade interna. Contudo, as lâmpadas das virgens tolas também queimavam. Por que queimavam? Porque ainda não havia falta dos louvores dos homens. Mas depois que se levantaram, na ressurreição dos mortos, elas começaram a preparar as lâmpadas, ou seja, começaram a se preparar para prestar contas a Deus das suas obras. E porque não há ninguém a louvar, cada um está inteiramente engajado em sua própria causa, não há ninguém que não pense em si mesmo, então não havia ninguém para lhes vender óleo; assim as lâmpadas começaram a falhar, e as tolas correram até as cinco sábias e disseram: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagam” (Mt 25.8). Elas procuravam o que se acostumaram a buscar, para brilhar com o óleo de outrem, para andar segundo os louvores de outrem.
Porém, as sábias disseram: “Não seja caso que nos falte a nós e a vós; ide, antes, aos que o vendem e comprai-o para vós” (v. 9). Esta não era a resposta daqueles que dão conselho, mas daqueles que escarnecem. Por que elas escarnecem? Porque eram sábias, porque a sabedoria estava nelas. Porque elas não eram sábias de si mesmas; mas essa sabedoria estava nelas, acerca da qual está escrito em certo livro, ela dirá àqueles que a menosprezaram, quando eles caíram nos males que ela as prenunciou: “Eu rirei em sua destruição”. O que significa, então, esta zombaria das virgens sábias diante das tolas?
“Ide. antes, aos que o vendem e comprai-o para vós”, vocês que nunca viveram bem, mas pelo fato de os homens os louvarem, eles lhes vendiam óleo. O que significa “lhes vendiam óleo”? Vendiam louvores, elogios. Quem vende elogios, senão os lisonjeiros? O quan¬to teria sido melhor vocês não terem aquiescido com os lisonjeiros e terem levado óleo consigo, e em prol de uma boa consciência terem feito todas as boas obras. Então vocês podem dizer: “O justo me corrigirá em misericórdia e me reprovará, mas o óleo do pecador não engordará minha cabeça”. Antes, ele diz, que o justo me corrija, que o justo me reprove, que o justo me esbofeteie, que o óleo do pecador engorde minha cabeça. O que é o óleo do pecador, a não ser as blandícias do lisonjeiro?
Então, “ide, antes, aos que o vendem”; isto vocês se acostumaram a fazer. Mas nós não lhes daremos. Por quê? ‘Não seja caso que nos falte a nós e a vós”. O que significa ‘não seja caso que nos falte”? Isto não foi falado em falta de esperança, mas em humildade sóbria e piedosa. Pois embora o homem bom tenha uma boa consciência, como ele sabe como Deus pode julgar quem não é enganado por ninguém? Ele tem uma boa consciência, nenhum pecado concebido no coração o solicita, contudo, ainda que sua consciência seja boa, por causa dos pecados diários da vida humana, ele disse a Deus: “Perdoa-nos as nossas dívidas”; considerando que ele fez o que vem a seguir, “assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Ele repartiu o pão aos famintos de coração, de coração ele vestiu os desnudos; daquele óleo interior ele fez boas obras, e contudo nesse julgamento até sua boa consciência treme.
Vejam então o que significa “dai-nos do vosso azeite”. Foi dito a cias: “Ide, antes, aos que o vendem”. Considerando que vocês esta¬vam acostumados a viver segundo os louvores dos homens, vocês não levam óleo consigo; mas não lhes podemos dar nada, para que “não seja caso que nos falte a nós e a vós”. Pois dificilmente julgamos a nós mesmos, quanto menos julgaremos vocês? O que significa “difi¬cilmente julgamos a nós mesmos”? Porque “quando o Rei justo se assentar no trono, quem se gloriará que o seu coração é puro?” Pode ser que você não descubra nada em sua própria consciência. Mas aquele que vê melhor, cujo olhar divino penetra as coisas mais pro¬fundas, descobre algo; Ele vê que pode ser algo, Ele descobre algo. Quanto é melhor você lhe dizer: “Não entres agora em julgamento com o teu servo”, quanto melhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas”. Porque também lhe será dito por causa dessas tochas, por causa dessas lâmpadas, “tive fome, e deste-me de comer”. E então? As virgens tolas também não fizeram o mesmo? Sim, mas elas não o fizeram diante dEle. Como o fizeram? Conforme, que Deus nos livre, Ele dis¬se: “Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. […] E, quando orares, não sejas como os hipócritas, pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão” (Mt 6.1,5). Elas compraram óleo, deram o preço, não foram defraudadas pelos louvores dos homens: buscaram os louvores dos homens e os tiveram. Estes louvores dos homens não as ajudaram no Dia do Julgamento. Mas as outras virgens, como o fizeram? “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). Ele não disse: ‘podem glorificar você”. Porque você tem óleo de si mesmo. Orgulhe-se e diga: Eu o tenho; mas tenho o óleo dEle, “e que tens tu que não tenhas recebido?” Assim desse modo agiu uma, e de outro, a outra.
Não é de se admirar que “tendo elas ido comprá-lo”, enquanto buscavam por pessoas por quem serem louvadas, não acharam ne¬nhuma; enquanto estão buscando por pessoas por quem serem con¬soladas, não acham nenhuma; que a porta é aberta e “o esposo che¬ga”? A Noiva, a Igreja, é glorificada com Cristo, para que os vários membros se reúnam no seu todo. “… e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta” (Mt 25.10). Então as virgens tolas vieram cm seguida; mas tinham comprado ou encontrado óleo de quem pudessem comprar? Portanto, acharam as portas fechadas; passaram a bater, mas era muito tarde.
É dito, e é verdade, não se trata de declaração enganosa: “Batei, e abrir-se-vos-á”; mas agora quando é o tempo da misericórdia e não quando é o tempo do julgamento. Pois esses tempos não podem ser confundidos, visto que a Igreja canta ao seu Senhor da “misericórdia e julgamento”. É o tempo da misericórdia; arrependam-se. Vocês po¬dem se arrepender no tempo do julgamento? Então, vocês serão como essas virgens contra quem a porta estava fechada. “Senhor, senhor. abre-nos a porta!” O quê! Elas não se arrependeram por não terem levado óleo consigo? Sim, mas de que proveito foi o seu último arrependimento, quando a verdadeira sabedoria escarneceu delas? Por¬tanto, ‘a porta estava fechada”. E o que lhes foi dito? “Eu não vos conheço”. Ele não as conhecia, aquEle que conhece todas as coisas? O que Ele quer dizer com “eu não vos conheço”? Eu as repilo, Eu rejeito vocês. Segundo meu conhecimento, Eu não as reconheço; meu conhecimento não conhece vícios. Agora, isto é coisa maravilhosa, não conhece vícios e julga os vícios. Não os conhece na prática; julga reprovando-os. Assim, “não vos conheço”.
As cinco virgens sábias vieram e “entraram”. Quantos de vocês, meus irmãos, estão na profissão do nome de Cristo! Que haja entre vocês as cinco sábias, mas que não sejam somente cinco. Que haja entre vocês as cinco sábias que pertencem a esta sabedoria do núme¬ro cinco. Pois a hora virá, e vem quando não sabemos. Virá à meia-noite; vigiem. Assim o Evangelho conclui: “Vigiai, pois, porque não sabeis o Dia nem a hora” (Mt 25.13). Mas se todos dormirmos, como vigiaremos? Vigiem com o coração, vigiem com fé, vigiem com espe¬rança, vigiem com amor, vigiem com boas obras; e então, quando dormirem no corpo, virá o tempo em que vocês ressuscitarão. E quando vocês tiverem ressuscitado, preparem as lâmpadas. Então não se apa¬garão mais, serão renovadas com o óleo interno da consciência; o Noivo os abraçará no seu abraço espiritual, Ele os trará à sua casa, onde vocês nunca dormirão, onde sua lâmpada nunca se apagará. Porém, no momento estamos no trabalho, e as nossas lâmpadas alumiam entre os ventos e as tentações desta vida. Mas deixemos que nossa chama queime fortemente, que o vento da tentação aumente o fogo, em vez de apagá-lo.

 https://defendendoafe.wordpress.com/2008/08/24/agostinho-as-dez-virgens/

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