Graça e livre-arbítrio: aproximações
e distinções entre Santo Agostinho e Lutero
Introdução
O conceito da graça,
à época de Santo Agostinho, recebeu diferentes acepções, sendo popularmente
concebido de forma pejorativa e se associando a determinadas recomendações que
não tinham por finalidade a justiça (GROSSI et al., 2002).
É na controvérsia com
Pelágio, asceta e religioso latino, que Santo Agostinho sistematizou o conceito
teológico da graça, contrapondo-se à ideia pelagiana de uma vontade humana
potente e autossuficiente capaz de por si própria resistir ao pecado. A posição
agostiniana sobre esse tema será anexada à ortodoxia eclesiástica católica,
sendo evocada para refutar controvérsias posteriores, que ora negavam o
livre-arbítrio e a liberdade humana, ora exacerbavam a autossuficiência da
natureza humana não corrompida pelo pecado.
A asserção
agostiniana do livre-arbítrio e da graça na experiência humana de liberdade e
salvação está presente no contexto da Reforma, em que se observa, segundo
alguns autores (GROSSI et al., 2002), um novo
direcionamento da devoção moderna, privilegiando a experiência relacional entre
Deus e os homens na configuração da vivência cristã.
Contudo, no bojo do
contexto da Reforma, a instauração de uma nova pietas pela
fé reformada traz discussões sobre o entendimento da graça, com posições que se
distanciam da concepção agostiniana, sobretudo dos reformadores que
radicalizaram a posição luterana.
Neste artigo apresenta-se
a concepção agostiniana da graça, a partir da controvérsia pelagiana,
necessária para a compreensão do tema; em seguida, após sucinta
contextualização biográfica de Lutero e das questões luteranas presentes na
Reforma, enfocam-se as aproximações e distanciamentos entre os entendimentos
luterano e agostiniano acerca da graça e livre- arbítrio, e da graça e
justificação.
A concepção agostiniana da graça
A sistematização do
conceito teológico da graça no pensamento agostiniano tem como cenário o
desenvolvimento da “Polêmica Pelagiana”. Nela, Santo Agostinho contrapõe o
entendimento de Pelágio – de uma natureza humana não maculada pelo pecado
original, do livre-arbítrio potente da vontade para realizar o bem, se assim o
homem desejar – à concepção da natureza humana “adoecida” pelo pecado das
origens e, por conseguinte, da necessidade do “remédio” divino para auxiliar na
inclinação da vontade para o bem.
Se a antropologia
pelagiana apontava para a criação do homem dotado de livre-arbítrio por Deus
como uma graça, a agostiniana mostrará os limites de tal concepção, pois,
segundo o grande Doutor da Igreja, tratava-se não de procurar os dons do
Criador na criatura, mas os dons que Ele oferta às criaturas para a salvação.
Expunha, assim, a necessidade humana da graça para a correção dos pecados,
tendo em vista uma natureza humana concreta e real, sujeita aos vícios e
vicissitudes inerentes ao tempo (GROSSI et al., 2002).
A ênfase agostiniana
recai sobre o advento do Cristo para a salvação humana, pois, diferentemente de
Pelágio, para quem cada homem é um novo Adão no tocante ao pecado original,
isto é, cada homem depende de si mesmo para resistir ao pecado, para o bispo
hiponense é somente a partir da graça salvífica cristã que o homem pode
perseverar no caminho do bem, assim, a graça cristã é o auxílio pelo qual os
homens se libertam da tendência ao pecado, resistindo às más inclinações.
Como caridade divina,
a graça não se resume à existência das leis vetero e neotestamentárias, tal
como advogava Pelágio, pois o auxílio que estas podem proporcionar aos homens
depende antes do entendimento estimulado pela graça. A posição agostiniana
quanto a esse ponto será referendada pela Igreja nos sínodos de Diospólis (415
d.C.) e Cartago (418 d.C.), além da Tractoria do papa Zózimo (GROSSI et al., 2002).
A “auctoritas” agostiniana nos séculos XV e XVI
encontra na Escola de Tübingen, Alemanha, um dos pontos principais de difusão
das ideias defendidas por Santo Agostinho, sobretudo das interpretações dadas
por ele aos textos paulinos. Relacionando-se ao ideal de uma nova piedade
cristã, os teólogos daquela escola evocavam os escritos do bispo hiponense,
sublinhando a autoridade deste como “intérprete fiel de São Paulo” (GROSSI et al., 2002).
A influência da
Escola de Tübingen se estende à teologia de Wittenberg, tendo Lutero como
participante.
Lutero e Santo Agostinho: Reforma,
aproximações e distanciamentos entre graça e livre-arbítrio
Martinho Lutero
nasceu no dia 10 de novembro de 1483, na cidade de Eisleben, Alemanha. Vivia em
inquietude e tormento constantes, experimentando estados de incerteza,
denominados “Anfechtugen” (OLSON, 2001), ansiedade
espiritual aguda sobre o estado de sua alma com a ideia da obtenção da salvação
– ideia essa que permeava quase todos os ambientes cristãos de sua época. Ele
se despede de seu curso Jurídico e de seus colegas em 16 de julho de 1505, em
uma vila universitária da cidade de Erfurt, Alemanha.
No dia seguinte entra
para o Convento Negro dos Agostinianos Eremitas, sendo influenciado pelo grande
doutor africano Agostinho de Hipona, pelo neoplatonismo, pela teologia do
pecado e da graça, pela escolástica nominalista e, também, pela mística de
Bernard de Clairvaux. Baseando-se em “De spiritu et
littera”, no debate de Heidelberg e na luta contra o pelagianismo,
Johan Von Staupitz (1469-1524), vigário geral da Ordem de Santo Agostinho, na
Alemanha, acompanha e orienta o jovem monge na continuação dos seus estudos de
Teologia.
Assim, em 1508 Lutero
assume a cátedra “Lectura in Bíblia” na nova
universidade de Wittenberg (VILLARES, 2002). Von Staupitz
percebe a força, obstinação e a fé de Lutero, tornando-se então seu confessor
e, por meio desse trabalho pastoral e fraterno, a sua influência é fundamental
para a formação da intelectualidade, da disciplina da piedade e da
personalidade de Lutero.
A pergunta que sempre
acompanha Lutero em seus estudos é: “como posso conseguir o amor e o perdão de
Deus?” No término de um ano de noviciado recebe as regras, momento em que
repete a fórmula:
Eu, irmão Augustin Luder, faço profissão e
voto ao Deus todo poderoso, a Santa Maria, sempre virgem, e ao Padre Prior
Winand, representando o nome e os poderes do Superior Geral dos Frades Eremitas
de Santo Agostinho e de seus sucessores: de obediência e também de vida sem
nenhuma posse pessoal e na caridade, de acordo com a regra de Santo Agostinho
até sua morte
(CRISTIANI, 1954, p.1029).
Lutero é ordenado
padre e celebra sua primeira missa em 2 de maio de 1507. Na continuidade de
seus estudos, descobre que para obter o perdão de Deus os homens não
necessitavam de castigos contínuos ou de praticar boas obras, mas sim e
unicamente de terem fé em Deus, baseando-se em razões bíblicas fundamentais.
Em 1511, retorna
angustiado de sua visita a Roma, ao descobrir um ambiente de imoralidade,
obscenidade, blasfêmia, heresia e apatia espiritual. No ano seguinte, obtém o
seu doutoramento em teologia, em Wittenberg, passando a lecionar disciplinas
bíblicas naquela universidade.
Os estudos das
“Cartas aos Romanos” influenciam a sua forma de interpretar o Evangelho, e
juntamente às críticas ao ambiente eclesiástico da época, Lutero decide tornar
públicas suas ideias, elaborando as 95 teses, expondo suas descobertas
teológicas e criticando, também, o sistema das indulgências. Consta que as
teses foram fixadas na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, em 31 de
outubro de 1517.
Influenciado, ainda,
pelo sentido da piedade de Santo Agostinho, as indulgências eram vistas por
Lutero como intoleráveis, provocando o debate sobre a legitimidade do ato em si
e do valor cobrado sobre elas.
É, também, do grande
Doutor da Igreja que sofre ascendência, ao enfatizar na Tese 38 a importância
da fé, que ele entende como superior aos próprios sacramentos:
Essa fé em sua palavra faz com que sejas
verdadeiramente batizado, seja lá qual for o estado de tua contrição. Por isso,
a fé é necessária em toda a parte. Tens na exata medida em que crês. É assim
que entendo que dizem nossos mestres: os sacramentos são sinais eficazes da
graça, não porque acontecem [...] mas porque se crê, como dissemos acima. Assim
aqui: a absolvição é eficaz não porque acontece, seja lá quem afinal a faz,
quer erre, quer não erre, mas porque se crê
(LUTERO, 1987, p.146).
Recorre à
interpretação agostiniana para incitar à compreensão da misericórdia divina
necessária a todo cristão, até mesmo aos santos: Nesta vida, nenhum santo está
sem pecado, segundo 1Jo 1,8: “Se
dissermos que não temos pecado”, etc. Ele diz a mesma coisa também em Da
natureza e da graça (De natura et gratia)2.
Lutero acreditava que
a Igreja precisava ser renovada e queria iniciar um debate. Em um curto espaço
de tempo, o conhecimento do conteúdo dessas teses tomou toda a Alemanha e se
espalhou por várias regiões da Europa. As ideias defendidas por ele surgiram
num período em que o papado ainda não havia se refeito completamente do Cisma
de Pisa (1511-1512). Roma saía do V Concílio de Latrão (1512-1517) pensando ter
solucionado as questões doutrinais vigentes, e o poder imperial de Carlos V
exercia influência nas decisões da Cúria, gerando um clima de animosidade e
insegurança eclesiástica (WOLFF, 2015).
Apesar de ter sido
extremamente pressionado a renegar o seu entendimento teológico e os seus
escritos, tanto pela Igreja (excomunhão) como pelas autoridades seculares
(banimento), Lutero não alterou suas convicções.
O Movimento da
Reforma propagou-se por toda a Europa. No início de 1530, os vários líderes
protestantes escreveram a Confissão de Augsburg (Confessio
Augustana) sintetizando os componentes doutrinários basilares do
luteranismo, lido perante o Imperador Carlos V e o Sacro Império Romano
Germânico na data de 25 de julho. Lutero faleceu na data de 18 de fevereiro de
1546, aos 62 anos. Por fim, em 1555 o imperador reconhece e faz saber que
existiam duas diferentes confissões de fé cristãs nos territórios sob o seu
poder: a católica e a luterana.
É conhecido De Servo Arbítrio, escrito de Lutero que se
contrapõe diretamente às concepções do humanista Erasmo de Roterdã. As críticas
luteranas se voltam às proposições do humanista, sobretudo àquelas que
relativizavam as consequências do pecado das origens para a natureza humana, e
consequentemente, para o livre-arbítrio da vontade.
Lutero via nessa
relativização contornos semipelagianos, evocando o caráter absoluto da graça
cristã para a correção da vontade humana corrompida e prisioneira do pecado
original. A graça revela-se na fé em Cristo, como expõe:
Visto, porém, que
acusa o mundo inteiro deste pecado e, como é notório, a partir da experiência,
que esse pecado foi desconhecido do mundo, como também Cristo, fato que é
revelado pelo Espírito acusador, fica evidente que o livre-arbítrio com sua
vontade e razão é considerado cativo e condenado perante Deus por esse pecado.
Por isso, enquanto ignora a Cristo e não crê nele, nada pode querer ou intentar
de bom, mas serve obrigatoriamente aquele pecado ignorado (LUTERO, 1993, p.210).
A obrigatoriedade em
pecar, tal como apontado por Lutero, choca-se com a ideia do livre-arbítrio da
vontade, pois coloca as ações humanas no reino das necessidades.
De forma diversa,
Santo Agostinho não nega o adoecimento da vontade pelo pecado; todavia, a existência
do livre-arbítrio é ressaltada, visto que sem ele não é possível a graça. A
mesma graça que coopera com o livre-arbítrio para direcionar a vontade humana
para o bem é aquela que justifica o homem perante Deus. Santo Agostinho
enfatiza essa colaboração entre graça e vontade para que os homens se tornem
justos e se justifiquem:
Sem tua vontade não estará em ti a justiça de
Deus. Certamente a vontade não é senão tua, a justiça não é senão de Deus. Pode
existir justiça de Deus sem tua vontade, todavia à margem de tua vontade [a
justiça] não pode dar-se em ti. Serás obra de Deus, não somente por ser homem,
mas por ser justo. Melhor é para ti ser justo que ser homem. Se o ser homem é
obra de Deus e o ser justo é obra tua, ao menos essa obra tua é maior que a de
Deus. Mas, Deus te fez a ti sem ti. Quem te fez sem ti não te justificará sem
ti
(SANTO AGOSTINHO, 1981, p.13).
Se a noção do
livre-arbítrio da vontade de Lutero se afasta do entendimento agostiniano, sua
concepção da graça que justifica se aproxima das ideias do bispo hiponense. A
justificação independe das obras humanas, e a graça se expressa nas leis
eternas, isto é, divinas, da fé e do amor, cujo exemplo é o Cristo:
A perfeição e a imperfeição não são inerentes
às obras e não estabelecem qualquer distinção de condição exterior ou de status entre cristãos; pelo contrário, são inerentes
ao coração, à fé, ao amor, de tal modo que todo aquele que acredita mais e tem
mais amor, tal pessoa é perfeita, independentemente de ser um homem ou uma
mulher, um príncipe ou um camponês, um monge ou um leigo, pois o amor e a fé
não criam dissensões e distinções exteriores. Aqui devemos dividir os filhos de
Adão em duas partes: a primeira pertence ao reino de Deus; a segunda ao reino
do mundo. Todos aqueles que acreditam verdadeiramente em Cristo pertencem ao
reino de Deus [...] Ora, tais pessoas não têm necessidade nem da lei nem da
espada [...] fazem muito mais do que quaisquer leis ou ensinamentos poderiam
exigir
(LUTERO, 1995, p.87, grifo do
autor).
Justificado pela fé,
instaura-se uma vida nova ao cristão, pautada pela observação das leis divinas,
não o sujeitando estritamente às leis temporais, pois as transcendem. Eis um
dos aspectos principais da piedade, tal como desenvolvido por Lutero,
demarcadora da via moderna de devoção, sintetizada no desejo inato de Deus e na
relação íntima entre Criador e criatura (GROSSI et al., 2002).
Destacando a
importância e liberdade da fé, Lutero afirmava, no contexto da Reforma: “A fé é
algo que Deus elabora no espírito. Daí a afirmação comum, que também está
presente em Agostinho: ninguém pode ou deve ser forçado a acreditar em alguma
coisa contra a sua vontade” (LUTERO, 1995, p.62).
É sabido que a
concepção da justificação de Lutero é tributária da interpretação que fazia de
São Paulo, sobretudo da Carta aos Romanos, e de Santo Agostinho, principalmente
do tratado “De spiritu et littera” (GROSSI et al., 2002). Santo Agostinho
frisava, no referido tratado, a importância das leis da fé e do amor para a
justificação, pois são leis contrárias ao pecado, e a justiça cristã como
expressão da lei da graça, isto é, da graça como gratuidade da salvação: Deus,
soberanamente justo, salvará aqueles que Nele creem.
A obediência do
cristão às leis seculares e divinas, a ação da graça sobre a vontade,
resultando na liberdade do homem, a fé que o faz perseverar no caminho reto e
na observação das leis por amor, encontram-se sintetizadas na passagem
seguinte, estabelecendo os princípios da justiça cristã e o caminhar humano
para a justificação:
O cumprimento da lei depende da liberdade,
mas pela lei se verifica o conhecimento do pecado e, pela fé, a súplica da
graça contra o pecado. Pela graça, a cura da alma dos males da concupiscência;
pela cura da alma, a liberdade; pela liberdade, o amor da justiça; pelo amor da
justiça, o cumprimento da lei. Desse modo, assim como a lei não é abolida, mas
é fortalecida pela fé, visto que a fé implora a graça, pela qual se cumpre a
lei, assim a liberdade não é anulada pela graça, mas consolidada, já que a graça
cura a vontade, pela qual se ama livremente a justiça
(SANTO AGOSTINHO, 1998, p.52).
A graça é, tal como
apresentado por Santo Agostinho, a experiência relacional entre o homem e o
divino, ou seja, a relação humana com Deus e Cristo redentor, e se inscreve na
relação entre livre-arbítrio e liberdade, não sendo estes termos sinônimos.
Nessa acepção,
enquanto a liberdade é resultante do influxo da graça sobre a vontade, para que
esta penda para o bem, o livre-arbítrio é o meio pelo qual ela atua. Nesses
termos, os homens, ao exercerem o seu livre-arbítrio, tanto podem se aproximar
quanto se afastar de Deus. Ressalta-se que se tornam mais livres à medida que
seus atos os aproximam do Eterno, pois se encontram menos sujeitos aos vícios e
vicissitudes do livre-arbítrio.
De forma relacional,
portanto, graça e liberdade marcam indelevelmente a trajetória humana, pois
dessa relação brota o início da fé, geradora da esperança. Por sua vez, a
esperança possibilita ao cristão perseverar até a justificação estar completa,
na Jerusalém celestial, onde gozará da justiça e graça eternas, nas palavras de
Santo Agostinho:
Estais certos, portanto, de que não
trabalhais em vão, se perseverardes até o fim do bom propósito. Deus, que agora
aos libertados não retribui conforme suas obras, então retribuirá de acordo com
suas obras. Deus retribuirá o mal com o mal, porque é justo; e o bem pelo mal,
porque é bom. E retribuirá o bem com o bem, porque é bom e justo, e não
retribuirá o mal com o bem, somente pelo fato de que não é injusto. Resumindo:
dará o bem pelo mal, a graça pela injustiça, o bem pelo bem, graça sobre graça
(SANTO AGOSTINHO, 2002, p.45).
Considerações Finais
As ideias de Lutero,
como apontado, embasou uma nova pietas,
e sem elas não se podem entender os caminhos percorridos pela ortodoxia
católica nos Seiscentos, na reformulação e contestação havidas a partir do advento
do movimento da fé reformada.
Em parte, como também
discorrem os autores citados, a radicalização do movimento reformista não deve
ser atribuída, stricto sensu, às ideias
luteranas.
De um lado, no
tocante à doutrina agostiniana da graça contra o pelagianismo, Lutero foi
defensor das ideias do bispo hiponense. De outro, não se deve negar que Lutero
promoveu certo enrijecimento da teoria da graça agostiniana, limitando, por
conseguinte, o conceito de livre-arbítrio, tal qual defendido por Santo Agostinho.
Se tomada como
inexorável a tendência do arbítrio humano ao pecado, perde-se o meio pelo qual
atua a graça, já que esta, segundo o pensamento agostiniano, age sobre o
livre-arbítrio e com a colaboração dele. Aponta-se que o livre-arbítrio,
entendido como irremediavelmente pendente ao mal e ao pecado, coloca as ações
humanas como determinadas pelo reino das necessidades, e como tal, já não
haveria razões para se atribuir responsabilidade pelos atos realizados pelos
homens, pondo fim, portanto, ao campo ético no qual se desenvolve a vida
humana.
A diferenciação entre
livre-arbítrio e liberdade, como exposto no texto, traz luzes ao entendimento
do pensamento agostiniano, sendo esta última um valor a se conquistar,
diferentemente do livre-arbítrio, bem médio, inerente a todos os humanos.
Não se nega com tal
asserção a presença da graça, pois a liberdade, em sentido cristão, tal como
entende Santo Agostinho, só é possível pela graça. Graça e livre-arbítrio
constituem o binômio dos atos humanos voltados para o bem.
Partindo das
concepções agostinianas partilhadas por Lutero, a análise mais profícua busca,
para a comunhão dos princípios verdadeiramente cristãos, apontar a convergência
de alguns pontos dos ideais luteranos com as proposições da Igreja Católica, sobretudo
a partir do Concílio Vaticano II, instauradoras de um diálogo ecumênico
cristão. Nesse sentido, destaca-se que esse Concílio reconhece as preocupações
manifestadas por Lutero, ressaltando a fidelidade ao evangelho como forma de
renovação contínua da Igreja por meio da palavra divina, bem como a fidelidade
à história humana como motriz das mudanças necessárias para se levar a cabo a
missão evangelizadora.
Trata-se, portanto,
de compartilhar de um ideal comum a católicos e cristãos da fé reformada – entendendo
a Igreja como o Povo de Deus, Cristo como mediador único, e os ministérios como
serviços sacerdotais –, bem como de assegurar a liberdade religiosa das pessoas
como um direito.
Referências
CRISTIANI,
L. Luther et saint Augustin. In: AUGUSTINUS magister. Congrés International
Augustinien. Paris, 1954. v.2.
GROSSI,
V. et al. O homem e sua salvação. São
Paulo: Loyola, 2002. t.2
LUTERO,
M. Obras Selecionadas. São Leopoldo:
Sinodal, 1987.
LUTERO,
M. Obras selecionadas. São Leopoldo:
Sinodal, 1993. (Debates e Controvérsias, v.4, n.2).
LUTERO,
M. Sermão sobre a autoridade secular.
São Paulo: Martins Fontes, 1995.
OLSON,
R. História da teologia cristã: 200 anos
de tradições e reforma. São Paulo: Vida, 2001.
SANTO
AGOSTINHO. A Graça. São Paulo: Paulus, 1998.
(O Espírito e a Letra, v.1).
SANTO
AGOSTINHO. A Graça. São Paulo: Paulus,
2002. (A Graça e a Liberdade, v.2).
SANTO
AGOSTINHO. Obras de San Augustín.
Sermones. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1981.
VILLARES,
A. A recepção de Santo Agostinho em Lutero e nos escritos confessionais
luteranos. In: CONGRESSO INTERNACIONAL AS CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO 1600
ANOS DEPOIS: PRESENÇA E ACTUALIDADE, 2000, Lisboa. Actas
do Congresso Internacional... Lisboa: Universidade Católica, 2002.
WOLFF,
E. Divisões na Igreja: desafios para o ecumenismo hoje. Theologica Xaveriana, n.180, p.381- 407, 2015.
Notas
2 Cf. Lutero (1987, p.162).
MATTOS, J.R.A. Graça e
livre-arbítrio: aproximações e distinções entre Santo Agostinho e Lutero. Reflexão, v.42, n.2, p.263-269,
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