O
BATISMO NUMA PERSPECTIVA PASTORAL
Por Prof. Antônio Müller
1.
No Antigo e no Novo Testamento
Para entender melhor
a função e o sentido do sacramento do batismo, faz-se necessário buscar as suas
origens. No Antigo Testamento, o mergulho na água era tido como meio de
purificação espiritual. As abluções e o ato de lavar as mãos antes das
refeições, além de se relacionarem a questões de higiene, eram práticas
religiosas de purificação (cf. Mt 15,2; Mc 7,2-5).
João Batista recebeu
a missão de preparar os caminhos do Messias. Em sua pregação, chamava o povo à
conversão dos pecados, à penitência e à purificação por meio do batismo, como
lemos em Lc 3,3: “João percorria toda a região do Jordão, pregando o batismo de
arrependimento para a remissão dos pecados”. Pelo batismo, João reconhece o
Cristo: “Eu não o conhecia, mas aquele que me mandou batizar em água disse-me:
‘Sobre quem vires descer e repousar o Espírito, este é quem batiza no Espírito
Santo’. Eu o vi e dou testemunho de que ele é o Filho de Deus” (Jo 1,33-34);
“Eis que os céus se abriram e vi descer sobre ele o Espírito Santo, em forma de
pomba. E do céu baixou uma voz: Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha
afeição” (Mt 3,16-17; Lc 3,21-22). Podemos ver aí Deus se manifestando como um
em três pessoas: o Pai que anuncia, o Espírito Santo que aparece em forma de
pomba e o Filho que recebe o batismo. A partir do batismo, Jesus assume a sua
missão. Retira-se para o deserto para rezar e depois volta pregando, criando a
base apostólica de sua Igreja, com a escolha dos doze apóstolos.
João — na qualidade
de arauto — vai à frente, preparando os caminhos. O Messias, com as chaves do
poder, abre aos seres humanos o reino de Deus. Para entrar nesse reino, é
preciso morrer para o pecado e renascer para uma nova vida. Jesus deixa claro
que o mundo do pecado é formado pelas vaidades e paixões egoístas, que suscitam
contínuos conflitos e a degradação do ser humano naquilo que constitui sua
essência, sua verdadeira dignidade. Faz-se, pois, necessário morrer para essa
vida de pecado e ressuscitar com Cristo como pessoas novas.
O batismo exige da
pessoa que o recebe a atitude de conversão. Da parte de Deus, o batismo é
acolhida e comunicação de vida nova: “Quem não renascer de novo não entrará no
reino de Deus” (Jo 3,5). Aos apóstolos Jesus deixa clara missão: “Ide por todo
o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será
salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). Mateus acrescenta,
indicando em nome de quem somos batizados: “Ide, pois, e ensinai a todas as
nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19-20).
2.
Sinais e efeitos do batismo
2.1.
Sinal de conversão
Todo judeu ou o pagão
convertido ao judaísmo precisavam passar pela circuncisão. O cristão é marcado
pelo batismo. Quem aceita Cristo e seu evangelho é batizado. Assim o batismo se
torna a marca do cristão, o sinal de aceitação do novo reino que Cristo veio
instaurar. A conversão se consuma pela purificação do batismo. Depois de
Pentecostes, os apóstolos assumem a pregação do reino de Deus e a prática de
batizar. Cheios do Espírito Santo, pregam em várias línguas. Muitos creem e são
batizados. O livro dos Atos faz inúmeras referências ao batismo como sinal dos
que acreditavam e do crescimento da Igreja. Pedro prega a conversão e a
necessidade do batismo. Os que receberam a sua palavra foram batizados (cf. At
2,41). Em At 8,12 lemos: “Depois que acreditaram em Felipe, que lhes anunciava
o reino de Deus e o nome de Jesus Cristo, homens e mulheres pediram o batismo”.
Em todas essas referências bíblicas se vê que o batismo era marca da conversão
e da aceitação de Cristo.
São Paulo associa o
batismo à morte e ressurreição de Cristo: “Fomos batizados em sua morte, para
que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim nós também
vivamos uma vida nova” (Rm 6,4). O apóstolo desenvolve a teologia do Corpo
místico de Cristo, no qual somos inseridos pelo batismo, como diz em 1Cor
12,13: “Em um só Espírito fomos batizados, todos nós para formar um só corpo, e
todos fomos impregnados de um mesmo Espírito”. Na carta aos Gálatas lemos:
“Todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3,27).
A Tito, Paulo fala dos efeitos do batismo que regenera e comunica o Espírito
Santo. Diz, ainda, que não é pelos nossos méritos, mas pela misericórdia é que
Jesus nos salva mediante o batismo e nos torna herdeiros da vida eterna (Tt
3,5s).
Embora seja
problemático falar do pecado como herança de Adão e Eva, não se pode ignorar
nem negar que a humanidade se afastou dos propósitos divinos. Perdeu a
consciência da imanência de Deus como elemento constitutivo, distanciou-se dos
propósitos da criação.
Deus quer salvar a
todos os seus filhos, e nós temos responsabilidade nessa salvação. Como membros
do Corpo de Cristo, fazemos parte da mesma Igreja e temos a missão de anunciar
o reino de Deus entre os irmãos, ser luz no mundo e testemunhas de Cristo entre
cristãos e não cristãos. Ser membros da Igreja é fazer parte de um povo
sacerdotal (cf. 1Pd 2,9-10), que se preocupa com a salvação de todos. Essa
missão se consolida pela vida em família, pela participação litúrgica e pelo
testemunho de Cristo.
Como o açúcar e o sal
nos alimentos, assim é Deus na vida do cristão. Não é visível, mas dá um sabor
especial à vida. Nossos atos ganham um sentido novo quando são penetrados por
Deus e motivados pela fé e pelo amor.
2.2.
Sacramento de entrada
O batismo realiza-se
por meio de uma cerimônia de ingresso numa comunidade eclesial. As Igrejas
podem variar, mas todas têm por base o ser humano em sua relação com Deus. Ter
uma religião é necessidade intrínseca ao ser humano, que toma consciência de
sua imortalidade e abertura para um ser superior. Assim como as pessoas buscam
a Deus, este busca as pessoas porque as ama. De muitas formas Deus revelou
isso, mas foi por meio de Jesus Cristo que esse amor se mostrou em plenitude
como uma paixão que se imola. Contudo, o ser amado por Deus, no exercício de
sua liberdade, tem falhado nessa relação de amor desde o princípio. Mas Deus
nunca o abandona — como vemos em toda a história da salvação, que mostra como o
Criador procura elevar os seres humanos à dignidade de filhos bem-amados.
Para a criança, o
batismo não tem o sentido imediato de conversão ou de adesão a um novo credo —
como ocorria no início do cristianismo —, mas o de abertura para a relação com
Deus. Mais importante do que a idade para ser batizado é o modo de viver o
batismo, pois, ao expressar renúncia a Satanás e ao pecado, o batizando se
propõe viver uma relação de amor filial com a Santíssima Trindade, em nome de
quem se batiza.
As portas da Igreja
se abrem ao batizando, que recebe da parte de Deus um manancial de graças, para
que se mantenha em consonância com os princípios professados e com a fé
católica. A unção com o óleo da crisma é sinal dos ministérios que todo cristão
recebe no batismo: sacerdote, profeta e rei, pelos quais participa dos
ministérios de Cristo e de sua Igreja.
Para o adulto
convertido, o batismo também perdoa os pecados cometidos, indicando o fim de
uma vida distante de Deus — como a do filho pródigo — e a acolhida do Pai (cf.
Lc 15,11-24).
No batismo, nós —
pessoalmente ou por vontade e fé de nossos pais e padrinhos — estendemos nossa
mão para o encontro com a mão divina, de modo que se estabeleça uma relação de
amizade e de amor filial. No caso do batismo de crianças, os pais e padrinhos
se comprometem a ensinar e a conduzir esses novos cristãos a viver de acordo
com a fé cristã e a buscar sempre a amizade e as graças de Deus. A vida que se
inicia no batismo deve desenvolver-se numa dinâmica de crescimento, alimentada
e incentivada pela vivência dos demais sacramentos e pela participação ativa na
comunidade. Não importa se alguém ingressou na comunidade por conversão e
arrependimento ou se isso ocorreu ainda no colo materno pelo fervor religioso
dos pais; o importante é que a vida cristã seja devidamente seguida e a luz de
Cristo brilhe no mundo por meio de quem se professa cristão. É preciso
engajamento na comunidade para ser sal da terra e luz e fermento no mundo, pois
não há vida cristã onde membros da comunidade apenas se intitulam cristãos, mas
não o são de fato, adotam princípios religiosos que não seguem, fazem uma
aliança com Deus, mas não a vivem.
Ao devolver a unidade
com Deus, o batismo nos abre as portas para o reino de Cristo e para a
salvação. Somos irmãos de Cristo e de todos os que trazem em si a vida divina.
A unidade com Deus garante a unidade com os irmãos. Passamos a ser membros do
Corpo místico de Cristo, cidadãos do reino de Deus. Como diz São Paulo aos
Coríntios: “Fomos todos batizados em um só Espírito para ser um só corpo,
judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só Espírito” (1Cor
12,12-13).
2.3. Luz e imagem de Cristo
O batizando recebe do
padrinho uma vela acesa no círio pascal, que representa o Cristo ressuscitado,
luz do mundo, para significar não apenas que o cristão vive na luz, mas também
que deve ser luz para o mundo. Pelo batismo nos tornamos imagens de Cristo na
terra; então, cabe perguntar: que imagem de Cristo nós somos? Não se acende uma
lâmpada para colocá-la debaixo do alqueire, mas, sim, no candeeiro, para que
ilumine a todos. Assim deve ser o cristão: ter a luz de Cristo não apenas para
si, mas também para iluminar os outros. Sua grande missão é ser sal da terra e
luz do mundo (Mt 5,13-14), para que o reino de Cristo se estabeleça e o mundo
ganhe um sentido novo, orientado para valores eternos.
No início do
cristianismo, o batismo era ministrado imediatamente quando o ouvinte se
convertia e manifestava intenção de aderir ao novo reino de Cristo. Depois que
a comunidade cristã se estruturou, esse sacramento passou a ser precedido de
longo período de instrução, chamado catecumenato. Como o cristianismo era
proscrito — proibido em todo o império romano —, os postulantes ou catecúmenos
recebiam instruções nas catacumbas — construções subterrâneas onde se sentiam
mais seguros junto aos mortos do que sob os olhares dos vivos. Nas celebrações,
os catecúmenos participavam da liturgia da Palavra, mas não da liturgia
eucarística. Só depois do batismo podiam ter participação plena nas
celebrações.
2.3.
Recuperação da plenitude humana
A descrição da forma
como Deus criou o ser humano (cf. Gn 2,7) tem o objetivo de dizer o que ele, o
ser humano, é: ser transcendente que, por vontade e ato do Criador, penetra a
esfera do divino e se torna cidadão da terra e do céu. Por isso o homem é o elo
entre a vida material, biológica, e a vida espiritual de comunhão com a própria
divindade.
Mas essa história de
amor e de comunhão com a divindade criadora sofreu reveses logo nos seus
primórdios, porque o ser humano, ao tomar consciência da sua superioridade
sobre os demais entes criados, rompeu com o Deus criador e perdeu seu estado de
paz nas relações com os semelhantes. Ao comerem o fruto proibido para se
tornarem iguais a Deus (cf. Gn 3,5), Adão e Eva, arquétipos da humanidade no
alvorecer de sua consciência, usaram a liberdade para satisfazer seus desejos
de superioridade e, de modo geral, suas paixões, contradizendo as leis do
Criador. A fala da serpente — “Mas Deus bem sabe que, no dia em que comerdes o
fruto, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecedores do bem e do
mal” (cf. Gn 3,5) — representa com propriedade o impulso humano de se deixar
conduzir pelas paixões e buscar se igualar a Deus. O mundo dominado pelas
paixões humanas passa a construir uma história de dominação, guerras, dores e
sofrimento. Por causa do pecado, o ser humano perdeu o elo com a divindade
criadora, mas sente dentro de si um anseio de infinitude e de comunhão com o
Criador. Sem Deus, o homem sente-se um peregrino na terra, um ser exilado,
incompleto, perdido em si mesmo e em contínua busca de plenitude.
A
angústia de ser limitada por sua animalidade, contrastando com o sopro da
imortalidade, explica por que, em todos os tempos e lugares, a humanidade sempre
cultuou algum tipo de divindade. Sem
Deus não há plenitude humana. Dessa forma, a conclusão é que a
religião não consiste em uma criação social, mas é a resposta ao próprio ser do
homem. Escolher esta ou aquela religião é questão de opção, mas ter e praticar
algum tipo de credo, dentro ou não de alguma organização religiosa, faz parte
do ser do homem. Pelo batismo recuperamos nossa integridade, que só é plena em
Deus, na harmonia com os irmãos, em obediência às palavras de Cristo: “Para que
haja um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).
Pelo
batismo, abraçamos a religião que nos acolhe. Trata-se de um ato que sinaliza a
entrada do batizando na comunidade dos crentes, abraçando a fé praticada por
essa comunidade. O próprio termo “religião”, do verbo latino religare, é
significativo para expressar o que se passa com o cristão que recebe o batismo.
O ser humano que estava afastado de Deus, que se esquecera da imanência divina
em sua constituição ontológica, recupera, ao ser batizado, a sua plenitude — só
existente na comunhão com o Criador. Jesus chama esse retorno de nascer de
novo, pois, sem a comunhão com Deus, não há vida plena.
No batismo não há
expulsão do demônio — isso seria exorcismo (até porque acreditamos que nascemos
com anjo da guarda, e não com demônio). Nem mesmo nossa natureza dividida entre
o bem e o mal se altera com o batismo. O que ocorre, da parte do ser humano, é
a conversão e o propósito de lutar pelo bem, renunciando ao mal, a Satanás e às
suas obras; e, da parte de Deus, a comunicação da graça santificante,
representada pela veste branca na cerimônia batismal. A santidade se dá na
dialética entre o bem e o mal, e não na supressão do mal na natureza. O
batizando renuncia ao pecado, embora possa pecar; pratica o bem, embora a sua
natureza o incite aos devaneios das paixões e aos prazeres do mundo.
2.4.
Vida nova
O batismo recupera a
imagem perdida de Deus no ser humano. Ele nos dá uma vida nova, a vida de Deus
em nós e a nossa inserção em Deus — o que não depende da idade com a qual
recebemos esse sacramento. Por ele nos tornamos filhos de Deus (cf. Jo 3,1-5) e
podemos chamar Deus de Pai (cf. Rm 8,15).
Quando dizemos que o
batismo nos faz filhos de Deus pela graça, entendemos que a vida divina volta a
circular em nós. É esse o sentido do nascer de novo de que Cristo fala a
Nicodemos: “Para entrar no reino dos céus, é preciso nascer de novo. Em
verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá
entrar no reino de Deus. Quem nasce da carne é carne, e quem nasce do Espírito
é espírito” (Jo 3,5-6). Na continuidade da conversa com Nicodemos, Jesus deixa
claro que fala da transcendência humana — a vida de Deus em nós, a imanência
divina que, por seu sopro, faz de nós, humanos, partícipes da divindade
criadora.
A água no batismo tem
este duplo sentido: simboliza a necessidade de purificação espiritual e o
nascimento para nova vida. Como não há vida sem água, também não há vida
espiritual sem Deus. O pecado nos afasta de Deus, produzindo uma cisão de nossa
própria personalidade. Ontologicamente somos barro, mas também somos sopro
divino. Temos vida biológica em comum com os animais e temos vida espiritual
que nos põe em comunhão com Deus. Com a negação do propósito divino e com o
afastamento histórico representado no Gênesis pela expulsão do paraíso,
perdemos essa vida espiritual, essa comunhão com Deus, que nos vivifica e nos
dá a plenitude de nós mesmos. Por isso é preciso renascer pela água e pelo
Espírito. A água é a nossa purificação. O Espírito, que nos é comunicado no batismo,
garante-nos a recuperação da imanência divina — que permanecia no inconsciente,
mas deve se tornar vida em nós. A Bíblia não faz referência ao batismo para
apagar a mancha do pecado adâmico — ou pecado original. Essa teoria foi
desenvolvida no século IV por Santo Agostinho. As referências a doenças como
punição pelo próprio pecado ou pelo pecado de progenitores foram rejeitadas por
Cristo (Jo 9,1-3; Lc 13,1-5). O que deve ser acentuado e revigorado na pregação
catequética é o sentido do batismo como sinal de conversão e de adesão humana
ao reino de Cristo. É o início de uma vida nova que deve ser vivida pelo
cristão.
2.5.
Filhos de Deus e herdeiros das graças divinas
O
conceito de Javé no Antigo Testamento era o de um Deus justo, mas extremamente
severo. Cada vez que o povo pecava, recebia pesado castigo. Jesus de Nazaré
acentua outra imagem de Deus. Anuncia um Deus amor, bondade, perdão, acolhida e
sempre presente na vida das pessoas. Resume esses predicados na palavra Pai. Deus é pai que
ama seus filhos e vem salvá-los. Jesus quer que todos sejam um com ele, como
ele é um com o Pai (Jo 17,21). A oração do pai-nosso põe o ser humano como
filho nos braços do Pai. Expressa acolhida e profundo desejo de integração da
pessoa com Deus. Da alteridade de Deus no Antigo Testamento surge a imanência
do Criador, que faz tenda no coração de suas criaturas e estabelece com elas
uma relação de amor. A aliança com o povo se estende agora pelo batismo a cada
pessoa individualmente, como diz São Paulo: “Ele nos salvou mediante o batismo,
da regeneração e renovação pelo Espírito Santo, que nos foi concedido em
profusão por meio de Cristo, nosso salvador” (Tt 3,5). O batismo abre os
caminhos das graças divinas postas à disposição da pessoa e sela o desejo
humano de nunca perder a relação de amizade com Deus. Para quem já nasce em
família cristã, a conversão significa, sobretudo, o propósito de intensificar
cada vez mais a relação de amor com o Criador.
Como participantes da
história da salvação, unimo-nos a Cristo e ganhamos o direito de compartilhar
dos seus méritos por meio dos demais sacramentos. Somos convidados ao banquete
celeste, em que ele se faz alimento. Fazer parte do seu Corpo místico é também
ser beneficiário das suas graças. Por meio dele chegamos ao Pai: “Ninguém vai
ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Esse caminho começa com o batismo, em que
demonstramos o propósito de renunciar ao pecado e assumir nova existência,
vivendo já na terra o reino de Deus, que é amor, paz e entrega a Deus, como diz
São Paulo: “Eu já não vivo. É Cristo que vive em mim”. Frase que todo cristão
deveria ter a coragem de pronunciar com plena sinceridade e que deveria ser
instituída como meta a ser atingida.
Todos nascemos filhos
de um mesmo Pai e não há nada que escape ao âmbito de Deus, que está em tudo e
em todos. Mas, pelo batismo, tomamos consciência dessa filiação e da presença
divina em nós. No Antigo Testamento, a relação com o Criador se baseava na
alteridade. Ele criou tudo e dele tudo depende. Contudo, Cristo nos revela que
Deus está em nós, que nos ama de maneira incondicional com amor de Pai. Essa
relação Pai–filho se estabelece no batismo, por nossos pais e padrinhos ou por
nós mesmos, quando manifestamos nosso desejo de viver em Deus como filhos. Ao
batizá-los ainda crianças, os pais oferecem os corações dos filhos como
sacrário da Santíssima Trindade, o que, certamente, agrada a Deus.
3.
O batismo de crianças e o exercício da
liberdade
A
teologia paulina da inserção em Cristo e da salvação justifica o batismo de
crianças. Ao nascerem no seio de família cristã, a elas não se aplica o sentido
de conversão e penitência por pecados pessoais cometidos (ou pelo pecado
original)[1]. A inexistência de
pecado anterior não tira o sentido do batismo, visto que ele nos faz membros do
Corpo místico de Cristo (cf. 1Cor 12,13) e por ele assumimos nossa relação de
amor com Deus. Ou seja, seu sentido vai muito além de perdoar pecados.
Outra razão para a
Igreja batizar crianças se encontra nas palavras e no desejo de Cristo: “Deixai
vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o reino de Deus é daqueles
que se lhes assemelham” (Mc 10,14; Lc 18,16; Mt 19,14). Além disso, a vida divina
na pessoa não está condicionada ao uso da razão e ao livre-arbítrio, mas à
pureza e à inocência associadas ao impulso amoroso para Deus, inato no ser
humano. Cristo propõe a criança como ideal a ser seguido: “Se não vos tornardes
como essas criancinhas, não entrareis no reino dos céus” (Mc 10,15). Os pais
manifestam o desejo de que o filho siga a fé professada pela família.
Comprometem-se, diante da Igreja, a instruir o batizando na doutrina católica.
Nisso não há nenhuma restrição à liberdade, mesmo porque a liberdade de escolha
exige conhecimento. Mais tarde, já no uso da razão e na posse do conhecimento,
o jovem pode ou não seguir a religião católica. Nas demais Igrejas cristãs o
processo é semelhante, embora o batismo seja ministrado na infância ou na adolescência.
O jovem é batizado por instrução e orientação dos pais. Orientar para
determinado caminho não cerceia a liberdade. O jovem católico é orientado a
assumir a fé por meio da crisma, também chamada confirmação, porque nela são
renovadas as promessas do batismo. A vivência religiosa e a participação nos
sacramentos confirmam o exercício da liberdade. Não se fere a liberdade no
batismo de crianças, visto que a vivência da fé é, em si mesma, um ato livre,
pois não se pode obrigar alguém a viver determinada fé. Cabe frisar que a
Igreja apenas aconselha, não obriga o batismo de crianças. Não é porque os
Evangelhos e os Atos dos Apóstolos só fazem referência ao batismo de adultos
convertidos que esse sacramento só deva ser ministrado a adultos. Note-se que
os convertidos por Cristo ou por seus apóstolos recebiam imediatamente o
batismo. A instrução vinha depois, como ocorre, também, no caso do batismo de
crianças. Embora não haja evidência explícita, é provável que toda a família
convertida era batizada, e não apenas os adultos.
Para quem já nasce
numa família cristã, há pouca diferença, no que diz respeito à sua liberdade,
se for batizado com 2 meses ou com 12 anos, pois quem recebe o batismo aos 12
anos é doutrinado e motivado pelos pais tanto quanto o que o recebeu com 2
meses. É normal que as crianças sigam a religião dos pais. A comunidade
religiosa é extensão da família, e a participação em ambas é extremamente
importante na formação da alma humana, com o objetivo de estabelecer valores e
princípios morais e religiosos. A graça atinge o ser humano em estado de
pureza, e, nisso, ninguém se encontra mais preparado do que a criança.
Em suma, a entrada no
reino de Deus não está condicionada ao uso da razão, mas à conversão para uma
nova vida de virtudes, na qual a criança é proposta como modelo. Para aqueles
que perderam as virtudes infantis e a comunhão original com Deus, o batismo
oferece arrependimento e conversão, como condição necessária para receber a
graça batismal. Para a criança, já em estado de inocência e pureza, o batismo
significa comunicação da graça santificante e acolhida por parte de Deus e da
Igreja. Cada criança é um dom que merece ser posto nos braços do Pai eterno,
princípio e fonte da vida.
Não há mal algum na
iniciativa dos pais de apresentar seus filhos à Igreja e pedir, em benefício
dos filhos, as graças divinas e os dons do Espírito Santo, comprometendo-se,
como fiéis depositários da fé, a transmitir-lhes o compromisso de vida e de
amor prometido a Deus no batismo. Mais tarde, seus filhos mesmos, por meio do
sacramento da crisma, de modo pessoal e consciente, vão assumir o compromisso
batismal.
[1] Sobre
esse assunto, recomendo meu artigo na revista Grande Sinal, Vozes, ano 59, nov./dez., 2005.
Prof.
Antônio Müller
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/sacramentos/o-batismo-numa-perspectiva-pastoral/
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