REFLEXÃO
DOMINICAL II
2º Domingo da Quaresma – B
Se
superarmos as tentações da vida presente pela contínua conversão aos
ensinamentos de Jesus no Evangelho: seremos também transfigurados.
Meus irmãos e minhas irmãs,
Vamos caminhando no nosso grande retiro espiritual na Santa Quaresma,
tempo de penitência e tempo de conversão. Tempo da escuta da Palavra de Deus e
dos seus desígnios para a nossa caminhada diária para que possamos voltar para
a amizade com Deus. Deus não quer a morte do pecador, mas sim que esse pecador
se converta e viva uma vida em abundância, dando testemunho do kerigma cristão.
Caros irmãos,
A liturgia deste domingo é repleta do mistério de Deus: a sua
transfiguração. Esta passagem bíblica tem um significado muito profundo, tendo
em vista que São João Paulo II, na sua Carta Apostólica do Rosário da Santa
Virgem Maria, incluiu como quarto mistério luminoso exatamente da perícope que
hoje refletimos a Transfiguração do Senhor Jesus (cf. Mc. 9,2-10)
Mas, irmãos, o que vem a ser a Transfiguração? A Transfiguração
é o momento em que Jesus revela sua glória diante de seus discípulos. Esse é o
resumo do Evangelho deste segundo domingo da Santa Quaresma.
Devemos situar esta visão no contexto em que Marcos criou ao
conceber a estrutura fundamental dos evangelhos escritos. Na primeira parte de
sua atividade, Nosso Senhor Jesus Cristo se dirige às multidões, mediante
sinais e ensinamentos, que deixam transparecer o “seu poder e a sua
autoridade”, mas não dizem nada sobre o Seu Mistério Interior. Na segunda
metade de seu Evangelho, ele fala que Jesus revela às suas testemunhas – e
depois discípulos – o seu Mistério interior: sua missão do Servo Padecente e
sua união com o Pai. O que foi confiado a Jesus pessoalmente, pelo Pai, na hora
do Batismo, quando a voz da nuvem lhe revelou: “Tu és o meu filho muito amado,
em quem eu pus minha afeição” (Mc 1,11). Agora é revelado aos discípulos: “Este
é o meu filho amado, escutai-o”. Isso para demonstrar que os mistérios de Deus
não podem ser reservados para poucos, mas devem ser comunicados e partilhados
com muitos para a edificação do Reino de Deus que se inicia na nossa
peregrinação por este mundo.
O Evangelho de hoje nos mostra quem é Aquele que nos veio salvar
e em que nos haveremos de transformar, se superarmos as tentações da vida presente
pela contínua conversão aos seus ensinamentos e sua pessoa: seremos
transfigurados.
Meus irmãos,
O Antigo Testamento é um compêndio de recados para o povo de
Israel. Ali está presente a aliança entre Deus e a Nação Israelita. O povo
prometeu: “Faremos tudo o que o Senhor nos disse!” (Ex 24,3). Mas Jesus veio
inaugurar um novo tempo. Deus nos apresenta o seu Filho Jesus, a nova Arca da
Aliança, o novo templo de Deus, e recomenda com insistência: “Escutai-o!” Este
era o dever dos apóstolos e o nosso hoje: escutar Jesus com mais atenção do que
o povo de Israel escutou Moisés, que lhes transmitira a vontade de Deus. Apesar
da morte, ele tem palavras de vida eterna.
Os caminhos de Deus ultrapassam as razões da inteligência
humana; quanto mais, quando se trata da morte de quem, por definição, é
imortal. Jesus não se transfigura para deslumbrar seus discípulos e seguidores
e demonstrar-se superior a eles. Jesus tratou de um gesto para inspirar, criar
e fundamentar a confiança de quem tinha razão para ter medo. Morte e vida não
se contradizem, mas fazem parte de um processo natural e de um mistério de fé e
esperança cristã. Jesus, Filho de Deus Altíssimo e destinado para ser rei
eterno e universal, devia passar pelos escarros, pelas dores e pela morte. Por
isso, o Monte Tabor e o Monte Calvário, postos hoje um perto do outro, nos
ajudem a compreender que no mistério da dor há ricas e encantadoras sementes
divinas.
O monte da Transfiguração é colocado hoje à luz do Monte
Calvário. Não pelo formato geográfico, porque o Calvário não passa de uma
pequena elevação, mas pelo seu significado simbólico dentro da história da
salvação. O Calvário é marcado pelo sangue e pela dor, mas de seu chão brotam
as raízes da vida eterna. O Tabor vem hoje envolto de luz e divindade, entretanto,
profetizando um caminho de aniquilamento: cumprir a vontade do Pai até o
extremo da renúncia e da morte. No Tabor ecoa a voz amorosa do Pai: “Este é meu
filho muito amado, escutai-o”. No Calvário ouvimos a célebre frase da condição
humana do Senhor: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? ” Aos olhos da
fé, os dois montes se fundem, porque a crueza do Calvário revela a extrema
misericórdia e o infinito amor de Deus.
A morte que Jesus anuncia como a sua, morte violenta,
convida-nos a morrer diariamente para o pecado, a cada minuto, a cada instante,
procurando sempre passar do Calvário para o Tabor, da desgraça para a luz, do
pecado para a graça salvadora. Morrendo para o pecado estamos transfigurando
para a vida eterna.
Meus irmãos,
Aparecem Moisés e Elias. Moisés o maior legislador e Elias
o mais santo dos profetas. Jesus Cristo superou todos os profetas, porque nele
se completou o tempo da salvação, porque “Ele é o Meu Filho muito amado”. Por
isso, as atitudes que devemos cultivar nesta segunda semana da Quaresma são as
seguintes: a humildade, o despojamento, o serviço, a doação em prol de muitos.
Só podemos aceitar este ensinamento na confiança de que ele teve razão. A razão
de Jesus é a razão do Batismo, em que somos lavados do pecado e inscritos como
cidadãos do céu. Valorizamos nosso Batismo, passando do Calvário – sofrimento e
pecado – para o Tabor – alegria e graça santificante de Deus.
Portanto, somos convidados a subir com Jesus a montanha e, na
companhia de três de seus discípulos, viver a doce e cândida alegria da
comunhão com ele. Somos embalados pelo testemunho da fé de Abraão e de Sara,
que, obedientes à palavra de Deus e portadores da palavra da Salvação,
desafiaram as deficiências da velhice e da esterilidade para gerar numerosa
descendência. As dificuldades e sofrimentos da caminhada não podem nos abater
ou desanimar. No meio dos conflitos da vida, o Pai nos permite vislumbrar,
desde já, sinais de ressurreição e nos dá o mandamento de escutar a palavra de
Jesus, o Filho amado.
Caros fiéis,
Na primeira leitura(Gn 22,1-2.9-13.15-18) Abraão revela, antes
de mais, o lugar absolutamente central que Deus ocupa na sua existência. Deus
é, para Abraão, o valor máximo, a prioridade fundamental; por isso, Abraão
mostra-se disposto a fazer a Deus um dom total e irrevogável de si próprio, da
sua família, do seu futuro, dos seus sonhos, das suas aspirações, dos seus
projetos, dos seus interesses. Constata-se, claramente, que para Abraão, nada
mais conta quando estão em jogo os planos de Deus. Na vida do homem do nosso
tempo, contudo, nem sempre Deus ocupa o lugar central que Lhe é devido. Com
frequência, o dinheiro, o poder, a carreira profissional, o reconhecimento
social, o sucesso, ocupam o lugar de Deus e condicionam as nossas opções, os
nossos interesses, os valores que nos orientam. Abraão, o crente para quem Deus
é a coordenada fundamental à volta da qual toda a vida se constrói convida-nos,
nesta Quaresma, a rever as nossas prioridades e a dar a Deus o lugar que Ele
merece. Fazer de Deus o centro da própria existência e renunciar aos próprios
critérios e interesses para cumprir os planos de Deus não é uma escravidão, mas
um caminho que nos garante (a nós e aos nossos irmãos) o acesso à vida plena e
verdadeira.
O crente Abraão ensina-nos, ainda, a confiar em Deus, mesmo
quando tudo parece cair à nossa volta e quando os caminhos de Deus se revelam
estranhos e incompreensíveis. Quando os nossos projetos se desmoronam, quando
as nuvens negras da guerra, da violência, da opressão se acastelam no horizonte
da nossa existência, quando o sofrimento nos leva ao desespero, é preciso
continuar a caminhar serenamente, confiando nesse Deus que é a nossa esperança
e que tem um projeto de vida plena para nós e para o mundo.
Caros irmãos,
Na segunda leitura(Rm 8,31b-34) São Paulo diz que Deus ama-nos
com um amor profundo, total, radical, que nada nem ninguém consegue apagar ou
eliminar. Esse amor veio ao nosso encontro em Jesus Cristo, atingiu a nossa
existência e transformou-a, capacitando-nos para caminharmos ao encontro da
vida eterna. Ora, antes de mais, é esta descoberta que Paulo nos convida a
fazer… Nos momentos de crise, de desilusão, de perseguição, de orfandade,
quando parece que todo o mundo está contra nós e que não entende a nossa luta e
o nosso compromisso, a Palavra de Deus grita: “não tenhais medo; Deus ama-vos”.
A razão para a esperança dos cristãos está na certeza que Deus
ama todos os seus filhos com um amor imenso e eterno. O envio ao mundo de Jesus
Cristo, o Filho único de Deus, que nos ensinou o caminho da vida plena e da
felicidade sem fim, que lutou até à morte contra tudo o que oprimia e
escravizava o homem, é a “prova provada” do imenso amor de Deus por nós (vers.
32). Ora, se Deus nos ama dessa forma tão intensa e tão total, nada nem ninguém
nos pode acusar, condenar, destruir ou fazer mal. É Deus “quem nos justifica”
(vers. 33) – quer dizer, é Deus que, na sua imensa bondade, pronuncia sobre nós
um veredicto de graça e de perdão, apesar das nossas faltas e infidelidades.
Ninguém nos condena, pois, o próprio Deus (o único que o poderia fazer)
escolheu salvar-nos, mesmo que o não merecêssemos. Sendo assim, o cristão deve
enfrentar a vida com serenidade e esperança, confiando totalmente no amor de
Deus.
Renunciando aos vícios, libertando de tudo que vai contra os
valores do Evangelho vamos assumir a nossa vocação de servir a Cristo, que é
servir aos irmãos na busca de maior solidariedade e fraternidade. Amém!
Homilia por: Padre
Wagner Augusto Portugal
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