REFLEXÃO
DOMINICAL II
Jesus e os marginalizados
1ª Leitura: Lv 13, 1-2.44-46
2ª Leitura: 1Cor 10,31-11,1
Evangelho: Mc 1,40-45
O poder
sobre a marginalização
A lepra era um sofrimento duplamente
cruel, em Israel, por causa da doença em si e por causa da exclusão
prevista pela Lei (1ª Leitura), Lv 13; mas Lv 14 traz
prescrições para curar os leprosos e reintegra-los). Na opinião do
povo, a lepra devia ser obra de algum espírito muito ruim. Os leprosos
eram intocáveis, tabu! Jesus quebra este tabu (evangelho). O leproso
reconhece em Jesus sua misteriosa “autoridade”, seu poder sobre os espíritos
maus. “Se quiseres, tens o poder de me purificar”(Mc 6,40). Jesus não pensa nas
severas restrições da Lei, mas em compaixão, aquela qualidade divina que
ele encarna. Toca no leproso, apesar da proibição. Diz: “Eu quero, sê purificado”,
e acontece. Como aos exorcizados, Jesus proíbe ao ex-leproso publicar o que o
“poder” nele operou. Mas quem poderia esconder tanta felicidade? O homem, até
então marginalizado, encontrou a reintegração e aproveitou-a para contar o que
lhe acontecera. Mais: Jesus foi ocupar o lugar do leproso, nos “lugares
desertos” (1,45).
Como as narrações precedentes, também
esta é concebida como uma revelação velada da personalidade de Jesus. Poder e
compaixão: duas qualidades de Deus, dificilmente compatíveis no homem, são as
feições que se deixam entrever no agir de Jesus. E também: a superioridade em
relação à Lei. Pois a Lei é para o bem das pessoas; se se pode curar alguém
pelo “poder”, não é preciso primeiro consultar os guardiães da Lei. Basta que,
depois do beneficio de Deus, o leproso ofereça o sacrifício de agradecimento a
Deus, conforme o rito costumeiro.
Chegamos aqui a um ponto central na
atuação de Jesus, e que provocará a crescente e mortal oposição das autoridades
religiosas: Jesus sabe melhor que a Lei (na interpretação dos escribas) o que é
o bem do homem. Reintegra, por “autoridade” própria, o homem que a letra da Lei
marginalizava. Restaura a comunhão com o excomungado (a aclamação ao evangelho
é tirada, precisamente, de um dos salmos de reintegração dos excomungados),
passando para trás os que tinham o monopólio da reintegração. Aceitar este
Jesus significa aceitar alguém que supera as mais altas autoridades religiosas.
Neste sentido, a cura da lepra funciona como um sinal: significa que, de fato,
Jesus está acima das prescrições legais e pode prescindir delas. Este é o ponto
central da revelação velada que se expressa neste milagre.
Este tema convida a uma catequese
sobre a reintegração dos que são marginalizados (não necessariamente por causa
de lepra). Uma pista: a reintegração baseia-se na “autoridade” que Jesus
demonstra; autoridade que neutraliza, por assim dizer, as prescrições da Lei.
Em Jesus, temos uma autoridade superior. Para que nós, operando como membros do
Cristo, possamos realmente vencer a marginalização, será preciso desenvolver um
poder que esteja acima das convenções constrangedoras do sistema em que
vivemos. Precisamos demonstrar tal poder, exatamente como Jesus. Precisamos de
uma encarnação operante da compaixão reintegradora; precisamos de uma força que
neutralize os mecanismos de marginalização. Uma força de origem divina: a força
da verdadeira solidariedade, baseada no amor.
.A 2ª leitura tira das “questões
particulares” dos coríntios uma regra de vida que para todas as circunstâncias.
Paulo chega ao termo de suas considerações com relação ao participar dos
banquetes religiosos pagãos (que eram, ao mesmo tempo, festas civis) (lCor 8) e
com relação ao comer carne sacrificada aos ídolos e depois vendida no mercado
(10,23-30). Acha que não convém usar de seu direito em coisas tão secundárias,
se isso causa confusão nos “fracos na fé”, que não sabem distinguir o que é
idolátrico e o que não o é. Inclusive, as refeições se fazem sob ação de graça;
ora, como render graças se o irmão fica na confusão pelo que estou fazendo
(10,30)? Daí a regra geral, adaptável a muitas circunstâncias: fazer
tudo, comer, beber e tudo o mais, de modo que se possa dar graças e louvor a
Deus (10,31). Paulo se coloca a si mesmo como exemplo (cf. dom. passado):
o pregador deve ser a ilustração daquilo que ele prega.
Paulo quer agradar a todos, não para
lograr sucesso pessoal, mas para o bem da maioria, a fim de que todos se
deixem atrair por Cristo. Este texto é uma das mais lindas
Exortações que a Bíblia contém.
Do
livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
O Messias e
os marginalizados
A exclusão está na moda, virou
princípio de organização socioeconômica: a lei do mercado, da
competitividade. Quem não consegue competir, desapareça. Quem não
consegue consumir, deve sumir. Escondemos favelas por trás de
paredões ou placares de publicidade. Que os feios, os aleijados, os idosos, os
aidéticos não poluam os nossos cartões postais!
Em tempos idos, a exclusão muitas
vezes provinha da impotência ou da superstição. Assim, a exclusão dos cegos e
coxos do templo de Jerusalém. Ou a marginalização dos leprosos, ilustrada
abundantemente em Lv 13-14 (cf. 1ª leitura). Enquanto não se tivesse constatado
a cura por um complicado ritual, o leproso era considerado impuro, intocável.
Jesus, porém, toca no leproso – e o cura (evangelho). É um sinal do Reino de
Deus. Jesus torna o mundo mais conforme ao sonho de Deus. Pois Deus não deseja
sofrimento nem discriminação. O Antigo Testamento pode não ter encontrado outra
solução para esses doentes contagiosos que a marginalização; mas Jesus mostra
que um novo tempo começou.
Começou, mas não terminou. Reintegrar
os marginalizados não foi uma fase passageira no projeto de Deus, como os
benefícios que os políticos realizam nas vésperas das eleições. O plano
messiânico continua através do povo messiânico, como se concebe a Igreja.
Devemos continuar inventando, quando pudermos, soluções contra toda e qualquer
marginalização. Pois somos todos irmãos e irmãs.
Seremos impotentes para excluir a
exclusão, como os antigos israelitas em relação à lepra? Que fazer com os
criminosos, viciados no crime? Será nosso mundo tão bom que possa
reintegrar tais pessoas, sem que se enrosquem de novo? O fato de ter de
marginalizar alguém é um reconhecimento da não-perfeição de nossa sociedade.
Toda forma de marginalização é uma denúncia contra nossa sociedade, e ao mesmo
tempo um desafio. Isso é muito mais ainda o caso em se tratando de pessoas
inocentes. A marginalização é sinal de que não está acontecendo o que Deus
deseja. Onde existe marginalização, o Reino de Deus ainda não chegou, pelo menos
não completamente. E onde chega o Reino de Deus, a marginalização não deve mais
existir. Por isso, Jesus reintegra os marginalizados, como é o caso do leproso,
dos pecadores, dos publicamos, prostitutas…. Essa reintegração está baseada no
poder-autoridade que Jesus detém como enviado de Deus: “Se quiseres, tens o
poder de me purificar” (Mc 1,40). Jesus passa por cima das prescrições
levíticas, toca no leproso e o “purifica” por sua palavra em virtude da
autoridade que lhe é conferida como “Filho do Homem” (= “executivo” de Deus,
cf. Mc 2, 10.28).
Há quem pense que os mecanismos
auto-reguladores do mercado são o fim da história e a realização completa da
racionalidade humana. E os que são (e sempre serão) excluídos por esse
processo, onde ficam? Não será esse raciocínio o de um varejista que se imagina
ser o criador do universo? A liturgia de hoje nos mostra um outro caminho, o de
Jesus: solidarizar-se com os marginalizados, os excluídos, tocar naqueles que a
“lei” proíbe tocar, para reintegrá-los, obrigando a sociedade a se abrir e a
criar estruturas mais acolhedoras. Mais messiânicas. Do livro “Liturgia Dominical”,
de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
https://diocesejacarezinho.org/2021/02/6o-domingo-do-tempo-comum-ano-b/
franciscanos.org.br
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