REFLEXÃO
DOMINICAL III
11 de fevereiro – 6º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*
“Eu
quero: fica curado!”
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Se, por um lado, a
liturgia nos põe diante da exclusão e do mal causados pela doença então
conhecida como lepra, por outro, apresenta-nos a inclusão e o bem
protagonizados por Jesus, que diz: “Eu quero: fica curado!” As palavras de
Jesus têm poder de incluir e salvar: essa é a mensagem do Evangelho do dia. A
primeira leitura lembra-nos o que aconteceu com Naamã, o sírio, purificado de
sua doença ao realizar o que o profeta Eliseu lhe havia pedido. Na segunda
leitura, Paulo nos convida a ser seus imitadores, assim como ele imita a
Cristo, buscando em tudo o bem dos irmãos.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (2Rs 5,9-14)
Naamã, o sírio, está com
uma doença de pele e vai até Eliseu – um homem reconhecido como poderoso em
razão de seus milagres –, na esperança de que o profeta o toque. Contudo,
Eliseu diz, por meio de um mensageiro, que Naamã deverá lavar-se sete vezes no
rio Jordão para ser curado. O general sírio, reticente, questiona a atitude do
profeta de mandar-lhe um servo dizer tais palavras (v. 11). Na verdade,
esperava que Eliseu saísse para recebê-lo de pé, que invocasse sobre ele o nome
do Senhor e o tocasse com sua mão. Naamã também questiona o fato de ter de banhar-se
no rio Jordão, uma vez que, em sua terra, há outros dois rios mais caudalosos e
importantes – o Abana e o Farfar –, que ele julga serem melhores do que todas
as águas de Israel (v. 12). Indignado, Naamã dá meia-volta.
Na Antiguidade, a doença
então denominada lepra sujeitava as pessoas a viver nas saídas das cidades e a
não se relacionarem fisicamente com os outros. Constituía uma doença
excludente, que retirava da pessoa a possibilidade de conviver e de tocar em
outras por causa do risco de transmissão, situação que perdurou até pouco tempo
atrás, a ponto de muitos doentes serem levados a leprosários.
Contudo, na cena do
relato, os servos de Naamã o convencem a mudar de ideia: “Senhor, se o profeta
te mandasse fazer uma coisa difícil, não a terias feito? Quanto mais agora que
ele te disse: ‘lava-te e ficarás limpo’”. Na verdade, eles tocam a consciência
do seu senhor, que fez um esforço para vir a Israel e agora deve ouvir a
mensagem do profeta Eliseu. O v. 14 descreve que ele desceu e mergulhou sete vezes
no Jordão, conforme a orientação do profeta. Depois disso, sua carne se tornou
semelhante à de uma criança, pois ele ficou purificado. Naamã, antes incrédulo,
converte-se à mensagem profética de Eliseu. Tudo isso por intercessão de seus
servos, que são, para nós, neste trecho, símbolos de fé.
2.
II leitura (1Cor 10,31-11,1)
Paulo, nesta altura de
sua carta, convida a comunidade de Corinto a imitá-lo, ele que é imitador de
Cristo e vive sua vida iluminada pela ressurreição do Senhor (v. 1). “Quer
comais, quer bebais” corresponde às atitudes basilares da pessoa humana, às
suas necessidades vitais. Isso e tudo o mais devem ser realizados para a glória
de Deus, e não como efeito das idiossincrasias e misérias humanas. No
entendimento de Paulo, o importante para o cristão é não ser pedra de tropeço e
de escândalo para o próximo. Ser motivo de tropeço para o outro, seja judeu,
seja grego, seja ainda um cristão da Igreja de Deus (v. 32), não é honroso.
A comunidade eclesial
deve ser lugar de fraternidade, no qual deve imperar o amor, e não a busca de
vantagens pessoais. A Igreja deve ser lugar em que se almeja a salvação para
todos, e não o privilégio de alguns, em detrimento do sofrimento e exploração
de muitos. A essência da comunidade cristã é o amor fraterno.
3.
Evangelho (Mc 1,40-45)
Jesus é o taumaturgo por excelência, capaz de recriar o decaído.
Para o Evangelho de Marcos, Cristo tem poder sobre as doenças, incluindo aquela
que acometia o homem da perícope em análise, do qual, diferentemente de Naamã,
não sabemos o nome, mas reconhecemos a fé. A lepra bíblica – em hebraico, sara‘at, no
Antigo Testamento, e lepra no
Novo Testamento – era um termo geral para designar qualquer doença repulsiva
relacionada à escamação da pele, como psoríase e dermatite seborreica. Por
exemplo, o livro do Levítico, mais especificamente o capítulo 13, descreve os
vários tipos de enfermidade e sua detecção pelo sacerdote, que declarava, no
final do tratamento, a pessoa pura ou impura.
O homem leproso (do grego, lepros) aproxima-se de Jesus e, ajoelhado,
suplica-lhe: “Se queres, tens o poder de curar-me” (ou, no grego marcano,
“purificar-me”). O verbo encontrado no texto grego é katharisai, que
pode ser traduzido por “declarar puro” ou “purificar” (v. 40). A fé do doente o
faz burlar a lei do distanciamento; sua fé o aproxima de Jesus. Sua iniciativa
se dá, exclusivamente, pela fé. Por sua vez, no v. 41, Jesus, cheio de
compaixão (em grego, splanchinistheis),
comovido interiormente, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero: fica curado!”
As palavras de Jesus levam o doente à cura, à sua purificação. No v. 42, o
evangelista Marcos afirma que o homem ficou puro.
Jesus o mandou embora
para cumprir o ritual de apresentar-se ao sacerdote, que o declararia puro, de
acordo com a lei de Lv 14. “Não contes nada disso a ninguém” (v. 44)
corresponde ao segredo messiânico, comum ao Evangelho de Marcos e, por isso,
comum também aos Evangelhos sinóticos. No entanto, assim que ele partiu,
começou a proclamar e divulgar o fato (v. 45). Esse que conta e divulga os
fatos, supostamente, é o homem curado. Há, contudo, quem sugira que o pronome
“ele” possa ser atribuído também a Jesus. Dessa maneira, diluiria o efeito do
segredo messiânico, pois Jesus mesmo teria contado o que fez, a cura praticada.
O fim do v. 45 afirma que, em razão de tal divulgação, Jesus já não podia
entrar publicamente nos lugares e de toda parte as pessoas vinham para que ele
pudesse curá-las.
Jesus é o taumaturgo do
Pai que segue, em sua vida itinerante, curando e purificando as pessoas de suas
misérias e pecados. Que ele continue a agir por meio de nossas atitudes no
interior das comunidades cristãs! Que sejamos casa de clemência e misericórdia,
na acolhida aos nossos irmãos e irmãs, como exorta o papa Francisco em sua ação
pastoral.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Mostrar a sintonia
existente entre as leituras e como elas nos convidam à fé em Deus, que age em
Jesus, purificando-nos de nossas impurezas, sobretudo a incredulidade. Propor à
comunidade cristã a vivência da fé em Cristo, sobretudo o amor e a compaixão.
Refletir sobre as exclusões que podemos promover na Igreja, nas situações em
que julgamos as pessoas. Evidenciar o Deus da inclusão revelado na face de
Jesus, que sente compaixão por todos nós.
Pe. Junior Vasconcelos do Amaral*
*é presbítero da
arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa
Senhora da Esperança. Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (Faje – BH), realizou parte de seus estudo de doutorado na
modalidade “sanduíche”, cursando Narratologia Bíblica na Université Catholique
de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor na PUC-Minas,
em BH, e pesquisa sobre psicanálise e Bíblia.
E-mail: jvsamaral@yahoo.com.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/11-de-fevereiro-6o-domingo-do-tempo-comum/
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