terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

SANTO AGOSTINHO E A QUARESMA

 

 

SANTO AGOSTINHO E A QUARESMA

 

Sergio Sambl

 

Com o término do ciclo do ano, chegou o tempo da Quaresma, momento em que sou constrangido a exortá-los, porque devemos ao Senhor obras em harmonia com o espírito da época, obras que, no entanto, não são benéficas para o Senhor mas para vocês. É verdade que outras estações do ano devem brilhar para o cristão por causa de suas orações, jejuns e esmolas, mas esta oração deve despertar até mesmo aqueles que são lentos em outras ocasiões. Na verdade, aqueles que são rápidos em atender a esta obra em outras ocasiões, agora devem realizá-las com ainda maior diligência.

A vida neste mundo é certamente o momento de nossa humilhação, pois estes dias significam os sofrimentos de Cristo por nós, renovados a cada não com a recorrência deste santo tempo. Pois o que foi feito de uma vez por todas para que a nossa vida se renovasse, é solenizado todos os anos para que a sua memória se mantenha viva. Devemos ser humildes de coração com sentimentos da mais sincera piedade durante todo o período de nossa estada terrena quando vivemos em meio a tentações, muito mais necessária é a humildade durante estes dias, quando não apenas passamos o tempo de nossa humilhação, por vive-la, mas por sinalizá-la por uma devoção especial.

A humildade de Cristo nos ensinou a ser humildes porque Ele cedeu aos iníquos com Sua morte; a exaltação de Cristo nos eleva porque, ao ressuscitar, abriu o caminho para Seus seguidores devotados. Pois, “se morremos com ele, também viveremos com ele, se perseverarmos, também reinaremos com ele” (2Tm 2,11-13). Uma dessas condições que celebramos agora com a devida observância em vista de Sua Paixão que se aproxima; a outra, celebraremos depois da Páscoa, quando sua ressurreição for, por assim dizer, consumada novamente. Então, depois dos dias dessa humilhação, chegará o momento de nossa exaltação. Embora ainda não seja o momento de vivenciar essa felicidade, é um prazer antecipá-la em nossas considerações. Agora, portanto, vamos expressar nossas lamentações mais insistentemente nas orações então, exultaremos mais exuberantemente em louvor.

Com nossas orações, acrescentemos as asas da piedade às nossas esmolas e jejum, para que possam voar mais prontamente para Deus. Além disso, a alam cristã entende o quão longe ela deve estar do roubo dos bens de outra pessoa quando percebe que deixar de compartilhar seu excedente com os necessitados é como roubo. O Senhor diz: “Dê, e ser-lhe-á dado; perdoe, e você será perdoado” (Lc 6,37-38). Vamos graciosa e fervorosamente realizar esses dois tipos de esmola, ou seja, dar e perdoar, pois nós oramos ao Senhor para nos dar coisas, e não para retribuir nossas más ações. “Dê, e ser-lhe-á dado”, diz ele. O que mais verdadeiro, o que mais justo, do que nada receber aquele que  se recusa a dar, enganando-se a si mesmo? Se um fazendeiro não tem justificativa para buscar uma colheita quando sabe que não semeou nenhuma semente, quanto mais justificadamente aquele que se recusou a ouvir a petição de um homem pobre buscaria uma resposta generosa de Deus! Pois, na pessoa do pobre, Aquele que não tem fome, desejou ser alimentado. Portanto, não rejeitemos nosso Deus que é necessitado em seus pobres, para que nós em nossa necessidade sejamos preenchidos naquele que é rico. Temos os necessitados e nós mesmos temos necessidade; vamos dar, portanto, para que possamos receber. Na verdade, o que é que damos? E em troca daquela ninharia que é escassa, visível, temporal e terrestre, o que desejamos receber? “o que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem penetrou no coração do homem” (1Cor 2,9). Sem a garantia de Deus, teria sido atrevimento desejar ganhar tais tesouros em troca de tais ninharias, e é atrevimento recusar dar ao nosso próximo necessitado essas coisas que nunca possuiríamos exceto pela generosidade d´Aquele que nos exorta a dar. Com que confiança esperamos vê-lo dando ao nosso próximo e a nós, se desprezarmos Seus mandamentos nos mínimos detalhes?

Perdoe e você será perdoado. Que o servo se reconcilie para que não seja punido com justiça pelo Senhor. Nesse tipo de esmola ninguém é pobre. Mesmo quem não tem meios de subsistência neste mundo pode fazer isso para garantir sua vida por toda a eternidade. Esta esmola é dada gratuitamente; pode ser dada, pode ser aumentada; e não é consumida exceto quando não é compartilhada. Portanto, que aquelas inimizades que duraram até hoje sejam quebradas e terminadas deixe-as acabar para que não acabem com vocês; não deixe que prendam vocês; que sejam destruídas pelo Redentor para que não destruam vocês que não perdoem.

Não deixe seu jejum ser do tipo condenado pelo Profeta quando disse: “Não escolhi este jejum, diz o Senhor”(Is 58,5). Ele denuncia os jejuns dos briguentos, busca os devotos. Ele denuncia aqueles que oprimem e busca aqueles que libertam. Ele denuncia aqueles que instigam hostilidades e busca aqueles que fogem delas. Pois, durante o jejum restringes teus desejos de atividades necessárias para que não faças errado. Não será embriagado ou adultero o que agora é continente no casamento. Assim, pela humildade e caridade, pelo jejum e esmola, pela temperança e perdão, pela partilha de bençãos e não retaliando os males, pelo declínio da maldade e fazendo o bem, nossa oração busca e alcança a paz. Pois a oração, apoiada nas asas das virtudes, acelera e é facilmente transportada para o céu, onde está Cristo, nossa paz.

Texto de Santo Agostinho retirado de: “Meditações para Quaresma: Amando Jesus Cristo. Santo Afonso Maria de Ligório e outros Santos”

https://recoletosstv.org/2022/03/02/sermao-de-santo-agostinho-para-a-quaresma/

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