SANTO AGOSTINHO E A
QUARESMA
Sergio
Sambl
Com o término do ciclo do ano, chegou o tempo da Quaresma,
momento em que sou constrangido a exortá-los, porque devemos ao Senhor obras em
harmonia com o espírito da época, obras que, no entanto, não são benéficas para
o Senhor mas para vocês. É verdade que outras estações do ano devem brilhar
para o cristão por causa de suas orações, jejuns e esmolas, mas esta oração
deve despertar até mesmo aqueles que são lentos em outras ocasiões. Na verdade,
aqueles que são rápidos em atender a esta obra em outras ocasiões, agora devem
realizá-las com ainda maior diligência.
A vida neste mundo é certamente o momento de nossa humilhação,
pois estes dias significam os sofrimentos de Cristo por nós, renovados a cada
não com a recorrência deste santo tempo. Pois o que foi feito de uma vez por
todas para que a nossa vida se renovasse, é solenizado todos os anos para que a
sua memória se mantenha viva. Devemos ser humildes de coração com sentimentos
da mais sincera piedade durante todo o período de nossa estada terrena quando
vivemos em meio a tentações, muito mais necessária é a humildade durante estes
dias, quando não apenas passamos o tempo de nossa humilhação, por vive-la, mas
por sinalizá-la por uma devoção especial.
A humildade de Cristo nos ensinou a ser humildes porque Ele
cedeu aos iníquos com Sua morte; a exaltação de Cristo nos eleva porque, ao
ressuscitar, abriu o caminho para Seus seguidores devotados. Pois, “se morremos
com ele, também viveremos com ele, se perseverarmos, também reinaremos com ele”
(2Tm 2,11-13). Uma dessas condições que celebramos agora com a devida
observância em vista de Sua Paixão que se aproxima; a outra, celebraremos
depois da Páscoa, quando sua ressurreição for, por assim dizer, consumada
novamente. Então, depois dos dias dessa humilhação, chegará o momento de nossa
exaltação. Embora ainda não seja o momento de vivenciar essa felicidade, é um
prazer antecipá-la em nossas considerações. Agora, portanto, vamos expressar
nossas lamentações mais insistentemente nas orações então, exultaremos mais
exuberantemente em louvor.
Com nossas orações, acrescentemos as asas da piedade às nossas
esmolas e jejum, para que possam voar mais prontamente para Deus. Além disso, a
alam cristã entende o quão longe ela deve estar do roubo dos bens de outra
pessoa quando percebe que deixar de compartilhar seu excedente com os
necessitados é como roubo. O Senhor diz: “Dê, e ser-lhe-á dado; perdoe, e você
será perdoado” (Lc 6,37-38). Vamos graciosa e fervorosamente realizar esses
dois tipos de esmola, ou seja, dar e perdoar, pois nós oramos ao Senhor para
nos dar coisas, e não para retribuir nossas más ações. “Dê, e ser-lhe-á dado”,
diz ele. O que mais verdadeiro, o que mais justo, do que nada receber aquele
que se recusa a dar, enganando-se a si mesmo? Se um fazendeiro não tem
justificativa para buscar uma colheita quando sabe que não semeou nenhuma
semente, quanto mais justificadamente aquele que se recusou a ouvir a petição
de um homem pobre buscaria uma resposta generosa de Deus! Pois, na pessoa do pobre,
Aquele que não tem fome, desejou ser alimentado. Portanto, não rejeitemos nosso
Deus que é necessitado em seus pobres, para que nós em nossa necessidade
sejamos preenchidos naquele que é rico. Temos os necessitados e nós mesmos
temos necessidade; vamos dar, portanto, para que possamos receber. Na verdade,
o que é que damos? E em troca daquela ninharia que é escassa, visível, temporal
e terrestre, o que desejamos receber? “o que os olhos não viram, nem os ouvidos
ouviram, nem penetrou no coração do homem” (1Cor 2,9). Sem a garantia de Deus,
teria sido atrevimento desejar ganhar tais tesouros em troca de tais ninharias,
e é atrevimento recusar dar ao nosso próximo necessitado essas coisas que nunca
possuiríamos exceto pela generosidade d´Aquele que nos exorta a dar. Com que
confiança esperamos vê-lo dando ao nosso próximo e a nós, se desprezarmos Seus
mandamentos nos mínimos detalhes?
Perdoe e você será perdoado. Que o servo se reconcilie para que
não seja punido com justiça pelo Senhor. Nesse tipo de esmola ninguém é pobre.
Mesmo quem não tem meios de subsistência neste mundo pode fazer isso para
garantir sua vida por toda a eternidade. Esta esmola é dada gratuitamente; pode
ser dada, pode ser aumentada; e não é consumida exceto quando não é
compartilhada. Portanto, que aquelas inimizades que duraram até hoje sejam
quebradas e terminadas deixe-as acabar para que não acabem com vocês; não deixe
que prendam vocês; que sejam destruídas pelo Redentor para que não destruam
vocês que não perdoem.
Não deixe seu jejum ser do tipo condenado pelo Profeta quando
disse: “Não escolhi este jejum, diz o Senhor”(Is 58,5). Ele denuncia os jejuns
dos briguentos, busca os devotos. Ele denuncia aqueles que oprimem e busca
aqueles que libertam. Ele denuncia aqueles que instigam hostilidades e busca
aqueles que fogem delas. Pois, durante o jejum restringes teus desejos de
atividades necessárias para que não faças errado. Não será embriagado ou
adultero o que agora é continente no casamento. Assim, pela humildade e
caridade, pelo jejum e esmola, pela temperança e perdão, pela partilha de
bençãos e não retaliando os males, pelo declínio da maldade e fazendo o bem,
nossa oração busca e alcança a paz. Pois a oração, apoiada nas asas das
virtudes, acelera e é facilmente transportada para o céu, onde está Cristo,
nossa paz.
Texto de Santo Agostinho retirado de: “Meditações para Quaresma:
Amando Jesus Cristo. Santo Afonso Maria de Ligório e outros Santos”
https://recoletosstv.org/2022/03/02/sermao-de-santo-agostinho-para-a-quaresma/
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