REFLEXÃO DOMINICAL II
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17 de
março – 5º Domingo da Quaresma
Por
Maicon André Malacarne*
A cruz: amor que atrai o mundo!
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Rubem Alves, no livro O
amor que acende a lua (1999), escreveu um conto chamado “A
pipoca”, que, de maneira simples, conversa sobre a culinária. Pelas tantas,
recupera a expressão de Goethe: “Morre e transforma-te”. Com a metáfora da
pipoca, convida a mergulhar nessa “vida nova” que vem de dentro das muitas
transformações que a vida exige. O tempo quaresmal é oportunidade para meditar
esse mistério na direção da conversão: “morrer” para “viver” mais!
No
Evangelho, Jesus disse: “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica
sozinho. Mas se morre, produz muito fruto”. À luz da ressurreição, somos
animados a percorrer esse Evangelho com a esperança da vida nova, dom do Pai.
De fato, em Cristo Jesus, o amor de Deus venceu toda morte, como anunciado pelo
profeta Jeremias nas palavras de uma nova e eterna Aliança: “eu serei o Deus
deles e eles serão o meu povo”. A carta aos Hebreus nos convida a mergulhar no
mistério da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus com base na experiência
da obediência total ao Pai, que faz “novas todas as coisas” (Ap 21,5).
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (Jr 31,31-34)
Há dois
domingos, refletimos sobre o Decálogo, a Lei deixada por Deus a Moisés para
orientar e organizar o povo de Israel no caminho da liberdade. O profeta
Jeremias anuncia “nova aliança” (v. 31). Se a primeira estava escrita em pedra,
a nova será escrita “no coração” (v. 33). De fato, em Jesus Cristo, passamos de
uma lei exterior a uma lei interior, do conhecimento à graça, do pecado ao
perdão, da distância de Deus ao Deus que Jesus ensinou a chamar de Pai.
O
profeta Jeremias foi conquistado por Deus “desde o ventre materno” (Jr 1,5);
conheceu todas as dificuldades, sofrimentos e solidões em seu longo período de
profecia. Com base nessa experiência “na carne” é que anunciou a esperança de uma
vida nova que vem de Deus: “eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo” (v.
33).
Ora, se
a nova aliança é “gravada no coração”, em cada pessoa habita uma chama, uma
semente do divino, e cada um é convidado a partilhar com o mundo, especialmente
dentro de uma comunidade, suas experiências e os sinais do amor de Deus. A nova
aliança, portanto, põe no centro o ser humano.
2.
II leitura (Hb 5,7-9)
O
sacerdócio de Cristo é o grande tema da carta aos Hebreus, escrita pelo ano 80
d.C. por um cristão anônimo. Os cristãos, vivendo todo tipo de perseguições, na
fragilidade de uma Igreja nascente, são convidados a fixar os olhos em Jesus
para permanecerem fiéis e evitar toda sorte de desânimo e rejeição da fé.
Também
Jesus atravessou muitos sofrimentos, até a morte na cruz. De fato, a doação
total da sua vida é lida pela categoria da “obediência” ao Pai (v. 8). Pela
obediência é que Jesus alcançou “a fonte de salvação eterna” (v. 9). Na
condição humana, experimentou todas as dificuldades e participou da mesma condição
da humanidade sofredora, por isso sua obediência é perfeita: “quem tem apego à
sua vida vai perdê-la”, diz o Evangelho (Jo 12,25). Os sumos sacerdotes da
época, ao contrário, permaneciam na oferta de sacrifícios exteriores, muitas
vezes bem distantes da vida e dos sofrimentos das pessoas.
Jesus
Cristo é a Nova Aliança anunciada por Jeremias. Nada do que é humano e nada do
que é divino são estranhos a Jesus! Na sua fidelidade, a comunidade nascente
foi sendo atraída à mesma “fonte de salvação” e, obedientes ao Pai, fizeram a
experiência de atravessar todo tipo de sofrimento com a confiança de não
estarem sozinhos.
3.
Evangelho (Jo 12,20-33)
“Quando
eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (v. 32) é o anúncio que Jesus
fez da sua morte na cruz. A cruz, de fato, é por onde passa a vida nova: “Se o
grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas, se morre, produz
muito fruto” (v. 24). Não se trata de um elogio à morte, ao sofrimento do
calvário, mas, sim, de um elogio ao amor. A cruz “atrai” pela força do amor,
que é a vida doada: “ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida…” (Jo
15,12).
O
Evangelho se inicia com a presença de um grupo de gregos que “tinham ido à
festa para adorar a Deus” (v. 20). Os gregos testemunham a universalidade dos
que são atraídos a Jesus e representam o mundo não judaico. De fato, um pouco
antes, no discurso do bom pastor, Jesus havia dito: “tenho também outras
ovelhas que não são desse curral” (Jo 10,16).
Os
gregos perguntaram a Filipe: “Queremos ver Jesus!” (v. 21). Ao escutar Filipe e
André, que carregaram o desejo dos gregos, Jesus respondeu aos discípulos:
“Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado” (v. 23). O tema da
glorificação é muito caro à tradição joanina, porque revela a manifestação
total do amor de Deus na Páscoa de Jesus Cristo: “Chegou a hora” (v. 23). A
hora é a Páscoa! A voz que veio do céu é sinal da manifestação divina: “Eu
manifestei a glória do meu nome e vou manifestá-la de novo” (v. 28). Na “hora”
de Jesus, a humanidade inaugura sua nova “hora”: a vida ressuscitada que
“produz muito fruto”.
Em vez
de responder aos gregos “como” fazer para encontrá-lo, Jesus anuncia “onde”
encontrá-lo: “levantado da terra” (v. 32). Não há outra forma de “ver Jesus”,
senão amando com o mesmo amor que ele amou, até a morte na cruz! O amor é a
força que atrai! O amor é que faz atravessar o medo, também o medo da morte! O
amor tem a característica de descentralizar. É verdade que existe um
amor-próprio, mas este, por si só, não basta. O amor se realiza doando,
perdendo, partilhando! O amor é a gramática da cruz, onde tudo que parece
fracassado brota vitorioso! De fato, a poesia de Goethe palpita no coração:
“Morre e transforma-te”, que poderia ressoar: “Ama e transforma-te”.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Há mais
de sessenta anos, a Campanha da Fraternidade no Brasil faz o esforço de trazer
para o coração da Quaresma um tema caro à vida das pessoas. Trata-se não só de
uma resposta concreta aos ensinamentos do Concílio Vaticano II e das
Conferências Episcopais Latino-americanas, mas também, sobretudo, de uma
resposta à Sagrada Escritura: no coração de cada pessoa está selada a nova Lei,
cuja vocação é responder no amor. Tudo que ameaça a vida e sua integralidade
deve ser denunciado em vista da fidelidade ao sumo e eterno sacerdote, o Cristo
Jesus.
Na
proximidade da Semana Santa, semana maior da fé cristã, a liturgia nos convida
a compreender a Aliança inaugurada em Jesus Cristo e na sua vida doada na cruz,
que “atrai a todos”. Não se trata, como vimos, de um elogio ao sofrimento, e
sim de compreender que o amor só tem sentido quando vivido como dom até as
últimas consequências. É importante lembrar, por exemplo, tantos mártires que
deram a vida por causa da fidelidade ao Evangelho de Jesus. Desde as primeiras
comunidades cristãs, o martírio foi e continua a ser uma semente “que cai na
terra para produzir mais frutos”. Vivendo em tudo a condição humana, Jesus foi
testemunha de um sacerdócio próximo das pessoas e, no meio delas, viveu a
obediência total a Deus. Assumir a humanidade e suas contradições é caminho
para o coração do Pai. No coração de cada pessoa, no qual está escrita a nova
Lei, Deus abre ao mundo a gramática do seu amor.
Maicon André Malacarne*
*é presbítero da diocese
de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista
em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de
Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades
(Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.co
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/17-de-marco-5o-domingo-da-quaresma-2/
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