REFLEXÃO DOMINICAL III
"MORRER PARA FRUTIFICAR"
Capitão
Tininho era o nome de um grão de feijão, que certa ocasião usei como cobaia, na
minha adolescência, para saber como era o desenvolvimento das plantas. Na minha
fantasia, o Capitão Tininho retrucou, mas eu o convenci de que ele iria se
tornar um herói, e poderia até quem sabe, reescrever a “Viagem ao Centro da
Terra”, na visão de um grão de Feijão, e então ingenuamente ele aceitou. Ainda
fantasiando, cavei um buraco, fiz um belo discurso para a “tropa” reunida ali,
e aplaudimos o Capitão Tininho, que coloquei com carinho no buraco e jogamos a
terra por cima. Todos os dias eu regava e revolvia a terra até que em uma manhã
surgiu um brotinho quase invisível, fiquei eufórico, era como se estivesse
nascendo um filho.
Quando
finalmente o pezinho de feijão estava “espigadinho” inclusive com algumas
folhas, reuni a “tropa”, na minha fantasia, e começamos aquilo que eu chamei de
“Operação retorno”, mas cadê o coitado do Capitão Tininho? Examinei
cuidadosamente a raiz do meu pé de feijão, e não tinha nem vestígio do meu
herói, de noite comentei com um colega na aula de ciência, que sorriu e me
explicou friamente que o Capitão Tininho tinha “esticado a canela”.
Não entendendo perguntei: “Você quer dizer que ele morreu?” E o colega
esclareceu que se o Tininho não tivesse morrido, eu não teria o meu pé de
feijão. Ainda na minha fantasia, no outro dia reuni a tropa e comuniquei
oficialmente o ocorrido “Ele morreu como um herói, nessa missão perigosa” –
disse em meu discurso, dando assim por encerrada a minha experiência,
concluindo que no ciclo das plantas, senão houver morte, a vida não terá
continuidade.
Por
isso, no primeiro contato com esse evangelho, quando ministro da palavra, nos
anos 80, comentei com meus botões “Eis aqui mais um Capitão Tininho”,
referindo-me ao grão de trigo da parábola que Jesus contou em Jerusalém,
praticamente às vésperas da sua paixão e morte. Qualquer criança em idade
escolar, bem cedo irá aprender que a semente morre nas profundezas da terra,
para poder brotar nova plantinha. Mas na dimensão teológica, como poderíamos
interpretar esse ensinamento de Jesus, o que significa morrer, nesse sentido?
Eu
diria que a morte de Jesus teve início com a sua encarnação, pois no paraíso, o
homem sentiu-se tão importante que teve a pretensão de ser o Deus - Todo
Poderoso, conhecedor do Bem e do Mal, e senhor de todos os seus atos, enquanto
isso, para iniciar a obra da salvação, o Deus Todo Poderoso se fez tão pequeno,
que se tornou homem. Essa pequenez de Jesus está diretamente ligada à sua
missão – eu vim para servir.
Poderíamos
até afirmar que pequeno, é todo aquele que serve, é aquele que sabe partilhar
com os outros, aquilo que tem inclusive os carismas. Na teologia judaica, a
glorificação divina estava reservada aos justos, que no pós-morte seriam levantados
por Deus para nunca mais morrerem. Ora, todas as personalidades bíblicas do A.T
são uma prefiguração de Jesus e em alguns gêneros literários, como os
evangelhos, por exemplo, encontramos em Mateus uma relação mais direta de Jesus
com Moisés. Com a Salvação, Jesus insere de novo o homem na plenitude original
do paraíso, sendo esse o anúncio que ele faz aos discípulos no evangelho desse
quinto domingo da quaresma, com a afirmativa própria de João de que “Chegou a
hora em que o Filho do homem vai ser glorificado”.
Quando
o homem busca a santidade e a perfeição em todas as suas ações e pensamentos,
manifestando fidelidade ao projeto de Deus, revelando o amor ágape em suas
relações com o próximo a glorificação não é simplesmente um prêmio divino, por
ele ter sido bom, mas é o resgate perfeito da imagem original de cada ser
humano, enquanto imagem e semelhança de Deus, é a volta do Filho pródigo à casa
do Pai, recuperando a dignidade perdida com o pecado. Esse processo aconteceu
primeiro com Jesus de Nazaré, chamado nas cartas paulinas de primogênito de
todas as criaturas e embora não tivesse nele nenhum pecado, ao receber a
glória, também glorificou o Pai, que agora poderá olhar o homem realmente como
Filho, e restabelecer com ele uma vida de comunhão, para comunicar a sua graça.
É
este precisamente o caminho do cristão, não há nenhum outro, é o mesmo caminho
de Jesus, o caminho do serviço, do amor ágape, da doação, da fidelidade ao Pai,
do despojamento e do esvaziamento, e tudo isso significa “morrer” para si
mesmo, ou deixar-se morrer para que o irmão seja bem servido e tenha mais vida.
A comunidade é o lugar ideal para se viver a vocação do grão de trigo, morrer
para atingir a plenitude, uma linguagem e um ensinamento estranho, para uma
sociedade onde ainda prevalece, em todos os segmentos, a famosa Lei de
Gerson...
José da
Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora
Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0359.htm#msg02
Nenhum comentário:
Postar um comentário