"DIA DAS MÃES E DAS "NANÃES":
RESPEITO,
DIGNIDADE E DIREITOS IGUAIS PARA TODAS"
Por
Lindolivo Soares Moura(*)
"Por mais que o ser humano seja um ser
mesquinho, enquanto uma mãe cantar junto a um bercinho haverá
esperança para o mundo"[GiuseppeGhiaroni].
Se você recorreu ao dicionário e não
encontrou o que esperava, sem problemas; não fique chateado. "Nanães"
só existem de fato, no mundo real, não existindo ainda em teoria, e menos ainda
no dicionário, ao menos em nosso país. A maioria delas sequer são conhecidas,
quanto mais "reconhecidas". Na vida, por vezes é exatamente assim que
as coisas acontecem: você existe, mas não é "percebido", e o que não
é percebido, claro, é como se não existisse. O grande mestre indiano Shankara
permanecera dando voltas ao redor de si mesmo por um bom tempo, literalmente
sem saber o que fazer, quando retornando de um banho nas águas do portentoso Ganges esbarrou em um
"dalit" - "intocável", para os indianos - que cruzava seu
caminho. "Não se incomode" - disse-lhe o dalit - "eu não existo.
Sou apenas uma 'ilusão' sua. Não é isso que você ensina? Que o mundo e tudo que
nele existe não passa de uma mera 'ilusão'? Não pode, portanto, ter me tocado de
fato!". A vida do grande Shankara mudaria para sempre, não tanto por causa
daquele encontro, como muitos pensam, mas sim por causa daquelas palavras. Para
ele e para muitos outros mestres "com" ele e "depois" dele,
a vida e a realidade não poderiam mais continuar sendo vistas como uma simples
"miragem" ou uma mera "ilusão", tal como muitos
acreditavam. "Dalits" também eram gente de carne e osso, com afetos,
sentimentos e emoções como qualquer pessoa. Não podiam continuar sendo tratados
como "invisíveis" e "intocáveis", como sempre haviam sido.
Com suas palavras, aquele "desconhecido" em todos os sentidos da
palavra, o havia trazido para o princípio de realidade, onde as pessoas vivem,
convivem, sobrevivem e se relacionam. Não basta existir! Só o que é "percebido",
pode de fato ser "tocado"; e tocado de maneira diferente, não sob o
impulso deste estereótipo ou daquele preconceito. E ele, Shankara, que de
tantos embates frente a outros grandes mestres saíra vitorioso sem grandes
dificuldades, agora se encontrava ali, parado, sem saber o que fazer ou
responder, tendo que se render às palavras de um pária na pessoa de um dalit.
Assim como existe um dia especial
dedicado aos pais, existe também um dia igualmente especial dedicado às mães.
Mais do que justo, por sinal, e nem precisamos mencionar as razões para que
assim seja. Provavelmente todos, cem por cento dos filhos e filhas -
considerada aquela "margem de erro para mais e para menos", sempre
apontada pelos estatísticos - concordariam com isso. Aliás, poucas identidades,
papéis e personalidades parecem encontrar tanta unanimidade como esse ser que
responde pelo nome de "mãe", "mamãe", ser materno, ou
simplesmente maternidade. Alguns inclusive preferem falar em
"maternagem", termo sem dúvida mais rico e completo do que a
maternidade "pura e simples", se é que se pode falar dessa forma sem
incorrer em erro ou banalidade. O fato é que ser mãe - e seu correspondente
necessário e imediato, "ser filho" ou "ser filha" - é
"tudo de bom", expressão idiomática bem nossa, por sinal. Portanto,
"long life, gratters and
congratulations to all the mothers around the world!" - " vida
longa, parabéns e congratulações a todas as mães ao redor do mundo!".
É possível que você esteja ai, calado
e pensando "com seus botões": "sim, parabéns a todas as mães e
mamães do mundo todo, mas e as 'nanães', afinal? Quem são e o que houve com
elas, que desapareceram assim do nada, repentinamente, como que por
encanto?". Ok!Tudo bem! Você tem razão. Acabamos deixando as
"nanães" no "stand by", por um momento, mas com certeza não
as deixamos no esquecimento; começar falando delas sem falar das mães e mamães
primeiramente, poderia parecer injusto, quase imperdoável, para muitos. Assim,
podemos agora começar a falar delas, das "nanães". Esse foi o termo
hipersimplificado que me veio à mente para falar de vários outros tipos de
"mães" diferentes, ou simplesmente de "não mães", como
parecer melhor. Em certo sentido esse novo termo ou neologismo pode ser
considerado a tradução literal do inglês "NoMo" -
"NoMother" - "não mãe", e que resolvi reduzir para
"nanãe" em meu dicionário mental; uma
espécie de síntese do advérbio "não" com o substantivo
feminino "mãe". Em alguns países, como nos Estados Unidos, por
exemplo, "NoMothers" identifica toda uma geração, a geração
"NoMo" costumam dizer por lá, assim como no Brasil temos por exemplo
os "nem-nens" - "nem estudam e nem trabalham", que também
identifica toda uma geração de jovens e adolescentes por aqui. O que eu
gostaria de deixar bem claro, entretanto, é que não faço uso desse termo,
"nanães", para caracterizar geração nenhuma, e muito menos levantar
qualquer bandeira de "contestação" que eventualmente se imagine possa
o uso desse termo carregar consigo; sequer pensei nisso, na verdade. O que
gostaria com essa espécie de "neologismo", como já disse, lançado em
pleno "dia das mães", é o que a seguir passo a explicar.
A primeira associação, que com muita
rapidez e falta de sensibilidade, costuma ser feita para com a mulher que não
abraça a maternidade, é a de estéril, incapaz e outras variantes do gênero. No
passado chegou-se a estabelecer uma correlação entre esterilidade ou
incapacidade física de procriação com maldição e pecado. Tempos tristes devem
ter sido aqueles! Tristes, difíceis, discriminadores, de excludência e de
exclusão indiscriminada. Mas pensar que essa mentalidade tenha mudado
radicalmente com o passar do tempo, é um
erro tão grande quanto aquele que no passado impulsionava toda uma
geração a agir de forma ultrajante e humilhante para com a mulher infértil.
Mudar um juízo ou julgamento sobre algo ou alguém, a princípio pode não ser tão
difícil quanto pareça, mas mudar toda uma mentalidade é coisa muito, muito
diferente e muito mais complicada. Mentalidades "migram" com
facilidade, e migrar não é exatamente o mesmo que "mudar"
radicalmente. A mentalidade preconceituosa, discriminadora e excludente, que no
passado julgava e condenava a esterilidade ou a incapacidade de gerar filhos,
apenas segue migrando ou "redirecionando" seu olhar e se juízo no
tempo presente: mães "adotivas", mães "solteiras", mães que
adotam filhos e filhas de uma "cor diferente" da cor da adotante,
mães "homoafetivas" e suas variantes, mães por "inseminação
artificial", mães por gestação em "um ventre de uma outra mãe",
todas essas - dentre outras, naturalmente
- são mães que de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente,
continuam sendo alvo de uma "mentalidade migratória" persecutória,
preconceituosa, excludente e condenatória. No mínimo, no mínimo, vítimas de um
olhar vesgo e atravessado: mental, afetiva e emocionalmente. Nenhuma cultura,
seja ela religiosa ou não, parece conseguir sobreviver sem os seus
"dalits" - os intocáveis e excluídos de todos os tempos.
"Migrar" de alvo, sempre que necessário, ou por simples "conveniência",
conforme o caso, tem sido a principal estratégia da qual essa mentalidade
deturpante, excludente e discriminatória tem lançado mão ao longo da história,
não só para perpetuar como também, sempre que possível, ampliar seu campo e
raio de ação. "As ideias e as crenças - dizia certo autor desconhecido -
movem o mundo com seus pezinhos de lãs". Ideias, percepções e crenças, por
sua vez, forjam ideologias e mentalidades, e estas não mudam senão sob o
impulso de muito esforço e muita determinação. A tendência natural é manter o
"status quo": para com o diferente aplica-se a marca
"preconceito" - leia-se: "não é dos nossos!" - assim como
se marca a ferro e fogo cada cabeça de gado, e pronto! Está feito! Exige muito
menos. Daí para frente, na melhor das hipóteses , "dane-se!". Na pior
delas, "foda-se!"; não é mais problema nosso!
Associar com "egoísmo puro"
a opção ou decisão por não ser mãe, tem sido, por outro lado, uma das formas
mais cruéis e desumanas que o discurso cultural tem assumido, ora de forma
discreta e sorrateira, ora explícita e escancaradamente aberta. Muitas vezes
esse discurso se origina na mentalidade religiosa - como é triste reconhecê-lo!
- reforçando-a, e ao mesmo tempo sendo
por ela reforçado. Isso chega a ser no mínimo curioso e estranho, visto que
sacerdotes, frades e freiras se dizem "celibatários" - abrindo mão,
portanto, da paternidade e da maternidade - "POR CAUSA DO REINO DE DEUS
" - ou em razão da missão e do serviço a esse mesmo reino, dá no mesmo. A
pergunta que fica por ser respondida - pois sempre resvala em discursos
tendenciosos e insuficientes - não poderia ser outra: seria a modalidade de
atuação dos frades, freiras e sacerdotes, a única forma aceitável e nobre de se
poder servir a Deus ou de se colocar a serviço de seu reino? Servir aos homens
não seria também uma forma igualmente legítima e virtuosa? Pode-se amar a Deus,
a quem não se vê, sem que se ame antes, e antes de tudo, o irmão de carne e
osso? É realmente necessária uma interpretação muito estreita e ideologicamente
arbitrária para que a não opção pela maternidade ou a paternidade sejam
consideradas "virtude" e "benção", por um lado, e
"egoísmo", "reprovação" e "condenação" ainda que
velada, por outro. O fato é que o discurso religioso se alia ao discurso cultural
reforçando-se mutuamente um ao outro, e culminando naquilo que se poderia muito
apropriadamente ser chamado de "caixa de ressonância". Outra pergunta
que não quer calar: se padres, frades e freiras não se casam e consequentemente
não têm filhos - ao menos é isso o que se pressupõe - data venia, e com o
devido respeito, convenhamos, - tomando emprestada a expressão que pertence ao
Direito - deveriam por lógica e consequência ser os últimos a opinar e mais
ainda a "legislar" sobre o assunto: em causa própria não faria
sentido algum, como se depreende da opção celibatária que abraçaram; em favor
da causa alheia, menos sentido ainda, já que eles pouco ou nada entendem
"de fato" do assunto. Se o discurso for feito "ex
cathedra", então, toda prudência resulta insuficiente. Colocar a
"infalibilidade" em jogo em tais questões pode ser uma perigosa forma
de se estar a "tentar o próprio Deus", coisa que até Jesus, como é
sabido, evitou por inúmeras vezes. Melhor nesse caso o silêncio; "obsequioso
silêncio", tal como era e suponho continuar sendo chamado o silêncio
imposto àqueles e aquelas que de algum modo discordam da "sagrada, eterna
e sã doutrina".
Para simplificar: a opção ou decisão
por não abraçar a maternidade - e por via de complemento, a paternidade - deve
ser considerada tão sagrada quanto aquela que a maternidade tenha abraçado.
Portanto é uma decisão que requer e exige "respeito", antes que
qualquer atitude ou discurso de "tolerância". A rigor, só quem pode e
detém autoridade para proibir ou interditar pode também "tolerar" ou
admitir em "regime de exceção". A um direito inato ou adquirido cabe
"respeitar", "defender" e "celebrar", e não
simplesmente "tolerar"; isso não basta, visto que insuficiente.
Diante da "'in'-tolerância" a "tolerância" pode e até deve,
claro, ser considerada uma virtude. Mas quando comparada ao
"respeito", ainda que sem deixar de ser virtude deve ser considerada
uma virtude de menor potencial, de menor calibre ou menos nobre. Qualquer
discurso condenatório, ou ainda que meramente "reprobatório", para
com a decisão ou opção pela não maternidade, deve sempre ser precedido por uma
espécie de "pente fino" - "cinco vezes filtrado", como
atestam certos tipos de azeite nos supermercados - sob pena de produzirem
consequências e frutos que estão muito mais para joio do que para trigo. E
isso, claro, não é nada bom.
Assim como muitos discursos e falas
"anti-racistas" são racistas sem sequer se darem conta disso - como
pode haver conflitos "entre" raças se só existe uma única e mesma
raça humana? - muitos discursos e falas sobre tolerância costumam esconder
desrespeito inaceitável e preconceitos gritantes para com minorias de tipos
diversos. As mulheres que não optam ou não optaram, não se se decidem e não se
decidiram pela maternidade, constituem apenas um desses grupos, que aqui
estamos chamando de "nanães" - NoMo, NoMothers, ou simplesmente
"não mães" em tradução livre. O princípio apontado pela própria
Igreja também pode e deve ser aqui aplicado, ainda que de forma análoga,
evidentemente. Eis o que ela afirma: "satisfaçam-se em primeiro lugar as
exigências da justiça, para que não se dê como caridade o que já é devido a
título de justiça. Eliminem-se as causas dos males e não só os seus efeitos
(...)" ("Sobre o Apostolado dos Leigos", Encíclica do Concílio
Vaticano II). E se no presente caso, o respeito é notória e declaradamente
devido, não se deve falar em tolerância. Isso seria um erro. E todo erro, como
se sabe, sempre que possível deve ser evitado.
Parabéns
a todas as mães, vivas e falecidas
- estas continuam e continuarão sempre vivas em seus filhos, filhas e netos.
Parabéns igualmente a todas as
mulheres que de maneira consciente e responsável, e não por pura leviandade ou
libertinagem, fizeram opção diversa ou diferente pela não maternidade. "No
interior da pessoa humana sequer a Igreja entra", afirma outro princípio
sustentado pela mesma Igreja. O chamado ou a vocação a ser mulher é dirigido a
todas! Já o chamado ou a vocação a ser
mãe, não a todas necessariamente!
O último e mais importante lembrete
fica por conta de Gibran Khalil Gibran, em "O Profeta": "vossos
filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da saudade da vida por si
mesma. Eles vêm através de vós, mas não de vós, e embora vivam convosco não vos
pertencem!".
Um feliz e abençoado "dia das
mães" para todas as mães e "nanães" desse fantástico e
lamentavelmente maltratado planeta!
L.S.M.: 05/24
(*)
Reflexão enviada pelo autor- via
whasapp, de Vitória(ES).
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