REFLEXÃO DOMINICAL Ii
A
FESTA DO AMOR, O AMOR MAIOR
Homilia por: Padre Wagner Augusto
Portugal
Celebramos
neste domingo a Festa do Amor, o AMOR MAIOR. “Deus é amor” não é, pura e
simplesmente, uma sentença metafísica. É uma expressão simbólica, que quer
abrir nossos olhos para a presença de Deus na realidade do amor, sob dois
aspectos: o amor que se nos revela na doação de Cristo por nós – o amor
colocado como DOM – e o amor que devemos praticar para com os filhos de Deus –
o amor como MISSÃO. O primeiro é modelo e fundamento do segundo. Portanto,
“amor” não significa, antes de tudo, que nós amamos a Deus – a observância do
primeiro mandamento, entendida como base de justificação -, mas que Deus nos
amou primeiro, dando seu Filho por nós.
Esse
amor, manifestado na doação do Filho de Deus, é o maior: “Ninguém tem amor
maior, do que dar sua vida por aqueles que ama” (Jo 15,13). Literalmente, Jesus
nos chama “de amigos”. Mas este termo é tão usado e gasto, entre nós outros, e
tão carregado de pensamentos interesseiros, que é preferível parafraseá-lo por
aqueles que amamos, o que não deixa de ser a etimologia certa de “amigo”. Não
digo “aqueles que nos amam”, pois o modelo de nosso amor é o que amou primeiro.
O amor de Cristo é que nos tornou seus amigos. Amigos, ao invés de servos: “Jam
non dicat vos servus, sed amicus” (Já não vos chamo servos, mas amigos). Cristo
não nos amou porque éramos amáveis, mas seu amor nos tornou amáveis. Assim deve
ser também o nosso amor pelos irmãos. Um pouco como aquela mulher que tem um
marido não muito brilhante, porém muito amável a seus olhos, porque ela o
escolheu.
Meus
irmãos,
Nos dois
últimos domingos, a Liturgia da Igreja girou em torno de dois verbos:
“conhecer” e “permanecer” em Jesus Cristo, ou seja, estar em comunhão com o
Senhor Ressuscitado. Estes verbos iluminam a vida cristã e a nossa caminhada
pessoal. Somente em Jesus é unida a humanidade à divindade. Neste permanecer em
Cristo está a comunhão do mistério divino com o mistério humano.
O
Evangelho de hoje (Jo 15,9-17) é o Evangelho da TERNURA. Ternura de Deus Pai
para com seu Filho bendito e em quem pusera todo o comprazimento. Ternura
nossa, se nos amarmos uns aos outros, com o mesmo amor com que Jesus nos amou.
Ao conjunto de sentimentos, de ações e de comportamento que exprimem essa
ternura, Jesus chamou de AMIZADE e chamou aos que permanecem unidos a ele, o
Cristo, de AMIGOS.
O AMOR é,
pois, o centro do Cristianismo, é o eixo sobre o qual giram toda as virtudes e
doutrinas do NOVO TESTAMENTO. O Reino de Deus é o Reino do Amor, daquele amor
instituído para que todos nós tenhamos vida e vida em abundância.
O
Evangelista João define Deus como amor – “Deus caritas est”. E Jesus é a
absoluta manifestação do amor de Deus para os homens e mulheres.
Irmãos e
irmãs,
Em uma
sociedade cada vez mais secularizada, a palavra “amor” deixou de ser um
sentimento nobre, para significar o PRAZER por puro PRAZER, HEDONISMO, EROTISMO
e todos os “ismos” que deixam o homem preso ao sexo desvairado, colocando de
lado a concretização do amor absolutamente voltado para as coisas do alto.
Trata-se daquelas coisas que foram assumidas pelo mistério da paixão, morte e
ressurreição e que nos libertaram do pecado para vivermos a vida da graça que
passa pela vida da fraternidade, que é o AMOR sem LIMITES, o amor igual ao AMOR
DO CRISTO RESSUSCITADO.
Vivemos
em um mundo cada vez mais egoísta e solitário. Quantas são as pessoas que hoje
recorrem aos psicólogos, aos tratamentos especializados, que reclamam de
solidão! Tudo isso é porque não são solidárias. Temos que sair do solitário
para o solidário, fazendo parte da comunidade da solidariedade, onde podemos
cantar com o Evangelho de hoje: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo
15,12). O exemplo de amor que devemos vivenciar e viver é o exemplo do amor
perfeito, da primeira e mais lídima comunidade: a Santíssima Trindade.
Queridos
irmãos,
“Alegrai-vos
sempre no Senhor Ressuscitado!”. “Alegrai-vos sempre no Senhor que
Ressuscitou!”. A alegria é o fruto mais bendito do amor e da paz. Quando Cristo
entrou em comunhão com a criatura humana, os anjos anunciaram grande alegria
para todos. Jesus trouxe a libertação, que foi recebida com grande
contentamento. A vitória de Jesus sobre a morte encheu os Apóstolos de
exultação. Por isso, São Paulo escreveu de sua prisão em Roma: “Alegrai-vos!
Sede afáveis com todos! Alegrai-vos” (Fl 4,4-5). Eis porque a alegria que vem
de Cristo é a alegria da paz, a alegria eterna.
Depois da
caridade, a alegria é uma das virtudes enumeradas por São Paulo na carta aos
Gálatas (5,22). É exatamente esta alegria que inunda o Tempo Pascal que
celebramos, alegrando-se todos os fiéis, os anjos do céu, a terra na plenitude
de tanta luz, a alegria que a Mãe Igreja compartilha com todos os seus fiéis.
Poderíamos
nos perguntar: como viver esta alegria?
Com muita
simplicidade, é a resposta, como a fé cristã.
Vivendo a
radicalidade dos Evangelhos, a simplicidade da síntese dos Evangelhos: “Amai a
Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo e terão a vida eterna”.
Vida eterna simples que passa pela simplicidade do amor, personificado no
cumprimento dos dez mandamentos, do amor comunhão, amor gratuito, amor
recíproco.
A alegria
cristã nasce da comunhão com Deus, tem suas raízes no grande dom da salvação e
na nossa correspondência amorosa a ele. A alegria nasce da comunhão e gera
comunhão, por isso está estreitamente ligada ao amor, como lembra Nosso Senhor
Jesus Cristo na liturgia de hoje.
Prezados
irmãos e irmãs,
As
palavras de Jesus aos discípulos na “ceia de despedida” deixam claro, antes de
mais, que os discípulos não estão sozinhos e perdidos no mundo, mas que o
próprio Jesus estará sempre com eles, oferecendo-lhes em cada instante a sua
vida. Este é o primeiro grande ensinamento deste domingo: a comunidade de Jesus
continuará, ao longo da sua marcha pela história, a receber vida de Jesus e a
ser acompanhada por Jesus. Nos momentos de crise, de desilusão, de frustração,
de perseguição, não podemos esquecer que Jesus continua ao nosso lado,
dando-nos coragem e esperança, lutando conosco para vencer as forças da
opressão e da morte. Os discípulos são os “amigos” de Jesus. Jesus escolheu-os,
chamou-os, partilhou com eles o conhecimento e o projeto do Pai, associou-os à
sua missão; estabeleceu com eles uma relação de confiança, de proximidade, de
intimidade, de comunhão. Este tipo de relação que Jesus quis estabelecer com os
discípulos não exclui, no entanto, que Ele continue a ser o centro e a
referência, à volta da qual se constrói a comunidade dos discípulos.
Caros
irmãos,
A segunda
leitura deste domingo(1Jo 4,7-10) nos ensina que “Deus é amor”. O autor da
Primeira Carta de João não chegou a esta definição de Deus através de
raciocínios acadêmicos ou puramente especulativos, mas através da constatação
do modo de atuar de Deus em relação aos homens. Sobretudo, ele “viu” o que
aconteceu com Jesus e como Jesus mostrou, em gestos concretos, esse incrível
amor de Deus pela humanidade. João interpela os crentes a contemplar Jesus e a
tirar conclusões sobre o amor de Deus; convida-nos, também, a reparar nessas
delicadezas divinas, chamadas de mil e umas pequenas coisas que trazem à nossa
existência momentos únicos de alegria, de felicidade, de paz e a perceber nelas
sinais concretos do amor de Deus, da sua presença ao nosso lado, da sua
preocupação conosco. A certeza de que “Deus é amor” e que Ele nos ama com um
amor sem limites é o melhor caminho para derrubar as barreiras de indiferença,
de egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho que tantas vezes nos impedem de
viver em comunhão com Deus.
Meus
irmãos,
O amor de
Deus, manifestado em Cristo, toma a iniciativa e vai à procura de todos que
possam ser amados. Procurando amar a todos, Deus escolhe cada um que ele quer
amar e o ama com amor de predileção.
Deus ama
o Filho. Este nos revela o amor do Pai amando-nos até o fim. E nós somos
chamados a fazer o mesmo, para a multidão dos que podem ser nossos irmãos e
filhos de Deus. Esta é a dinâmica do amor universal de Deus. Não ama em geral.
Ama a cada um como amigo. Daí a necessidade destes amigos permanecerem unidos
entre si por este mesmo amor. A comunidade tem, na eclesiologia, uma prioridade
estratégica sobre a missão. Porém, este amor que forma comunidade é destinado a
todos, envolvendo, indistintamente, os que não se opuseram a que Deus os ame
assim.
A
Primeira Leitura desta celebração(At 10,25-26.34-35.44-48) nos ensina que Deus
não faz acepção de pessoas, nem se deixa levar por divergências de sistema
religioso. O que Deus mesmo quer é congregar todos os seus filhos num mesmo de
amor pessoal. Pedro, o primeiro Apóstolo e primeiro Papa, é escolhido para ser
o instrumento desta missão, superando os tabus do sistema judaico. O campo da
missão é a meta desta liturgia, em que todos nós somos convidados a dar
testemunho do amor da Cruz que iluminou a ressurreição e se eterniza no
Sacrifício do Banquete Eucarístico, onde a Igreja nos dá a “Eucaristia como
fonte e dom diário de amor para nossa vida”. A lógica universalista de Deus
deve convidar-nos a refletir acerca da forma como, na prática, acolhemos os
irmãos que caminham ao nosso lado. O Deus que ama todos os homens, sem exceção,
convida-nos a acolher todos os irmãos – mesmo os “diferentes”, mesmo os
incômodos – com bondade, com compreensão, com amor; o Deus que derrama sobre
todos a sua salvação convida-nos a não discriminar “bons” e “maus”, “santos” e “pecadores”
(frequentemente, os nossos juízos acerca da “bondade” ou da “maldade” dos
outros falham redondamente); o Deus que convida cada homem e cada mulher a
integrar a comunidade da salvação diz-nos que temos de acolher e amar todos,
independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem, da sua
preparação cultural, do seu lugar na escala social. Não apenas em teoria, mas
sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados a anunciar esse mundo de
Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem intolerância, sem preconceitos.
Assim,
meus caros, Jesus chamou seus discípulos de amigos e quer que a comunidade
cristã, a nossa comunidade, seja um sinal desse amor que nos une a ele e aos
irmãos, sem jogo de poder ou de competições gerados pela vaidade pessoal. Que
todos nós possamos dar testemunho do amor do Cristo Ressuscitado vivendo a
síntese do Evangelho: “Alegrai-vos e amai-vos uns aos outros, como Jesus, o
Ressuscitado, nos amou. Amém. Aleluia!”.
Pe Wagner
Augusto Portugal
Graduado em Direito Civil, Mestre
em Direito Canônico e doutorando na mesma área de estudo, com 24 anos de
experiência em Direito Público e Direito Canônico.
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