SANTO AGOSTINHO: A VONTADE DE DEUS E A
GRAÇA
Principais
textos de Agostinho sobre a Graça(¨*)
“Os Dois Livros a Simplício”, é um documento
que retrata o período em que Agostinho revisa e aprimora a reflexão da
necessidade da graça como, inclusive para o desejo da conversão, e para fazer o
ato de fé em Deus (SESBOÜÉ, 2013, p. 145). As intuições de Agostinho brotam da
meditação de textos Paulinos (como 1 Cor 4,7), que mostra Deus como autor e
doador de todos os dons. Ele reflete que a condição do homem é marcada pela
força do pecado, e que só no mistério de Cristo, o homem pode encontrar
resposta (Rm 7).
Na obra
“Sobre o Espírito e a Letra” Agostinho enfatiza que Deus inspira e difunde no
homem a sua graça por Jesus Cristo, no Espírito Santo. Ele cita abundantemente
a carta ao Romanos, especialmente onde fala da ação fecunda do Espírito nos
corações (Rm 5,5). Esta obra, portanto, se baseia na graça de Cristo que nos
salva. Não se trata simplesmente da liberdade para a observância da lei, mas,
há uma precedência da ação gratuita de Deus, comunicando ao homem interior a
força de sua graça (SESBOÜÉ, 2013, p. 246).
Agostinho
mostra nesta obra que a vontade humana é ajudada, despertada, fortalecida e
movida pela força do Espírito. Trata-se, portanto de dom que Deus livremente
concede ao homem. Percebe-se claramente esta idéia na obra:
Nós, ao
contrário, dizemos que a vontade humana é ajudada por Deus a cumprir a justiça
da seguinte maneira: não somente o homem foi criado como o livre-arbítrio da
vontade, não só dispõe ele da doutrina que lhe ordena como deve viver, mas
recebe o Santo Espírito que suscita em sua alma o prazer e o amor desse
soberano bem que é Deus (SANTO AGOSTINHO, SOBRE O ESPÍRITO E A LETRA, 9,15;
11,18; 18,31; 32,56 apud SESBOUÉ, 2013, p. 246).
Pode-se dizer que o núcleo temático desta
obra consiste no texto paulino sobre a relação entre a letra e o Espírito: “A
letra mata, mas O Espírito produz vida” (2Cor 3,6). Baseando-se em Paulo, em
sua defesa convicta e apaixonada da graça, Agostinho comenta os primeiros
capítulos da Carta aos Romanos. Ele apresenta Paulo como sendo um defensor
constante e perseverante da graça, que defendeu sua primazia.
Esta
obra terá importância decisiva para Lutero elaborar sua doutrina da graça. Esta
obra, desenvolvida por Agostinho ao comentar a carta aos Romanos, será
referência, fundamento e intuição para Lutero (SESBOUÉ, 2013, p.246). Ele desenvolve
sua visão levando em conta a comparação entre a lei da fé que salva e a lei das
obras (Rm 3,27-28). Enfatiza a justiça de Deus como aspecto fundante para
gestar suas afirmações. Ele se inspirará nesta visão de Agostinho, que concebe
o polo principal da relação entre o homem e Deus na misericórdia divina que vai
ao encontro do homem e o perdoa.
Na obra “A Natureza e a Graça”, há uma
evolução e amadurecimento de Agostinho na reflexão e compreensão sobre a graça.
Ele passa a utilizar o termo graça para nomear suas obras. Nesta palavra ele
engloba, clareia, aprofunda e precisa o conteúdo que ela quer significar.
Sintetiza na expressão “graça” a variedade de significados que eram utilizados
para se referirem a ela, como salvação, misericórdia, caridade.
Nesta
obra ele cita passagens de Pelágio, que havia escrito sobre a natureza.
Acrescenta “graça” ao título da obra do seu adversário, já mostrando sua
discordância e sinalizando a resposta à doutrina de seu oponente.
Em sua obra, Pelágio entende o conceito de
“natureza humana” a partir da criação de Adão. Ele recebeu de Deus o livre
arbítrio, sendo dom de Deus, e, portanto, graça. Dependia da decisão do homem,
realizar esta possibilidade dada a ele pelo criador.
Para
Pelágio, mesmo após o pecado das origens, a natureza humana não mudou de
condição. O pecado cometido por Adão, em seu entendimento constituiu apenas em
um mau exemplo. Não corrompeu a natureza. Não deixou uma herança que se
propagaria a toda humanidade, através da mácula do pecado original. A compreensão
de Agostinho sobre a natureza humana é essencialmente diferente. Ele a entende
como herdeira de Adão, corrompida e decaída com o pecado dele. Sua compreensão
de liberdade é aberta para receber a graça de Deus como Salvador.
Pelágio
colocava em destaque os dons concedidos por Deus ao homem, e Agostinho enfatiza
a necessidade dos dons concedidos por Deus Salvador ao homem. Assim ele explica à
Pelágio:
Ó meu irmão, é bom te lembrares que és
cristão. Em vez de pensar que a natureza humana não pode ser corrompida pelo
pecado, cremos que ela o foi, reportando-nos ás divinas Escrituras; procuremos
então como isso pode acontecer (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A NATUREZA E A GRAÇA,
22, 22 p. 281 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 246).
Agostinho
afirma que apenas a vontade, mesmo com todos os seus esforços, não consegue
evitar os pecados. Ele fundamenta o seu pensamento na teologia paulina.
Refere-se aos textos paulinos: “Não invalido a graça de Deus, porque, se é pela
lei que vem a justiça, então Cristo morreu em vão” (Gl 2,21); “a fim de que não
se torne inútil a cruz de Cristo”
(1Cor 1,17) para dizer que Cristo morreu em vão, se não precisamos contar com sua
graça para a nossa justificação. Desta forma esvazia-se o sacrifício de Jesus,
e se anula sua força redentora.
Agostinho
discorda inteiramente de Pelágio, pois este afirma que a graça é a
possibilidade de não pecar. Para Agostinho, a graça não ajuda apenas na
revelação da lei, nem tampouco opera apenas a remissão dos pecados, mas também
oferece a ajuda necessária para não os cometer. Agostinho entende que a
natureza humana foi ferida com o pecado original, e que só pela graça de Cristo
ela pode ser sanada.
O Concílio de Trento, no decreto sobre a
justificação, no número 1536, retoma esta doutrina de Agostinho, ao dizer que:
“Deus, certamente não ordena o impossível, mas por seus mandamentos nos convida
a fazer o possível, e a lhe pedir pelo que vai além de nossas possibilidades”
(DECRETO SOBRE A JUSTIFICAÇÃO, 1547, apud DENZINGER – HÜNERMANN, 2007, n.
1537).
Em sua
obra, “A Graça de Cristo e o pecado Original”, Agostinho cria um binômio na
doutrina da graça (um paralelo antinômico entre Adão e Cristo). De um lado, ele
considera o pecado original com suas consequências que vão afetar a natureza
humana, e por outro, ele considera a graça de Cristo que redime, liberta e
salva.
Esta
linguagem usada por Agostinho se tornará comum na teologia posterior. Ele entende a graça
como uma dimensão no interior do homem, que o renova. Não aceita a idéia de
graça como mero auxílio para agir ético do homem. Assim ele argumenta:
Possam então os pelagianos ler e compreender,
refletir e confessar que não é pela proclamação exterior da lei e da doutrina,
mas por uma poderosa ação interior e secreta, admirável e inefável que Deus é o
autor não somente de verdadeiras revelações, mas de decisões voluntárias de
acorde com o bem (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL,
I, 24,25 p. 105 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 249).
Ele
escreveu a obra “Sobre a Graça e o Livre-arbítrio”, para responder àqueles que
o atacavam, acusando-o de negar o livre-arbítrio, e valorizar unicamente a
graça. Ele fundamenta suas afirmações na Sagrada Escritura, mostrando a
necessidade da graça de Deus e do livre-arbítrio. Assim ele se expressa: “Penso
ter discutido bastante com aqueles que atacam com violência a graça de Deus,
graça que não suprime a vontade humana, mas que a muda de mal em bem, e que a
ajuda quando ela se tornou boa” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA E O LIVRE
ARBÍTRIO, 20,41
apud SESBOÜÉ, 2013, p. 250)
Ele
expõe suas explicações refutando a doutrina pelagiana. Afirma que a graça não é
a lei, nem a natureza, nem apenas a remissão dos pecados. Ele expõe também a
doutrina da graça operante e cooperante. Para fundamentar biblicamente a graça
operante, ele utiliza os textos de Pr 8,35 (A vontade é preparada pelo Senhor),
Fl 2,13 (O Deus quem opera no homem o querer e o fazer), e Ez 36,27 (Eu vos
farei guardar meus costumes). Ele propõe a seguinte explicação:
“É certo que guardamos os mandamentos, se
quisermos, mas, visto que a vontade é preparada pelo Senhor, temos de lhe
pedir, que Ele nos dê toda a vontade de que necessitamos, para que, querendo,
façamos. É certo que somos nós que
queremos, quando queremos, mas é Deus que nos faz querer o bem. Certamente somos
nós que agimos, quando agimos, mas é Deus que faz que possamos agir, quando
concede à nossa vontade uma força plenamente eficaz (SANTO AGOSTINHO, SOBRE
A GRAÇA E O LIVRE ARBÍTRIO, 16,32 p. 163-165 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 250).
Sobre a graça
cooperante, Agostinho escreve:
Deus
cooperando, conclui o que Ele começou, ao operar. Pois Ele Opera, no começo,
para que queiramos, e Ele mesmo, no acabamento, coopera conosco, quando
queremos. Portanto, para que queiramos, Ele opera sem nós, mas quando queremos,
e quando queremos até agir, Ele coopera conosco (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA
E O LIVRE ARBÍTRIO, 17,33 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 251).
Agostinho apresenta uma síntese sobre a relação entre a graça de Deus e o livre-
arbítrio da vontade humana na obra “Sobre a Correção e a Graça”. A
cooperação da graça com o livre-arbítrio não significa que ela o
anula.
O homem
realiza as possibilidades de sua liberdade pela graça: “Não é pela liberdade
que a vontade humana obtém a graça, mas é, antes pela graça, que ele obtém a
liberdade, além disso, da graça obtém o dom de uma estabilidade agradável e de
uma força invencível” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A COORREÇÃO E A GRAÇA, 8,17 BA 24
apud SESBOÜÉ, 2013, p. 251).
Adão foi criado inteiramente na graça de
Deus. Ele tinha a imortalidade, não estava dominado pela concupiscência, tinha
a possibilidade de não pecar. Adão, contudo, ao ceder ao pecado, permitindo que
seu livre-arbítrio consentisse num ato contra Deus, perdeu sua condição
primitiva. Além disso, ele arrastou consigo toda a humanidade a ser manchada
por sua culpa (SESBOÜÉ, 2013, p. 252).
O
homem, desde o seu nascimento, traz consigo a consequência do pecado de Adão.
Esta herança pecaminosa que atingiu toda a humanidade pode ser regenerada
unicamente pela graça de Cristo.
A graça que Deus havia concedido à Adão é
inteiramente diversa daquela que Ele concede em Cristo. Ela dá ao homem o dom
da própria perseverança. Pode novamente o homem ser livre do condicionamento da
concupiscência. Ele diz textualmente:
De tal modo se veio em socorro da fraqueza da
vontade humana, que ela é posta em movimento pela graça divina de um modo
indeclinável e invencível, e é por isso que malgrado sua fraqueza, a vontade
não desfalece e não é vencida por nenhuma adversidade (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A
CORREÇÃO E A GRAÇA, 12,38 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 252).
Ele entende este movimento de libertar a
liberdade é operado por Cristo. Ele, ao assumir a fraqueza humana, assumiu o
lugar do homem, pode sanar a liberdade ferida, pela força redentora de sua
entrega.
Esta
visão de Agostinho, sobre a relação entre a graça e o livre arbítrio, foi mal
interpretada por Jansênio e pelos reformadores, como se a graça fosse
“irresistível” em relação à vontade humana. Agostinho tinha a preocupação em
apresentar a cooperação entre a graça e a liberdade. Ele via a ação da graça
como auxílio do livre-arbítrio. Não concebia que entre ambas houvesse uma
relação de concorrência (SESBOÜÉ, 2013, p. 253).
“Sobre
a Predestinação dos Santos”, trata-se de uma única obra em dois volumes. Agostinho
a escreve diante de uma situação específica de reações que havia causado numa
outra obra sua (SANTO
AGOSTINHO 225-226 PL 33, 1002-1012 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 253). Suscitou-se a
questão da relação entre o dom da graça de Deus e a salvação universal, “a
vontade salvífica universal de Deus” (1Tm 2,4).
Agostinho,
afirma que ao realizar o bem, a vontade do homem é predisposta pela graça de
Deus. O homem, sozinho, sem o auxílio da graça, não pode ter nem o início da
fé, nem começar, perseverar e acabar qualquer boa obra (SESBOÜÉ, 2013, p. 254).
Somente a ação da graça interior nele é o que torna possível despertar,
realizar e consumar qualquer obra boa. A graça suscita e move sua vontade, sua
fé, sua disposição interior, sem, contudo, anular ou diminuir seu
livre-arbítrio.
Sobre a obra “O dom da Perseverança”,
Agostinho explica, que se trata do dom da perseverança final, ou seja, a
obtenção da vida eterna. Assim ele se expressa: “Creio ter defendido com força
especial a idéia de que a perseverança final é também um dom de Deusque nos
predestinou para seu Reino e sua Glória” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A
PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS, 21,55 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 255).
Havia a
acusação dos monges de Marselha, que interpretavam a predestinação defendida
por Agostinho, como algo que dispensava qualquer participação do homem quanto a
sua Salvação. No entanto, Agostinho a defende com as seguintes explicações:
“Essa obra Deus previu que realizaria, eis a predestinação dos santos” (SANTO
AGOSTINHO, SOBRE O DOM DA PERSEVERANÇA, 7, 15 BA 24 apud SESBOÜE, 2013, p.
254). E afirma: “Nada mais que presciência e a preparação dos benefícios de
Deus pelos quais são infalivelmente resgatados todos os que são resgatados”
(SANTO AGOSTINHO, SOBRE O DOM DA PERSEVERANÇA, 14,35 apud SESBOÜE, 2013, p.
254).
https://1library.org/article/principais-textos-de-agostinho-sobre-a-gra%C3%A7a.q7orokky
(*) Os grifos são meus.
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