sábado, 8 de junho de 2024

SANTO AGOSTINHO: A VONTADE DE DEUS E A GRAÇA Principais textos de Agostinho sobre a Graça(¨*)

 

SANTO AGOSTINHO: A VONTADE DE DEUS E A GRAÇA

Principais textos de Agostinho sobre a Graça(¨*)

“Os Dois Livros a Simplício”, é um documento que retrata o período em que Agostinho revisa e aprimora a reflexão da necessidade da graça como, inclusive para o desejo da conversão, e para fazer o ato de fé em Deus (SESBOÜÉ, 2013, p. 145). As intuições de Agostinho brotam da meditação de textos Paulinos (como 1 Cor 4,7), que mostra Deus como autor e doador de todos os dons. Ele reflete que a condição do homem é marcada pela força do pecado, e que só no mistério de Cristo, o homem pode encontrar resposta (Rm 7).

Na obra “Sobre o Espírito e a Letra” Agostinho enfatiza que Deus inspira e difunde no homem a sua graça por Jesus Cristo, no Espírito Santo. Ele cita abundantemente a carta ao Romanos, especialmente onde fala da ação fecunda do Espírito nos corações (Rm 5,5). Esta obra, portanto, se baseia na graça de Cristo que nos salva. Não se trata simplesmente da liberdade para a observância da lei, mas, há uma precedência da ação gratuita de Deus, comunicando ao homem interior a força de sua graça (SESBOÜÉ, 2013, p. 246).

Agostinho mostra nesta obra que a vontade humana é ajudada, despertada, fortalecida e movida pela força do Espírito. Trata-se, portanto de dom que Deus livremente concede ao homem. Percebe-se claramente esta idéia na obra:

Nós, ao contrário, dizemos que a vontade humana é ajudada por Deus a cumprir a justiça da seguinte maneira: não somente o homem foi criado como o livre-arbítrio da vontade, não só dispõe ele da doutrina que lhe ordena como deve viver, mas recebe o Santo Espírito que suscita em sua alma o prazer e o amor desse soberano bem que é Deus (SANTO AGOSTINHO, SOBRE O ESPÍRITO E A LETRA, 9,15; 11,18; 18,31; 32,56 apud SESBOUÉ, 2013, p. 246).

Pode-se dizer que o núcleo temático desta obra consiste no texto paulino sobre a relação entre a letra e o Espírito: “A letra mata, mas O Espírito produz vida” (2Cor 3,6). Baseando-se em Paulo, em sua defesa convicta e apaixonada da graça, Agostinho comenta os primeiros capítulos da Carta aos Romanos. Ele apresenta Paulo como sendo um defensor constante e perseverante da graça, que defendeu sua primazia.

Esta obra terá importância decisiva para Lutero elaborar sua doutrina da graça. Esta obra, desenvolvida por Agostinho ao comentar a carta aos Romanos, será referência, fundamento e intuição para Lutero (SESBOUÉ, 2013, p.246). Ele desenvolve sua visão levando em conta a comparação entre a lei da fé que salva e a lei das obras (Rm 3,27-28). Enfatiza a justiça de Deus como aspecto fundante para gestar suas afirmações. Ele se inspirará nesta visão de Agostinho, que concebe o polo principal da relação entre o homem e Deus na misericórdia divina que vai ao encontro do homem e o perdoa.

Na obra “A Natureza e a Graça”, há uma evolução e amadurecimento de Agostinho na reflexão e compreensão sobre a graça. Ele passa a utilizar o termo graça para nomear suas obras. Nesta palavra ele engloba, clareia, aprofunda e precisa o conteúdo que ela quer significar. Sintetiza na expressão “graça” a variedade de significados que eram utilizados para se referirem a ela, como salvação, misericórdia, caridade.

Nesta obra ele cita passagens de Pelágio, que havia escrito sobre a natureza. Acrescenta “graça” ao título da obra do seu adversário, já mostrando sua discordância e sinalizando a resposta à doutrina de seu oponente.

Em sua obra, Pelágio entende o conceito de “natureza humana” a partir da criação de Adão. Ele recebeu de Deus o livre arbítrio, sendo dom de Deus, e, portanto, graça. Dependia da decisão do homem, realizar esta possibilidade dada a ele pelo criador.

Para Pelágio, mesmo após o pecado das origens, a natureza humana não mudou de condição. O pecado cometido por Adão, em seu entendimento constituiu apenas em um mau exemplo. Não corrompeu a natureza. Não deixou uma herança que se propagaria a toda humanidade, através da mácula do pecado original. A compreensão de Agostinho sobre a natureza humana é essencialmente diferente. Ele a entende como herdeira de Adão, corrompida e decaída com o pecado dele. Sua compreensão de liberdade é aberta para receber a graça de Deus como Salvador.

Pelágio colocava em destaque os dons concedidos por Deus ao homem, e Agostinho enfatiza a necessidade dos dons concedidos por Deus Salvador ao homem. Assim ele explica à Pelágio:

Ó meu irmão, é bom te lembrares que és cristão. Em vez de pensar que a natureza humana não pode ser corrompida pelo pecado, cremos que ela o foi, reportando-nos ás divinas Escrituras; procuremos então como isso pode acontecer (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A NATUREZA E A GRAÇA, 22, 22 p. 281 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 246).

Agostinho afirma que apenas a vontade, mesmo com todos os seus esforços, não consegue evitar os pecados. Ele fundamenta o seu pensamento na teologia paulina. Refere-se aos textos paulinos: “Não invalido a graça de Deus, porque, se é pela lei que vem a justiça, então Cristo morreu em vão” (Gl 2,21); “a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo”

(1Cor 1,17) para dizer que Cristo morreu em vão, se não precisamos contar com sua graça para a nossa justificação. Desta forma esvazia-se o sacrifício de Jesus, e se anula sua força redentora.

Agostinho discorda inteiramente de Pelágio, pois este afirma que a graça é a possibilidade de não pecar. Para Agostinho, a graça não ajuda apenas na revelação da lei, nem tampouco opera apenas a remissão dos pecados, mas também oferece a ajuda necessária para não os cometer. Agostinho entende que a natureza humana foi ferida com o pecado original, e que só pela graça de Cristo ela pode ser sanada.

O Concílio de Trento, no decreto sobre a justificação, no número 1536, retoma esta doutrina de Agostinho, ao dizer que: “Deus, certamente não ordena o impossível, mas por seus mandamentos nos convida a fazer o possível, e a lhe pedir pelo que vai além de nossas possibilidades” (DECRETO SOBRE A JUSTIFICAÇÃO, 1547, apud DENZINGER – HÜNERMANN, 2007, n. 1537).

Em sua obra, “A Graça de Cristo e o pecado Original”, Agostinho cria um binômio na doutrina da graça (um paralelo antinômico entre Adão e Cristo). De um lado, ele considera o pecado original com suas consequências que vão afetar a natureza humana, e por outro, ele considera a graça de Cristo que redime, liberta e salva.

Esta linguagem usada por Agostinho se tornará comum na teologia posterior. Ele entende a graça como uma dimensão no interior do homem, que o renova. Não aceita a idéia de graça como mero auxílio para agir ético do homem. Assim ele argumenta:

Possam então os pelagianos ler e compreender, refletir e confessar que não é pela proclamação exterior da lei e da doutrina, mas por uma poderosa ação interior e secreta, admirável e inefável que Deus é o autor não somente de verdadeiras revelações, mas de decisões voluntárias de acorde com o bem (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL, I, 24,25 p. 105 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 249).

Ele escreveu a obra “Sobre a Graça e o Livre-arbítrio”, para responder àqueles que o atacavam, acusando-o de negar o livre-arbítrio, e valorizar unicamente a graça. Ele fundamenta suas afirmações na Sagrada Escritura, mostrando a necessidade da graça de Deus e do livre-arbítrio. Assim ele se expressa: “Penso ter discutido bastante com aqueles que atacam com violência a graça de Deus, graça que não suprime a vontade humana, mas que a muda de mal em bem, e que a ajuda quando ela se tornou boa” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA E O LIVRE ARBÍTRIO, 20,41 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 250)

Ele expõe suas explicações refutando a doutrina pelagiana. Afirma que a graça não é a lei, nem a natureza, nem apenas a remissão dos pecados. Ele expõe também a doutrina da graça operante e cooperante. Para fundamentar biblicamente a graça operante, ele utiliza os textos de Pr 8,35 (A vontade é preparada pelo Senhor), Fl 2,13 (O Deus quem opera no homem o querer e o fazer), e Ez 36,27 (Eu vos farei guardar meus costumes). Ele propõe a seguinte explicação:

“É certo que guardamos os mandamentos, se quisermos, mas, visto que a vontade é preparada pelo Senhor, temos de lhe pedir, que Ele nos dê toda a vontade de que necessitamos, para que, querendo, façamos. É certo que somos nós que queremos, quando queremos, mas é Deus que nos faz querer o bem. Certamente somos nós que agimos, quando agimos, mas é Deus que faz que possamos agir, quando concede à nossa vontade uma força plenamente eficaz (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA E O LIVRE ARBÍTRIO, 16,32 p. 163-165 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 250).

Sobre a graça cooperante, Agostinho escreve:

Deus cooperando, conclui o que Ele começou, ao operar. Pois Ele Opera, no começo, para que queiramos, e Ele mesmo, no acabamento, coopera conosco, quando queremos. Portanto, para que queiramos, Ele opera sem nós, mas quando queremos, e quando queremos até agir, Ele coopera conosco (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A GRAÇA E O LIVRE ARBÍTRIO, 17,33 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 251).

Agostinho apresenta uma síntese sobre a relação entre a graça de Deus e o livre- arbítrio da vontade humana na obra “Sobre a Correção e a Graça”. A cooperação da graça com o livre-arbítrio não significa que ela o anula.

O homem realiza as possibilidades de sua liberdade pela graça: “Não é pela liberdade que a vontade humana obtém a graça, mas é, antes pela graça, que ele obtém a liberdade, além disso, da graça obtém o dom de uma estabilidade agradável e de uma força invencível” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A COORREÇÃO E A GRAÇA, 8,17 BA 24 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 251).

Adão foi criado inteiramente na graça de Deus. Ele tinha a imortalidade, não estava dominado pela concupiscência, tinha a possibilidade de não pecar. Adão, contudo, ao ceder ao pecado, permitindo que seu livre-arbítrio consentisse num ato contra Deus, perdeu sua condição primitiva. Além disso, ele arrastou consigo toda a humanidade a ser manchada por sua culpa (SESBOÜÉ, 2013, p. 252).

O homem, desde o seu nascimento, traz consigo a consequência do pecado de Adão. Esta herança pecaminosa que atingiu toda a humanidade pode ser regenerada unicamente pela graça de Cristo.

A graça que Deus havia concedido à Adão é inteiramente diversa daquela que Ele concede em Cristo. Ela dá ao homem o dom da própria perseverança. Pode novamente o homem ser livre do condicionamento da concupiscência. Ele diz textualmente:

De tal modo se veio em socorro da fraqueza da vontade humana, que ela é posta em movimento pela graça divina de um modo indeclinável e invencível, e é por isso que malgrado sua fraqueza, a vontade não desfalece e não é vencida por nenhuma adversidade (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A CORREÇÃO E A GRAÇA, 12,38 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 252).

Ele entende este movimento de libertar a liberdade é operado por Cristo. Ele, ao assumir a fraqueza humana, assumiu o lugar do homem, pode sanar a liberdade ferida, pela força redentora de sua entrega.

Esta visão de Agostinho, sobre a relação entre a graça e o livre arbítrio, foi mal interpretada por Jansênio e pelos reformadores, como se a graça fosse “irresistível” em relação à vontade humana. Agostinho tinha a preocupação em apresentar a cooperação entre a graça e a liberdade. Ele via a ação da graça como auxílio do livre-arbítrio. Não concebia que entre ambas houvesse uma relação de concorrência (SESBOÜÉ, 2013, p. 253).

“Sobre a Predestinação dos Santos”, trata-se de uma única obra em dois volumes. Agostinho a escreve diante de uma situação específica de reações que havia causado numa outra obra sua (SANTO AGOSTINHO 225-226 PL 33, 1002-1012 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 253). Suscitou-se a questão da relação entre o dom da graça de Deus e a salvação universal, “a vontade salvífica universal de Deus” (1Tm 2,4).

Agostinho, afirma que ao realizar o bem, a vontade do homem é predisposta pela graça de Deus. O homem, sozinho, sem o auxílio da graça, não pode ter nem o início da fé, nem começar, perseverar e acabar qualquer boa obra (SESBOÜÉ, 2013, p. 254). Somente a ação da graça interior nele é o que torna possível despertar, realizar e consumar qualquer obra boa. A graça suscita e move sua vontade, sua fé, sua disposição interior, sem, contudo, anular ou diminuir seu livre-arbítrio.

Sobre a obra “O dom da Perseverança”, Agostinho explica, que se trata do dom da perseverança final, ou seja, a obtenção da vida eterna. Assim ele se expressa: “Creio ter defendido com força especial a idéia de que a perseverança final é também um dom de Deusque nos predestinou para seu Reino e sua Glória” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE A PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS, 21,55 apud SESBOÜÉ, 2013, p. 255).

Havia a acusação dos monges de Marselha, que interpretavam a predestinação defendida por Agostinho, como algo que dispensava qualquer participação do homem quanto a sua Salvação. No entanto, Agostinho a defende com as seguintes explicações: “Essa obra Deus previu que realizaria, eis a predestinação dos santos” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE O DOM DA PERSEVERANÇA, 7, 15 BA 24 apud SESBOÜE, 2013, p. 254). E afirma: “Nada mais que presciência e a preparação dos benefícios de Deus pelos quais são infalivelmente resgatados todos os que são resgatados” (SANTO AGOSTINHO, SOBRE O DOM DA PERSEVERANÇA, 14,35 apud SESBOÜE, 2013, p. 254).

https://1library.org/article/principais-textos-de-agostinho-sobre-a-gra%C3%A7a.q7orokky

(*) Os grifos são meus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário