VI- REFLEXÃO DOMINICAL I
Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XV Domingo do
Tempo Comum – Ano B
Caros
irmãos e irmãs,
O
Evangelho deste domingo apresenta o primeiro envio em missão dos Doze
Apóstolos. Com efeito, o termo “apóstolo” significa, precisamente, “enviados,
mandados”. O fato fundamental é que este episódio mostra o começo da missão
apostólica, o envio do primeiro grupo de missionários, que se prolongou, sem
interrupção, até os nossos dias. Eles são enviados por Deus. Como no Antigo
Testamento Deus mandava seus profetas, no Novo Testamento, Jesus, que é o
Deus-conosco, manda seus apóstolos. Jesus os envia dois a dois e dá a eles
instruções que o Evangelista São Marcos resume em poucas palavras: “Então
chamou os Doze e começou a enviá-los, dois a dois; e deu-lhes poder sobre os
espíritos imundos. Ordenou-lhes que não levassem coisa alguma para o caminho,
senão somente um bordão; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; que
fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas” (Mc 6, 7-9).
O texto
começa com o relato da iniciativa de Jesus, que chama os Doze, enviando-os para
uma missão (v. 7). Todos os Apóstolos foram enviados, sem excluir
ninguém, o que vem especificar a urgência de compartilhar com os outros o dom
recebido. Uma tarefa reservada não para alguns, mas para todos. O
texto também procura enfatizar que a iniciativa do chamamento dos discípulos é
de Jesus: Ele “chamou-os” (v. 7). Não há qualquer explicação sobre os
critérios que levaram a essa escolha, que depende sempre de Deus. Também
no texto temos o número dos discípulos que são enviados: “doze”. Trata-se de um
número simbólico, que representa a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de
Deus. É a sua totalidade que é enviada em missão, a fim de continuar a obra de
Jesus junto aos homens.
É provável
que o envio “dois a dois” tenha a ver com o costume judaico de viajar
acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso de necessidade; pode também
pensar-se que esta exigência de partir em missão “dois a dois” tenha a ver com
a lei judaica, de acordo com a qual eram necessárias duas testemunhas para dar
credibilidade a um anúncio (cf. Dt 19,15; Mt 18,16). Essa exigência sugere
também que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária.
Este ato
indica ainda o sinal da caridade fraterna em ação, onde ninguém age
isoladamente. No auxílio mútuo, ambos encontrarão forças para suportar e vencer
as dificuldades e ataques que poderão surgir por causa da mensagem transmitida.
Com isto, Jesus indica que, dentre os sinais que devem brilhar na
evangelização, sobressai, em primeiro lugar, a caridade fraterna. Os discípulos
nunca devem trabalhar sozinhos. Ao enviar os Apóstolos dois a dois, mostra que
a missão deve ser iluminada pelo testemunho de mútua unidade e compreensão:
“Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos
outros” (Jo 13,35).
Os
Apóstolos devem ir ao encontro de todos, às suas casas e em seus ambientes com
uma missão: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (cf. Mc
16,15). E esta é a dimensão universal da tarefa confiada: “Pelo
mundo inteiro, a toda a criatura” (Mc 16,15), ao que o evangelista São Lucas
completa: “Todos os povos” (Lc 24,47); e que o Livro dos Atos dos Apóstolos
sublinha: “até aos confins do mundo” (At 1,8), mostra também a garantia, dada
pelo Senhor, de que, nesta tarefa, não ficarão os Apóstolos sozinhos, mas
receberão a força e os meios para desenvolver a missão: a força do Espírito
Santo e a assistência de Jesus: “Eles, partindo, foram pregar por toda a parte,
e o Senhor cooperava com eles” (Mc 16,20).
O
Evangelho apresenta ainda outras recomendações aos Apóstolos: Uma só túnica
para vestir; um só par de sandálias, um cajado e nada mais. Despojamento
absoluto de bens materiais, que significa o desapego, mas, ao mesmo tempo, a
confiança na providência de Deus. A preocupação com os bens materiais pode
roubar-lhes a liberdade e a disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa
atitude de pobreza e de despojamento ajudará também os discípulos a perceber que
a eficácia da missão não depende da abundância dos bens materiais, mas sim da
ação de Deus.
Chama a
nossa atenção o fato de Jesus recomendar o cajado, considerado a arma do pobre.
Razão pela qual no Evangelho de São Mateus, Jesus proíbe o seu uso (cf. Mt 10,10),
pois os seus discípulos devem ser construtores da paz, portanto, devem
renunciar a todos os instrumentos que exijam o uso da violência. Contudo,
neste trecho do Evangelho de São Marcos, Jesus permite o seu uso, porque este
instrumento tem um expressivo significado. É o utensílio que acompanha o
profeta itinerante (cf. 2Rs 4,29). No Livro do Êxodo, Moisés e Aarão, em dupla,
como bem ressalta o Evangelho deste domingo, usam o cajado para lutar contra as
forças do faraó e libertar o povo do Egito. Moisés, usando um cajado, opera
prodígios (cf. Ex 7,9-12), estende a mão sobre a nação egípcia e provoca a
chegada dos gafanhotos (cf. Ex 10,13), divide o Mar Vermelho (cf. Ex 14,16) e
faz jorrar água do rochedo (cf. Ex 17,5). O cajado é o símbolo do poder de
Deus.
Em
seguida, o texto apresenta a missão que Jesus lhes confiou: “Deu-lhes poder
sobre os espíritos imundos” (v.7). Os espíritos imundos ou impuros representam
aqui tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à vida em
plenitude. A missão dos discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo que
destrói a vida e a felicidade do homem, ou seja, o pecado. O discípulo sente-se
convidado a confiar, a ser amigo de Jesus, a compartilhar a sua sorte, a
partilhar a sua vida; deve aprender a viver na confiança da amizade de Jesus.
Uma outra
instrução refere-se ao comportamento dos discípulos diante da hospitalidade que
lhes for oferecida (v.10-11). Quando forem acolhidos numa casa, devem aí
permanecer algum tempo, certamente para formar uma comunidade, e não devem
saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses próprios
ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem
recebidos num lugar, devem, ao sair, “sacudir o pó dos pés”: trata-se de um
gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território pagão e que
simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio pelo
fechamento às propostas de Deus.
É preciso
estarmos atentos para não interpretar mal a frase de Jesus sobre ir sacudindo
também o pó dos pés quando não forem recebidos. É testemunho “para” eles, não
contra eles, para fazê-los entender que os missionários não estavam com
interesses econômicos ou materiais, por isto, não queriam levar nem sequer seu
pó. Eles estavam pregando a salvação e, rejeitando-a, eles privavam a si mesmos
de um grande bem. A Igreja hoje continua esta missão de anunciar no Evangelho e
quer compartilhar o dom recebido, cumprindo o mandato do próprio Cristo: “de
graça recebestes, de graça deveis dar” (Mt 10,8).
A outra
indicação muito importante do trecho evangélico é que os Doze não podem
contentar-se com pregar a conversão: segundo as instruções e o exemplo de
Jesus, a pregação deve ser acompanhada da cura dos doentes. Por conseguinte, a
missão apostólica deve abranger sempre os dois aspectos de pregação da Palavra
de Deus e de manifestação da sua bondade, mediante gestos de caridade, de
serviço e de dedicação.
O convite
de Jesus a evangelizar foi dirigido em primeiro lugar aos apóstolos, e hoje a
seus sucessores, mas não só a eles. Estes devem ser os guias, os animadores dos
outros, na missão comum. Peçamos a intercessão da Virgem de Nazaré para cada um
de nós, e que possamos responder com generosidade a este chamado do Senhor,
para anunciar o seu Evangelho de salvação com as palavras e, antes de tudo, com
o nosso testemunho de vida. Assim seja.
Anselmo
Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro
de São Bento/RJ
https://presbiteros.org.br/homilia-de-d-anselmo-chagas-de-paiva-osb-xv-domingo-do-tempo-comum-ano-b/
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