sexta-feira, 5 de julho de 2024

VII- REFLEXÃO DOMINICAL I: ANUNCIANDO O REINO DE DEUS E A PAZ 7 de julho – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM Por Pe. Johan Konings, sj

 

 

VII- REFLEXÃO DOMINICAL I: ANUNCIANDO O REINO DE DEUS E A PAZ

7 de julho – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

 

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

 A liturgia do 14º domingo do Tempo Comum apresenta a missão dos seguidores de Jesus. O evangelho (Lc 10,1-12.17-20 ou 10,1-9) traz a missão dos setenta e dois discípulos, portanto, um grupo mais amplo que os Doze, cuja missão está descrita em Marcos 6,7-13 (e nos textos paralelos Mt 10,1.7-14; Lc 9,1-6). O número dos setenta e dois orienta a atenção para um conceito amplo da missão. Como a missão deles é anunciar a chegada do reino de Deus e a paz, a 1ª leitura sugere uma associação ao belo anúncio da paz para Jerusalém, em Isaías 66,10-14c. A 2ª leitura, embora relativamente independente, harmoniza-se com o tema das outras duas, anunciando “a paz e a misericórdia para o Israel de Deus” (Gl 6,16). Assim, o tema principal para este domingo se define facilmente: paz. Mas exige bastante explicação.

 

 II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 

 

1.     Leitura (Is 66,10-14c)

 

Por volta de 520-515 a.C., os judeus, ao voltar do exílio babilônico, deviam restaurar o Templo e – o que era mais difícil – o povo. Por isso, o “Terceiro Isaías” dirige, ao povo humilhado e desnorteado, palavras de consolo e esperança (66,7-14). Não os homens, mas Deus mesmo criará o novo futuro, cheio de paz e de alegria, e do qual participarão todos os povos: Jerusalém será o centro dos sacrifícios das nações, que trarão suas riquezas. Todos somos chamados a sermos portadores dessa paz – assim como Jerusalém, renovada pela graça de Deus, depois do exílio, devia ser exuberante fonte de alegria, aliviando a sede das nações (= os povos estrangeiros) com a paz que vem de Deus (Is 66,11-12). No Novo Testamento, esse universalismo se realiza pela despojada missão em nome de Jesus, conforme nos descreve o evangelho.

 

2.     Leitura (Gl 6,14-18) 

 

A 2ª leitura apresenta o final da Carta aos Gálatas, final escrito por Paulo, na prisão, pessoalmente e de próprio punho (Gl 6,11). É o resumo de seu “evangelho”: não importa ser judeu ou gentio (= não judeu), pois desde a morte e ressurreição de Cristo vale a “nova criação”, marcada pela fé, que atua na caridade (Gl 5,6). A antiga criatura foi crucificada com Cristo, na cruz (6,14). Nos versículos 16-18, lemos que, para quem é nova criatura, surgem como o sol a paz e a misericórdia de Deus. Com uma reminiscência das “Dezoito Preces”, que o judeu piedoso reza diariamente, Paulo anuncia bênção, paz e misericórdia sobre todo o “Israel de Deus” (o povo universal dos que são chamados por Deus, o contrário do “Israel segundo a carne”, cf. 1Cor 10,18). 

 

3.    3. Evangelho (Lc 10,1-12.17-20) A paz de que falam as duas primeiras leituras é o tema principal do evangelho, que apresenta a missão do

 

grupo amplo de discípulos. “Em qualquer casa em que entrardes, dizei: Paz a esta casa... Curai os enfermos...” (Lc 10,5.9). E também: “Dizei ao povo: O reino de Deus está próximo!” (10,9). Essa missão não é só a dos doze apóstolos, mas dos setenta e dois discípulos que, conforme Lucas (10,1-17), foram mandados por Jesus depois da missão dos Doze (9,1-6). Os Doze representam a missão a Israel (as doze tribos). Os setenta e dois lembram os setenta e dois povos do Gênesis 10 e os setenta e dois profetas-anciãos de Números 11,24-30, que, segundo a interpretação rabínica, representam os porta-vozes da Torá (Lei) para o mundo inteiro. Lucas escreve para a terceira geração de seguidores de Jesus. Depois do primeiro anúncio do evangelho de Cristo aos conterrâneos na terra de Israel (simbolizado pelos Doze), outros (simbolizados pelos setenta e dois) o levaram para o mundo inteiro. Esse tema é caro a Lucas, evangelista do mundo universal, trilhando os passos do apóstolo Paulo. A mensagem é enviada a todos, e todos os que creem no Cristo podem ser mensageiros (a encíclica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI ensina que todos os evangelizados devem ser evangelizadores). E qual é o conteúdo da mensagem? O reino de Deus. Este se caracteriza pela “paz”, no sentido abrangente que esse termo tem na Bíblia: a harmonia total entre Deus e os homens, bem como entre os homens mutuamente. Todos somos chamados a sermos portadores dessa paz, assim como Jerusalém, segundo a descrição na 1ª leitura. Essa missão é urgente: não há que perder tempo com equipamento que mais atrapalha do que ajuda (grande problema dos missionários modernos...), nem passar horas com amplas saudações orientais (as “indispensáveis” visitinhas do padre às boas cozinhas de sua paróquia...). Porque a mensagem da paz é salvadora, e muitos a esperam. Muitos aguardam uma esperança que possa levantar sua vida desanimada e desnorteada. Vida desnorteada, porque há quem não está interessado na paz de Deus, e sim no engano, nas falsas promessas de bem-estar, na competição e, finalmente, no mútuo extermínio. A publicidade não apresenta, abertamente, o sobrepujar os outros como fonte de felicidade, oferecida pelos mais diversos produtos da produção industrial? Diante disso, a mensagem da paz de Deus não é nada “pacífica” (cf. Lc 12,51). Quanto às casas e cidades que “não forem dignas” da paz messiânica, os enviados devem sacudir até o pó que lhes grudou aos pés, em testemunho contra elas. Mas saibam, mesmo assim: “O reino de Deus está próximo” (10,6.10-11). Para anunciar a paz, o evangelizador deve enfrentar o conflito; sabem isso muito bem os que participam das comissões de “Justiça e Paz” e iniciativas semelhantes. A missão do cristão não é, antes de tudo, propagar alguma pia obra e nem mesmo a própria instituição da Igreja. É evangelizar, anunciar uma boa-nova, o verdadeiro alívio do homem que sinceramente busca o sentido último de sua vida, Deus. Quem anuncia isso não deve complicar sua missão com coisinhas. Ele mesmo seja a “paz” em pessoa, não no sentido de comodismo, mas de benfazeja doação. Por isso, só pode ser evangelizador a “nova criatura” de que Paulo fala no emocionante final da Carta aos Gálatas (2ª leitura). O anúncio do cristão é igual ao de Jesus mesmo: “O reino de Deus está próximo” (Lc 10,9; cf. Mc 1,15 = Mt 1,17). Entendamos bem: o “reino” não é alguma instituição poderosa, mas o reinado de Deus, o exercício de sua vontade, como rezamos no pai-nosso: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade”.

 

III-PISTAS PARA A REFLEXÃO 

 

Anunciar a paz e o Reino: Quando eu era coroinha e acompanhava o padre que, de batina e estola, passava pelas ruas para levar a comunhão aos enfermos, ao entrar nas casas que o esperavam, ele dizia, em latim: “Pax huic domui”, “Paz a esta casa!”. Poucos gestos cristãos aproximam-se mais do que esse da missão que Jesus confiou a seus discípulos. Os judeus, voltando do cativeiro babilônico, receberam, pela boca do profeta, a missão de levar ao mundo inteiro a paz – a harmonia com Deus e com os homens. É essa também a missão que Jesus, no evangelho, confia aos setenta e dois discípulos. Os setenta e dois representam a assembleia guiada pelo espírito de Deus. Eles têm de sair pelos caminhos e pregar ao povo a chegada do reino de Deus, anunciando: “Paz a esta casa”, a esta família. E o sinal dessa paz são os fatos extraordinários que os acompanham: curas, expulsões de demônios... Hoje: reconciliação, ânimo... O termo “paz”, na Bíblia, pode também ser traduzido como “felicidade”. Não é apenas o silêncio das armas, mas, sobretudo, a harmonia com Deus e com todos os seus filhos: o bem-estar conforme o plano de Deus. É a síntese de todo o bem que se pode esperar de Deus; por isso, vai de par com o anúncio de seu reino, a realização de sua vontade, de seu desejo. Essa paz não cai como um pacote do céu, nem se faz em um só dia. É uma realidade histórica. É fruto (obra) da justiça (Hb 12,11; Tg 3,18; cf. Is 32,17). A paz cresce em meio às vicissitudes da história humana, em meio às contradições. Mas a fé, que fixa os olhos na paz que vem de Deus, orienta-nos em meio a todos os desvios. Anunciar a paz ao mundo, apesar de todos os desvios, é como as correções de rota que um avião continuamente tem de executar para não se desviar definitivamente. Jesus manda seus discípulos com a mensagem da paz, para que o mundo se anime a continuar procurando o caminho do Reino. No concreto, anunciar a paz de Cristo acontece não só por palavras, mas por atos. Não basta falar da paz, é preciso mostrar em que ela consiste, realizando atos exemplares. É preciso, também, construí-la aos poucos, pacientemente, pedra por pedra, implantando passo a passo novas estruturas, que eliminem as que são contrárias à paz. Muitas pessoas entendem paz como “deixar tudo em paz”. Mas a paz não é tão pacífica assim! Por isso, Jesus manda anunciar a paz como algo que vem juntamente com o reino de Deus. Devemos, aos poucos, transformar o mundo, para que esse anúncio não permaneça palavra vazia.

Pe. Johan Konings, sj

 

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e licenciado em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Leuven (Lovaina). Atualmente é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A - B - C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje.
E-mail: konings@faculdadejesuita.edu.br.

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/7-de-julho-14o-domingo-do-tempo-comum/

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