VIII- REFLEXÃO DOMINICAL III:
“RECOMENDOU-LHES
QUE NÃO LEVASSEM NADA PARA O CAMINHO”
Não levar
nada para o caminho não significa não ter nada. Na realidade, significa ter
tudo. São Paulo nos diz em uma de suas cartas: “Tudo é vosso! Mas vós sois de
Cristo, e Cristo é de Deus.” (1Cor 3,22-23). Ter Deus significa ter tudo,
porque tudo é Dele. Mas também significa ter nada, porque nada pode nos
assegurar o que precisamos para viver. Onde quer que estejamos haveremos de
encontrar o que precisamos. O que podemos levar é o que é necessário para
caminhar. Porque o que carregamos para o amanhã nos pesa hoje e pode nos
atrapalhar a caminhada. O envio que Jesus faz aos discípulos os prepara para a
liberdade e para a simplicidade. Porque, na verdade, o que mais nos atrapalha é
a nossa mentalidade de que quando temos todas as condições fazemos um trabalho
melhor. Infelizmente, temos de admitir que, quando temos os melhores recursos,
não damos o melhor de nós. E o que temos de melhor reside dentro de nós. Isso
nada tem a ver com viver de maneira inconsequente, mas significa viver abertos
à providência de Deus e à cooperação das pessoas que encontramos pelo caminho.
É da própria vida que tiramos o que precisamos para viver. É preciso, portanto,
acreditar nos dons que Deus nos dá todos os dias. É por isso que Jesus nos
ensinou a pedir o pão de cada dia e não de uma semana ou de um mês. Isso vale
também para a oração. Peço hoje o pão de hoje. Amanhã pedirei o pão do hoje que
terá chegado. É assim que vamos aprendendo a viver de verdade a vida e deixamos
de passar a vida nos preparando para viver algum dia no futuro. Lembro-me de
uma pessoa que conheci, um pai de família. Mostrava-me sua casa, que era muito
grande e bem acabada. Fiquei admirado com a obra e mais ainda com a história de
sua construção. Ele disse que fez o projeto quando era ainda recém casado, mas
como não tinha recursos para fazer a obra de uma só vez, foi fazendo aos
poucos. Trabalhara pessoalmente na construção e também fizera muitas horas
extras no emprego para ter dinheiro para continuar o empreendimento. Demorou
muito tempo, mas tinha conseguido. Com paciência e muito trabalho tinha
realizado o sonho de ter uma casa grande, confortável, com um quarto para cada
filho. Então, fiz-lhe um elogio e parabenizei-o por ter conseguido executar
aquele projeto tão bonito e com tantas dificuldades. Mas, ele me respondeu
assim: “Foi muito bom! Mas, agora que terminei a casa, meus filhos já se
casaram há muito tempo e se mudaram. Ficamos apenas eu e minha esposa. E ela
está sempre reclamando porque a casa é muito grande para cuidar”.
Solidariamente, fiquei triste junto com ele. Se soubesse que isso aconteceria
teria trabalhado menos e não teria feito dessa casa o seu grande projeto.
Parecia útil quando pensou, mas a vida mostrou que aquilo que parecia tão útil
quando começou o caminho acabou mostrando-se um peso para a continuação da
caminhada. É por isso que vale a pena não levar nada para o caminho. Talvez tenha
sido essa inspiração do poeta espanhol, Antonio Machado, nos versos de “Proverbios
y cantares” (XXIX)” em “Campos de Castilla” (1912): “Caminhante, são tuas
pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao
andar. Ao andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás se vê a senda que
nunca se há de voltar a pisar. Caminhante não há caminho senão marcas no mar...
” Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo
Auxiliar de São Paulo.
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