V- VI- REFLEXÃO DOMINICAL I:
SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA
SENHORA: A VIDA PLENA EM DEUS
Por Marcus Mareano
I.
INTRODUÇÃO
GERAL
O
mistério da assunção nos faz voltar o olhar para o alto, para o mistério de
Deus, para a destinação final de todos nós. Ao mesmo tempo, olhamos para nossa
realidade terrena, material e carnal, na qual Deus se manifesta. Maria foi
“assunta” aos céus “a partir de” e “com” nossa realidade humana.
A solenidade celebra a
proclamação do dogma por Pio XII em 1º de novembro de 1950. Conforme lemos no
documento Munificentissimus Deus:
“A imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida
terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. O enunciado do
magistério não explica “como” aconteceu esse evento, apenas comunica o final da
vida de Maria, a mãe de Jesus.
Maria
compartilha o destino do Filho, o qual um dia também compartilharemos. Ela
participou da vida de Jesus, foi discípula fiel, parte da comunidade
perseverante na oração e apóstola do mistério de Cristo. Então, foi
ressuscitada por Deus, ou seja, foi assumida de corpo e alma, em sua
totalidade, por Ele.
A
destinação de Maria diz respeito também à nossa destinação final. Esperamos
participar da ressurreição de Jesus como ela já participa. Professamos essa fé
e aguardamos a realização, em nosso corpo, dessa glorificação definitiva.
II.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
2.1-I leitura (Ap 11,19a;12,1.3-6a.10ab)
A
primeira leitura narra a abertura do santuário de Deus no céu, a qual foi
seguida de uma série de manifestações consequentes da visão da esfera celestial:
relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e tempestade de granizo (Ap 11,19b).
Esses fenômenos naturais acompanhavam as teofanias no Antigo Testamento. O
texto quer mostrar que algo divino está se manifestando.
Então,
aparece nessa dimensão transcendente, o céu, um grande “sinal”. O Apocalipse
usa esse termo para evocar os feitos divinos maravilhosos ou estupendos, assim
como o livro do Êxodo fala dos “sinais” que Deus fez para o povo na saída do
Egito. Surge uma mulher gloriosa, com características celestiais e divinas,
pois era revestida de astros; vestida com o sol, possuía a lua debaixo dos pés
e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas (v. 1). Estava grávida e gritava
por causa das dores de parto, como a descrição em Gn 3,15-16, pois estava
sofrendo com o trabalho de dar à luz o Messias (v. 5).
Em
contrapartida, aparece outro sinal no céu, contrastando com o anterior: uma
hostilidade, uma adversidade, um grande Dragão, avermelhado como fogo (v. 3).
Ele tinha sete cabeças (plenitude de poder político – Ap 17,3.7.9) e dez
chifres (grande número de vassalos – Ap 17,12.16) e, sobre as cabeças, sete
diademas (insígnias de realeza). Seu poder e fúria são descritos por meio
dessas cabeças, chifres e diademas.
A
Mulher, representação da comunidade de fé, a Igreja, fugiu para o deserto,
lugar valioso de refúgio dos perseguidos, oposto à cidade e evocador da ação de
Deus (Ex 2,15; 1Rs 19,3-4; 1Mc 2,29-30). No tempo em que o livro foi escrito, a
comunidade cristã de Jerusalém, expulsa pelo Império Romano por causa da Guerra
Judaica, teve de se refugiar no deserto, do outro lado do rio Jordão (em Pela).
O autor lembra o tempo do êxodo, no qual Deus tinha alimentado o povo de Israel
no deserto do Sinai (Ex 16; Sl 78), e assim Ele prepara novamente um lugar onde
seu povo seja alimentado durante 1.260 dias (Ap 11,2), como outrora o povo de
Israel.
O
trecho selecionado para a liturgia conclui com a proclamação da vitória de
Deus: “agora chegou a salvação” (v. 10a). O acusador e perseguidor da
comunidade de fé é derrotado pela chegada do Reino de Deus, do poder e da
autoridade de Cristo. Assim, Maria assunta ao céu, celebrada nesta solenidade,
representa essa vitória, da qual nós participamos prolepticamente por meio da
fé.
2,2- II leitura (1Cor
15,20-27a)
Na
comunidade de Corinto, Paulo enfrentava um problema de cunho doutrinal, a
saber, a negação da ressurreição. Alguns fiéis, em virtude de uma compreensão
antropológica diferente, segundo a qual o corpo não participaria da salvação
escatológica, negavam a ressurreição dos mortos e a de Cristo (1Cor 15,12).
Essa
negação vinha de uma perspectiva espiritualista platônica, dualista, na qual
não se aceitava uma vida “corpórea” no além-morte. O corpo ressuscitar, nesse
entendimento errôneo, significava um rebaixamento e uma contradição à vida
espiritual, pois os espirituais já teriam atingido a perfeição da sabedoria e
do uso dos carismas. Por isso já se sentiam ressuscitados, alienando-se do
momento presente e considerando a morte sem o acréscimo de realidades novas.
O
ponto de partida da argumentação de Paulo é o credo cristão primitivo (1Cor
15,3-5), segundo o qual Cristo morreu pelos nossos pecados (1Cor 15,3), foi
sepultado (1Cor 15,4a), foi ressuscitado ao terceiro dia (1Cor 15,4b), apareceu
a Cefas e a um grupo de discípulos (1Cor 15,5).
Então,
a passagem da liturgia deste domingo afirma a ressurreição de Cristo como
primícias dos que morreram (v. 20). Portanto, em Cristo, todos ressuscitarão
conforme seu tempo, sua ordem e momento (v. 22-23). A celebração da Assunção de
Maria afirma a participação de Maria no mistério da ressurreição, do qual um
dia também participaremos. Os dois eventos (ressurreição de Jesus e assunção de
Maria) proclamam a vitória do amor de Deus sobre o pecado humano, a superação
da morte pela vida e o triunfo da comunhão sobre a separação.
Para
Paulo, a corporeidade humana é atingida pela ação salvífica de Deus. O Cristo
crucificado e ressuscitado possui um corpo (1Cor 10,16; 11,27). A ressurreição
puramente espiritual não corresponde ao sentido do batismo, pois por ele o
cristão é inserido no corpo de Cristo, para que a morte seja superada e vencida
pela força ressuscitadora do Espírito Santo.
2.3-
Evangelho
(Lc 1,39-56)
A
mirada para o além, para a destinação final e para a assunção não pode nos
distrair da realidade pragmática na qual vivemos. O Evangelho apresenta
indicações de como Maria praticava sua fé: escuta de Deus, disponibilidade para
servir e reconhecimento das maravilhas do Senhor na própria vida.
A
passagem se inicia com Maria “levantando-se e indo apressadamente”, desde
Nazaré da Galileia até as montanhas da Judeia, para chegar à casa de sua prima
Isabel. A novidade anunciada pelo anjo (Lc 1,26-38) não a acomoda, mas põe a
“serva do Senhor” em movimento para servir a quem precisa. Ela visita porque
foi visitada por Deus! Isabel, representante da esperança do povo de Israel,
estava grávida do precursor do Messias. O encontro entre as duas mulheres e
entre as duas crianças repercute fisicamente em seus ventres e nas emoções de
ambas as mães (v. 39-45). A esperança se encontra com a realização da promessa.
Na sequência, Maria
canta, enaltecendo o Senhor, que fez maravilhas por ela e por seu povo (v.
46-55). O Magnificat é
proclamação forte, aguerrida e revolucionária da ação divina na história humana.
Demonstra a predileção de Deus pelos humildes e pobres, e o desejo de
estabelecimento de um mundo de relações mais igualitárias e justas. Cantando,
Maria resume os feitos do Senhor na história do povo de Israel e prolonga seu
“sim” comprometido com o projeto salvífico de Deus.
Por
fim, a imagem da mulher grávida, capaz de dar à luz a novidade de Deus para o
mundo, une-se à imagem da mulher assunta e acolhida por Deus. A espera inicial
do “novo” se liga ao destino dado pelo Senhor como dom aos que creem. Maria,
mulher de fé, precedeu-nos!
2.4-
PISTAS
PARA REFLEXÃO
Relendo
o dogma da Assunção de Maria e pensando em suas repercussões, podemos
compreender que não somos uma alma aprisionada em um corpo. Este não constitui
um empecilho para nossa plena realização como seres humanos destinados à
comunhão com Deus. Ao contrário, na ressurreição, nossa corporeidade é
resgatada e transfigurada no absoluto mistério de Deus.
Assim,
Maria, glorificada no céu em corpo e alma, é a imagem e o começo da Igreja e da
humanidade do futuro, um sinal escatológico de esperança e consolo para o povo
de Deus que caminha para a pátria definitiva. As pessoas que vivem uma
consagração específica em um carisma explicitam esse sinal escatológico. Vivem
no aquém as realidades do além, como ensina o dogma da Assunção de Maria.
O papa Francisco,
pensando na Assunção de Maria, reza desta maneira: “Maria, a mãe que cuidou de
Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim
como chorou, com o coração trespassado, a morte de Jesus, assim também agora se
compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo
exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente
transfigurada, e todas as criaturas cantam sua beleza” (Laudato Si’, n.
241). Que seja assim nossa oração e que ela se torne ação e compromisso de fé e
vida.
Marcus
Mareano
é bacharel em Filosofia pela
Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica,
com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na
Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora
com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador
paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: marcusmareano@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/solenidade-da-assuncao-de-nossa-senhora-15-de-agosto/
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