VIII-REFLEXÃO DOMINICAL IV: O MESSIAS SOFREDOR
Embora
Cristo tenha se referido explicitamente apenas uma vez ao tema do Servo
Sofredor (Lc 22,27; cf. Is 53,12), a tradição primitiva não deixou de notar
inúmeras aproximações entre Ele e o servo. Desde o Batismo, a vocação
messiânica do Senhor aparece como a do “Servo-Filho” (Mc 1,11; cf. Is 52,13);
as curas feitas por Jesus revelam a sua função de Servo expiatório (Mt 8,16;
cf. Is 53,4); a sua humildade é a mesma que é atribuída ao Servo (Mt 12,18- 21;
cf. Is 42,1-3). O tema do Servo Sofredor é, portanto, aquele que mais claramente
explicita a necessidade do Salvador passar pelo sofrimento e pela morte para
realizar seu projeto de salvação. Assim, o Messias “Servo sofredor” causa
escândalo! Se para confessar a messianicidade de Jesus é necessária a
inspiração e revelação do Pai (Mt 16,17), mais difícil e cansativo é o caminho
da fé que aceita o “escândalo” da cruz. Os discípulos, embora se distanciassem
dos outros ouvintes de Jesus, não aceitaram a “necessidade” da cruz. A esta
tarefa de educação e purificação da fé dos seus discípulos, Jesus dedicar-se-á
quase exclusivamente no seguimento do Evangelho. Há uma forma de raciocinar de
acordo com Deus, e há uma de acordo com os homens. O critério para
distingui-los é apenas um: a cruz, na qual todos os dias se deve “renunciar um
pouco para si próprio”. É por isso que a reprovação a Pedro é seguida por um
convite para ir atrás de Jesus, como discípulos verdadeiros. O verdadeiro
discípulo também deve tomar a sua cruz; na verdade, é preciso perder a vida
para a encontrar de volta. Uma das características predominantes do Novo
Testamento surge neste ponto: a ligação entre o indicativo “Cristo é o Messias
sofredor” e o imperativo “você deve segui-lo no caminho da cruz”. A experiência
da cruz, portanto, é mensagem de esperança, mesmo que ela continue a ser para
muitos “loucura” e “escândalo”. Estamos dispostos a aceitar Jesus como o
Cristo, como o Filho de Deus, como o enviado do Pai, mas o Cristo do Calvário
continua a ser um mistério para nós. O grande mistério é que o reino de Deus continuou
o seu caminho mesmo quando os homens mataram o Filho de Deus. Deus, que sofre
conosco num ato supremo de amor, ama o mundo e se apresenta a nós como um
salvador em uma das penas de morte mais cruéis que a humanidade conhece: uma
haste vertical e outra horizontal; lá em cima, pendurado, há um homem que é
Deus. Essa cruz se estende em todas as direções como um homem de braços
estendidos, apontando para o insondável mistério de Deus, o centro do mistério.
Na cruz, Deus abriu o seu coração, revelou o seu segredo mais profundo: um Deus
solidário com toda a humanidade. Portanto, irmãos e irmãs, deixemos ressoar em
nossa vida e em nosso coração que não existe discipulado sem cruz e sem
renúncia de si. Dessa forma, se não houver uma morte do nosso “eu”, do nosso
ego, então, não haverá a verdadeira adesão a Ele, de modo que nossa vontade não
estará totalmente entregue e curvada a Jesus. Ouçamos a pergunta que Jesus
dirigiu aos discípulos e dirige a nós, discípulos desta hora: “E vós, quem
dizeis que Eu sou?”. Não se trata aqui de uma resposta meramente teórica, mas
uma resposta que deve trazer repercussões na nossa vida. Talvez devêssemos
pensar na pergunta de Jesus dessa forma: Que papel Ele desempenha na minha
vida? Como me relaciono com Ele? Eu o amo? E o procuro de coração? Estou
disposto a renunciar a tudo para segui-lo? Perguntas atuais numa sociedade como
a nossa que virou as costas para o Cristo, afirmando ser Ele anacrônico e
ultrapassado. Que as palavras do Evangelho nos desinstalem, nos provoquem e nos
façam cada vez mais certos de seguir o Cristo que é o Messias sofredor e
salvador do mundo.
Dom Cícero Alves de França Bispo
Auxiliar de São Paulo
https://arquisp.org.br/sites/default/files/folheto_povo_deus/ano-46b-51-24-domingo-tempo-comum.pdf
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