XII- "TEMPUS FUGIT, CARPE DIEM!CHRONOS X KAIRÓS: NEM TODO
TEMPO É IGUAL. EM QUAL DELES VOCE ESTÁ VIVENDO?"
Lindolivo Soares
Moura( *) (**)
"Vista pelos jovens a vida é um futuro infinitamente longo; vista pelos
velhos, um passado muito breve" [Arthur Schopenhauer]
Os poetas e
os músicos são fantásticos: quando não sabem das coisas, intuem. Usam e abusam da "inspiração",
muito mais que da "reflexão". E por isso mesmo beiram o divino em suas letras e composições. Diferentemente
dos filósofos, de quem se requer
precisão no uso das palavras, gozam de uma licença especial denominada
"licença poética", e é com ela que "pintam e bordam" seus
poemas, letras e criações. Quem os lê, os ouve e os segue, consegue reverberar na própria alma o Grande
Mistério, sente uma espécie de êxtase inenarrável e indescritível.
Não nos
apressemos e muito menos, entretanto, nos atrevamos em negar-lhes profundidade.
Semelhantemente aos filósofos, que temem a superficialidade e abominam a
futilidade, poetas, escritores e compositores chegam a ser ainda mais profundos
e radicais ("radix, em latim = raíz = profundo, profundidade). Suas
intuições -- intus ire -- são muito semelhantes aos "insights" da
Psicologia, o que mais uma vez lhes assegura um passo à frente em relação aos
filósofos, motivo pelo qual são por vezes muito apropriadamente chamados de
"pensadores".
Gostaria de
explorar um único verso da música "Tempo tempo tempo", De Caetano
Veloso em parceria com o Grupo A Outra Banda da Terra. O verso a que me refiro
é este: "peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso, tempo, tempo,
tempo, tempo, quando o tempo for propício, tempo, tempo, tempo, tempo".
Prazer legítimo e movimento preciso "quando o tempo for propício".
Não deixe passar desapercebidos: do prazer, se diz "legítimo", do
movimento, "preciso", e do tempo, "propício".
Os gregos,
dos quais nossa cultura ocidental herdou sem dúvida grande herança, lançavam
mão de dois termos substancialmente diferentes para se referir ao tempo. Um
deles, "Chronos", é por todos nós bastante conhecido, o outro,
"kairós", nem tanto. "Chronos" é o tempo comum,
indiferenciado, igual para todos: o tempo das horas, dias, meses, anos e estações.
"Kairós", diferentemente, é o tempo propício, favorável, da
completude e da plenitude: "quando chegou a plenitude dos tempos Deus
enviou o seu Filho ao mundo...". Esse pequeno detalhe, com o qual trabalha
o Texto considerado Sagrado, e que quase sempre nos passa desapercebido, vem carregado de uma
profundidade e de uma intencionalidade de riqueza peculiar. A própria Escritura considerada Sagrada diz
que tudo já estava preparado: corações
convertidos, esperança renovada, caminhos aplainados. Advento e parusia
pareciam haver entrado em perfeito sincronismo: "Aquele que eu vos
anunciei, agora lhes apresento: já está no meio de nós", foram as palavras
de João, o Batista, o Precursor, dirigidas aos seus discípulos. Esse detalhe da
propicialidade e da preciosidade do tempo tem uma uma lição preciosa a nos
ensinar, algo que não devemos deixar passar.
A maioria de
nós vive atabalhoadamente às pressas, numa correria sem fim, tropeçando em tudo
e em todos: "chronos", é assim.
Acossados por tudo e por todos, e de todos os lados, nossa vida e a vida
daqueles que amamos perdem em qualidade, ganham em cansaço, estresse e
ansiedade, e a rotina e o marasmo vão se instalando e nos tirando pouco a pouco
o sentido da vida e a razão do viver. Em seu pequeno livro, "Psiquiatria
da Alma", John Powell traça o seguinte perfil do que ele chama de
fanático: "fanático é aquele que perdeu de vista seu ideal e se desdobra
em esforços para alcançá-lo". Powell acrescenta, falando dos mineiros que
trabalhavam nas minas: "costumamos sair com as mulas para fora da mina ao
menos uma vez por semana, para evitar
que fiquem cegas".
Chronos não é
de fato um bom mestre: vai consumindo lenta e gradualmente nossas forças,
consumindo nossa energia, e minando a acuidade de nossos sentidos, até
contaminar o mais precioso: nosso sentido da vida, nossa percepção de mundo,
fazendo finalmente com que percamos nosso ideal e continuemos nos desdobrando
em esforços para alcançar um ideal que já não existe. Perdido de vista esse
ideal, esse sentido e esse significado, a vida se torna banal, ordinária,
fútil, mesquinha e terrivelmente
medíocre.
Mas
felizmente nem tudo está perdido. Nunca devemos nos esquecer que somos humanos,
e humanos que somos, capazes de conferir sentido e significado a tudo que existe,
a cada experiência que a vida nos proporciona. Imaginar que a capacidade de
pensar e refletir seja nosso grande diferencial é empobrecer nossa imagem e
semelhança com o Criador de tudo. Infinitamente mais importante que isso, somos
capazes de simbolizar, transcender, criar ritos e rituais. A vida não traz em
si mesma a revelação de seu sentido: a vida terá sempre o sentido e o
significado que cada um de nós a ela atribuirmos.
Gonzaguinha,
outro grande poeta e compositor, soube como poucos expressar esse recurso
particularmente humano. Mais que isso, apontou para a "pureza da resposta
das crianças", que semelhante ao olhar dos poetas, criadores e
compositores, têm um olhar menos opacos, mais puro e menos contaminado, e por isso mais capaz, como diria Otto Lara
Rezende," de ver o nunca visto", de descobrir o jamais percebido, de
trazer canto e reencanto às coisas mais simples da vida.
Crianças,
poetas e idosos vivem num tempo diferente do nosso, da maioria de nós adultos. Enquanto somos
premidos e literalmente espremidos por "Chronos", eles vivem regidos
e orientados por "kairós", tempo propício e favorável. "Há um
tempo para cada coisa debaixo do céu": não é assim que reza a Escritura
considerada Sagrada? E se assim é, nem
todo tempo é propício e favorável para tudo e para qualquer coisa. A tarefa de
saber auscultar e "interpretar" de maneira sábia e prudente os sinais
de cada tempo, períodos e fases de nossa vida, cabe a cada um de nós. Saber
receber "Chronos" como um dom e uma graça inestimáveis, e transformá-lo
em "kairós" - tempo propício e favorável para algo especial e
específico - é tarefa indelegável e divinamente humana. Afinal, "quando
Deus coroa nossos méritos, nada mais faz que coroar seus próprios dons"
[Sto. Agostinho].
(*) Reflexão enviada por
whatsapp, de Vitória(ES)
(**)
Lindolivo Soares Moura é )Psicólogo e Professor Universitário no Consultório de
Psicologia- Universidade Federal do Espírito Santo- Vila Velha, Espírito Santo, Brasil.
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