sábado, 5 de outubro de 2024

XIII-REFLEXÃO DOMINICAL III: 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CRIADOS PARA FAZER COMUNHÃO Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

 

 

XIII-REFLEXÃO DOMINICAL III:

27º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CRIADOS PARA FAZER COMUNHÃO

 

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

 

 

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

 Este é o primeiro domingo do mês das missões, tempo rico de reflexão e conscientização sobre a condição de discípulo(a) e missionário(a) de Jesus Cristo que o sacramento do batismo confere a toda pessoa que o recebe. Providencialmente, a liturgia deste dia recorda a missão primordial do ser humano: criar laços, viver em comunhão. E uma das expressões mais privilegiadas dessa missão é a vida matrimonial, pois permite o máximo de comunhão entre dois humanos, a ponto de tornarem-se uma só carne. É essa a temática que une a primeira leitura e o Evangelho. O texto do Gênesis mostra a incompletude do ser humano sozinho: mesmo envolto dos demais seres da criação, ele permanece na solidão, enquanto não encontra “carne da sua carne” para fazer comunhão. No Evangelho, Jesus, provocado pelos fariseus sobre a licitude do divórcio, remete-se ao projeto originário do Criador – homem e mulher unidos para sempre como uma só carne –, reconhecendo as concessões da Lei como consequência da dureza de coração do povo. O texto da carta aos Hebreus recorda o amor solidário e incondicional de Jesus pela humanidade: assumindo a condição humana em plenitude, experimentou o que é inerente a ela, como o sofrimento e a morte.

 

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 

 

1.    I leitura (Gn 2,18-24) 

 

A primeira leitura faz parte do segundo relato da criação do livro do Gênesis (Gn 2,4b-3,24), um texto atribuído à tradição javista, cuja origem remonta, provavelmente, à época de Salomão (século X a.C.). Com efeito, os aspectos sapienciais do texto convergem para essa origem. Como é sabido, trata-se de um relato catequético e teológico, sem nenhuma pretensão histórica ou científica. O objetivo é ensinar que é Deus a fonte originária da vida e mostrar sua preocupação com a felicidade do ser humano e com toda a criação. Enquanto, no primeiro relato (Gn 1,1-2,4a), pertencente à tradição sacerdotal, o ser humano – criado homem e mulher – é a conclusão da criação, no relato javista ele é também o princípio. Primeiro, Deus criou o homem (Gn 3,7); em seguida, colocou-o num rico e fértil jardim, com grande diversidade de árvores e água para regá-las (Gn 3,8-17). Ao contemplar tudo isso, no entanto, Deus constata a incompletude da sua obra, devido à solidão do homem. É esse o ponto de partida do trecho lido neste domingo (v. 18a).

 

Para suprir a solidão do homem, Deus continua a criar; pensa numa criatura que seja correspondente, quer dizer, semelhante (v. 18b). Como possível solução, criou os animais e conferiu ao homem a capacidade de dar-lhes os nomes (v. 19). Dar o nome a um ser, na Bíblia, significa ter poder sobre ele. Desse modo, Deus torna o homem também sujeito da criação. O homem, porém, não encontrou entre os animais nenhum ser com quem pudesse fazer comunhão, continuando incompleto, solitário e, consequentemente, infeliz (v. 20). Ao dar-se conta de que os animais não são capazes de suprir a solidão do homem, Deus providencia a criatura semelhante (v. 21-22). A imagem da costela tirada do homem significa a igualdade da mulher, em essência e dignidade; logo, não pode ser usada para justificar inferioridade ou submissão. Significa também a capacidade e a necessidade de relação para encontrar a felicidade. Ao ver a mulher, o homem exclama, sentindo-se, finalmente, completo e realizado (v. 23).

A declaração final do texto (v. 24), além de fundamentar o modelo de matrimônio monogâmico e indissolúvel, confirma que a realização plena do ser humano passa pela relação com o outro. Independentemente do estado de vida, o ser humano – homem e mulher – precisa de comunhão.

2.    II leitura (Hb 2,9-11) 

 

Iniciamos uma sequência de sete domingos em que a segunda leitura será tirada da carta aos Hebreus. Apesar de inserido entre as cartas do Novo Testamento, esse escrito não pertence ao gênero epistolar. Trata-se de uma homilia exortativa e expositiva, de rica teologia, dirigida a uma ou mais comunidades cristãs de origem judaica que passavam por dificuldades, como crise de identidade e perseguição. O anônimo autor foi um erudito judeu-cristão, profundo conhecedor das Escrituras e da liturgia judaica. A época mais provável da redação é a década de 60 d.C., quando os serviços litúrgicos do templo de Jerusalém ainda funcionavam. A leitura deste dia pertence à primeira parte (1,5-4,13), que apresenta Jesus Cristo como a revelação definitiva de Deus e, por isso, superior aos anjos e Moisés, mediadores da Antiga Aliança.

 

O breve trecho chama a atenção para a solidariedade de Cristo à humanidade e sua fidelidade ao Pai. Jesus assumiu plenamente a condição humana, passando pelo sofrimento e morte; contudo, tendo ressuscitado, está glorificado (v. 9). Isso mostra que a condição humana não é empecilho para a realização plena do projeto de Deus; pelo contrário, é o meio privilegiado, pois foi no sofrimento que Jesus provou sua fidelidade ao Pai e o amor incondicional à humanidade (v. 10). Sua mediação é perfeita, porque ele, o Santificador, fez-se irmão dos santificados – a humanidade inteira (v. 11). Por isso, pode nos conduzir ao Pai, sem ignorar nossas limitações.

3.    Evangelho (Mc 10,2-16) 

 

O Evangelho deste domingo está inserido no contexto do caminho de Jesus com seus discípulos para Jerusalém, cujo desfecho será a paixão, morte e ressurreição. Enquanto caminham, Jesus ensina e é constantemente confrontado, tanto pelos seus discípulos quanto por opositores declarados, como os fariseus, interlocutores do confronto a que assistimos nesta liturgia e tradicionais adversários, desde o início do ministério na Galileia (Mc 2,16; 3,6; 7,1). Com eles, o confronto é sempre no campo doutrinal, sobretudo na maneira de compreender e interpretar a Lei.

 

Desta vez, o confronto diz respeito à legitimidade do divórcio: os fariseus perguntam se é permitido ao homem divorciar-se da mulher (v. 2). A pergunta deles é maliciosa; o objetivo é pôr Jesus à prova para posteriormente acusá-lo. Como fiéis observadores da Lei, já tinham opinião formada e conhecimento a respeito desse tema. Por isso, Jesus, em sua resposta, remete ao que Moisés ordenou (v. 3), e eles replicam, confirmando (v. 4): de fato, Moisés permitiu ao homem dar certidão de divórcio à mulher e despedi-la (Dt 24,1-4). Jesus, todavia, recorda o motivo da concessão de Moisés: a dureza de coração do povo, ou seja, o pecado (v. 5). A vida regida pela Lei não corresponde aos propósitos originais da criação. A Lei foi dada para corrigir. De sua parte, Jesus não veio ao mundo para conformá-lo à Lei, mas para recuperar o projeto da criação, com a instauração do Reino de Deus. Por isso, orienta seus interlocutores para o começo da criação (v. 6-9): Deus criou homem e mulher e os uniu em perfeita comunhão, para se tornarem uma só carne.

Mais uma vez, o evangelista evidencia o caminho e a casa como lugares privilegiados da catequese de Jesus. Por isso, diz que, em casa, os discípulos fizeram perguntas sobre o assunto (v. 10). A eles Jesus responde com maior profundidade: “Quem se divorciar de sua mulher e se casar com outra cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e se casar com outro, cometerá adultério” (v. 11-12). Nessa resposta, Jesus reafirma seu compromisso com o projeto da criação – segundo o qual o divórcio não deveria existir – e traz grande novidade: a condição de igualdade entre o homem e a mulher, afirmando que também o homem comete adultério ao divorciar-se da mulher e se casar de novo. Conforme a Lei, a culpa e as consequências do divórcio recaíam sempre sobre a mulher, que poderia ser até apedrejada. Ao redirecionar a humanidade ao plano da criação, Jesus combate todos os preceitos que geram discriminação, exclusão e morte.

Na parte final, o evangelista põe novamente em cena personagens muito caros na etapa do caminho: as crianças (v. 13). A ênfase de Jesus e do evangelista nas crianças tem uma função didática muito específica, sobretudo para a formação dos discípulos. Com efeito, quanto mais se aproximavam de Jerusalém, mais eles alimentavam projetos de poder e sonhos de grandeza. Diante disso, o evangelista insiste em apresentar as crianças como modelo, considerando a insignificância que lhes era atribuída na época. Na controvérsia sobre o divórcio, Jesus elevou a mulher à condição de igualdade; agora, com as crianças, eleva todas as categorias de pessoas excluídas à condição de preferidos e preferidas do Reino (v. 14-15). O gesto de abraçar, abençoar e impor as mãos sobre as crianças (v. 16) enfatiza o amor acolhedor de Jesus pelas pessoas mais necessitadas, que a sociedade considera insignificantes.

II.            PISTAS PARA REFLEXÃO

 

 Explicar bem as leituras, mostrando a relação entre elas, sobretudo entre a primeira e o Evangelho. Mostrar a beleza do matrimônio e como esse encontra respaldo na Palavra de Deus, sem, no entanto, condenar outras formas de união. Evite-se o tom moralista. Recordar que na essência do ser humano está a abertura à comunhão, à relação. Reforçar a importância do mês missionário.

 

Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (Insaf), no Recife, e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN). E-mail: francornelio@gmail.com

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/27o-domingo-do-tempo-comum-3-de-outubro/

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