VIII-
REFLEXÃO DOMINICAL II: 32º Domingo do Tempo Comum
Por
Zuleica Aparecida Silvano
I. Introdução geral
As leituras bíblicas deste domingo têm como
temas centrais a confiança no Deus verdadeiro e a entrega total da própria
vida, conforme fez Jesus Cristo (II leitura), em contraste com a falsa piedade
dos escribas (evangelho) e com os falsos ídolos que conduzem à morte (I
leitura). Deste modo, elas nos convidam a estar disponíveis para nos dedicarmos
totalmente ao serviço do Reino.
II. Comentário dos textos
bíblicos
- I leitura: 1Rs 17,10-16
Acab, rei de Israel, ao casar-se com Jezabel,
filha do rei da Fenícia, permitiu que fosse introduzido no Reino do Norte o
culto a Baal (deus cananeu ao qual se atribuía o dom da chuva e da fertilidade
da terra), abandonando o verdadeiro Deus de Israel. Diante desta realidade, em
1Rs 17,1-9 Elias profetiza a seca em toda a região, mas ele mesmo é sustentado
por Deus, que lhe dá água da torrente e o alimenta com o pão levado pelos
corvos todas as manhãs. No v. 7, somos informados de que a torrente secou e
assim o profeta não tem como sobreviver, passando a sofrer as consequências do
seu anúncio: a seca e a fome. Nesse contexto, Deus dá nova ordem: “Vá a Sarepta
da Fenícia para viver aí; eu ordenarei uma viúva que te dê comida”. Uma ordem
que exige fé e obediência, dado que Sarepta era cidade localizada ao sul de
Sidônia, na Fenícia, terra de onde provinha Jezabel e seu culto a Baal, e o
profeta precisava contar com a generosidade de uma viúva estrangeira, pobre,
possuidora somente de um punhado de farinha para alimentar o seu filho e a si
mesma. Por outro lado, essa indefesa viúva é também desafiada a confiar num
estrangeiro (Elias) e lhe é exigida atitude de profunda fé em um Deus que não
conhecia, e isso num momento crucial, no qual não havia nenhuma possibilidade
de esperança. Essa tensão e exigência são expressas na dramaticidade da fala da
viúva (“comeremos e depois morreremos”) e na insistência do profeta, que pede a
essa mulher tudo que tinha para a sobrevivência dela e de seu filho. Elias
depende do abandono confiante da viúva e lhe exige uma fé que vai além do amor
para com seu filho e para consigo mesma. A viúva, mesmo diante do extremo
sofrimento, da dor, da morte, confia, ajuda o profeta, entregando-lhe tudo que
possuía. Pela confiança de ambos e pela generosidade da pobre viúva, Deus age e
se revela como o Deus da vida.
Note-se que a vasilha de farinha e a jarra de
óleo não se encheram, mas também não se esvaziaram, ou seja: Deus cumpre a
promessa, mas no pouco. Desse modo, Ele convida a viúva, o profeta e a nós a
confiar a cada dia e nos ensina que pouca coisa é necessária para viver quando
confiamos na sua presença, a qual se manifesta no cotidiano e em nossa pobreza.
- Evangelho: Mc 12,38-44
Na
passagem de Mc 12,38-44 há a descrição do último ensinamento público de Jesus
no Templo. Nesse ensinamento (vv. 38-40), Jesus questiona o comportamento dos
escribas pela ostentação, pela
exploração das viúvas e pelas orações feitas para impressionar os outros. Desse
modo, não obedecem ao primeiro mandamento, que diz respeito a Deus, nem ao
segundo mandamento, ao explorarem as viúvas, pessoas que deveriam ser
protegidas por eles (cf. Ex 22,21-23; Is 1,17; 10,1-2). Por isso, Jesus afirma
que terão um juízo muito severo da parte de Deus.
É nesse contexto que Jesus chama a atenção
para a atitude da viúva pobre, oposta à dos escribas, que privavam as viúvas de
seu patrimônio, empobrecendo-as. Num primeiro momento, o evangelista especifica
onde Jesus se posiciona, o que observa (vv. 41-42), e depois nos dá a conhecer
sua avaliação, fundamentada naquilo que vê. Sentado diante do cofre do Templo,
Jesus observa que os ricos oferecem muito e a pobre viúva oferece duas moedinhas,
que correspondem a muito pouco. A avaliação dele não se baseia no valor
econômico, mas existencial. Aprova a liberdade da viúva pobre diante do bem
material que possui e também sua atitude de total confiança em Deus. Ela, por
sua vez, demonstra a capacidade de amar a Deus com toda a alma, com todo o
coração, com toda a mente e com toda a força, que são os bens materiais (cf. Mc
12,30), não reservando nada para si, mas generosamente depositando “todo o seu
viver” nas mãos de Deus. Jesus reprova tanto os escribas (cf. vv. 38-40), que
se deixaram corromper pela ambição e pela vanglória e exploram os pobres no
pouco que têm, quanto os ricos, que doam a Deus de seu supérfluo.
Este relato nos indica que o lugar do
encontro com Deus não se situa no âmbito do poder cultual ou institucional, mas
no da total abertura e disponibilidade a Deus. Outro aspecto a ser sublinhado é
que, na atitude despojada dessa viúva pobre, que oferta “todo o seu viver”,
transparece a atitude de Jesus de doar a própria vida, entregar-se totalmente
por amor e por fidelidade ao projeto de Deus. Portanto, os discípulos são
chamados a seguir não o exemplo dos escribas, mas sim o da pobre viúva, que
centra a vida no amor gratuito a Deus.
- II leitura: Hb 9,24-28
Tendo presente o tema central do evangelho
desta liturgia, que é o doar-se totalmente a Deus, o texto de Hb 9,24-28
enfatiza a entrega plena de Jesus, a fim de destruir o pecado, e seu acesso ao
santuário celestial, por meio de sua morte, para interceder por nós.
Nesta passagem, o autor estabelece um
contraste entre o sacrifício de Cristo e a celebração do Dia das Expiações, na
qual o sumo sacerdote, uma vez por ano, entrava no Santo dos Santos (o lugar
mais sagrado do Templo) para aspergir o propiciatório (provavelmente, um objeto
colocado sobre a tampa da arca da Aliança) com o sangue das vítimas oferecidas
em sacrifício em expiação pelos pecados do povo.
Nos vv. 24-25, são ressaltadas várias
diferenças entre Jesus e o sumo sacerdote. A primeira está na afirmação de que
Jesus entra no céu e diante de Deus intercede a nosso favor, enquanto o sumo
sacerdote entra no santuário terreno (v. 24a, santuário feito por mãos
humanas). Desse modo, confirma que Jesus é o único mediador entre Deus e nós. A
segunda está na constatação de que o rito de expiação era realizado anualmente.
Assim, não eram expiados os pecados definitivamente, ao passo que o sacrifício
expiatório de Jesus, sua morte, é oferecido uma única e definitiva vez.
Identificamos três temas nos vv. 27-28: a
vinda de Cristo no fim dos tempos, a espera ativa dos cristãos e a salvação que
será obtida. Esses versículos apresentam Jesus como sacerdote e o verdadeiro
Cordeiro de Deus, que elimina todos os pecados em virtude da força expiatória
de seu sangue, baseando-se no cântico do Servo do Senhor em Is 52,13-53,12.
III.
Pistas para a reflexão
As duas viúvas (da I leitura e do evangelho)
nos interpelam sobre o que significa doar-se sem medida e ensinam a cada um de
nós que o critério para discernir a autenticidade de nosso seguimento de Jesus
é o despojamento. De fato, é impossível seguir Cristo sem total confiança em
Deus, atitude vivenciada radicalmente por Jesus ao entregar-se por fidelidade
ao projeto do Pai (II leitura).
Ao fazermos memória do único sacrifício de
Cristo, possamos ter consciência deste amor transbordante do Deus crucificado,
que deseja ardentemente ocupar os espaços de nossa existência que ainda
permanecem fechados, sem vitalidade, para plenificá-los com sua presença e nos
impulsionar à entrega de nossa vida em solidariedade com as inúmeras vítimas
sacrificadas pela exclusão, pela marginalização em nossa sociedade. Desse modo,
estaremos adorando o Deus verdadeiro revelado em Jesus Cristo, aquele que
intercede por nós junto ao Pai.
Zuleica
Aparecida Silvano
Ir.
Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela
UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico
(Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação
Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte.
E-mail: zuleica.silvano@paulinas.com.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/32o-domingo-do-tempo-comum-11-de-novembro/
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