IX-REFLEXÃO DOMINICAL III:
Homilia do D. Henrique Soares da Costa
– XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano B
1Rs 17,10-16
Sl 145
Hb 9,24-28
Mc 12,38-44
Duas cenas comoventes, de gente pobre, sem valor nem importância, histórias de
gentinha sem nome, ocupam hoje nossa atenção. Ah, meus irmãos, que Deus gosta
de se ocupar com quem não vale nada!
Primeiro, a Viúva de Sarepta. Qual o nome dela? Qual o enredo da sua vida? Qual
o nome do seu filho? Que idade tinha? Nada! Silêncio! A Escritura se cala. Vai
direto ao ponto: no tempo do profeta Elias uma seca mortal varreu a Terra Santa
e sua vizinhança. O Livro dos Reis explica que isso se deveu à idolatria de
Israel e à impiedade de Acab, seu rei. Até o profeta Elias, que anunciou o
castigo, teve que sofrer as conseqüências: primeiro ficou sendo alimentado por
um corvo na torrente de Carit; mas, depois, a torrente secou. Também os
profetas de Deus sofrem, também eles participam da sorte do seu povo… Deus não
super-protege seus amigos numa redoma… Também os amigos do Senhor devem
combater os combates da vida… Mas, secada a torrente de Carit, Elias deixou a
Terra Santa como flagelado de seca… Conhecemos essa história de tantos nordestinos
que fogem da sequidão, deixando para trás sua terra e indo para o Sudeste do
País. Pois bem: Elias, um dos maiores amigos de Deus, foi retirante, como um
coitado flagelado nordestino! E chega no estrangeiro, na fronteira de Israel
com o Líbano. Vê uma viúva cananéia, pagã, portanto, apanhando uns gravetos
para fazer fogo. Pois bem, o homem pede-lhe um pouco d’água e também um
pedacinho de pão. Devia estar morto de fome, o Elias retirante, flagelado, como
os “severinos” da vida… E, ante o pedido do Homem de Deus, a resposta da viúva
pobre e sem nome, uma maria-ninguém, é de fazer chorar de dor: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não
tenho pão. Só tenho um punhado de farinha e um pouco de azeite. Eu estava
apanhado dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu
filho, para comermos e depois esperar a morte”. É um fim da
pouca comida na casa daquela coitada, daquela pobre. E observem que ele não
amaldiçoa Deus; pelo contrário: “Pela
vida do Senhor, teu Deus!” – ela diz, com respeito por Deus e
por seu profeta, apesar de ser uma pagã! E Elias manda que ela prepare o pão
primeiro para ele; e garante: “Assim
fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de
azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da
terra’”. A viúva fez assim, e aconteceu como o profeta de Deus
dissera…
Uma segunda cena. A de uma viúva também sem nome, sem importância, outra
maria-ninguém; Maria Nadinha de Nada – poderia ser esse o seu nome… Chega junto
ao cofre do tesouro do Templo. Ali joga duas moedinhas. Dinheiro de nada. Não
dá para comprar nem o azeite de um dia para manter o candelabro do Senhor
aceso! Mas, era “tudo
aquilo que possuía para viver!” E o Senhor viu, e comoveu-se
com sua generosidade, pois conhecia seu coração e sabia da sua penúria
miserável! – Esta segunda história nós conhecemos bem das nossas igrejas; a mão
aberta, generosa, dos pobres para com a Casa de Deus e a parcimônia mesquinha e
desdenhosa dos que muito possuem… Pois bem: esta viúva, indigente, quase
esmoler, dá tudo ao Senhor, não reserva nada para si! Talvez nós pensemos, do
alto da nossa prudência: “Mulher imprudente, mulher tola, mulher
irresponsável…” Mas, o Senhor Jesus, que desmascara nossos pensamentos
miseráveis e mundanos, tem opinião diferente: Ama aquela viúva, elogia aquela
mulher, comove-se com ela.
Caríssimos, agora procuremos responder: Como essas duas mulheres tiveram
coragem de agir assim? Como foram capazes de tal desapego? Eis a resposta: As duas
acreditavam de verdade no Deus de Israel. Para elas, Deus não era uma teoria,
uma hipótese, uma idéia vaga, fria e distante! Para elas, Deus era concreto,
presente, atuante. Ainda hoje é assim para os pobres. Vão, meus caro! Vão às
nossas comunidades de periferia e vocês ficarão impressionados com a
generosidade e a fé da gente pobre! Para essas duas mulheres e para os pobres
de Deus, as palavras do salmo da Missa de hoje não são uma brincadeira, não são
palavras vazias: O
Senhor é fiel para sempre,/ faz justiça aos que são oprimidos;/ ele dá alimento
aos famintos./ É o Senhor quem protege o estrangeiro,/ quem ampara a viúva e o
órfão./ O Senhor reinará para sempre!” Só quem crê de verdade,
de verdade se abandona, de verdade doa, de verdade não procura segurança fora
de Deus! Só quem crê de verdade faz como essas viúvas sem juízo: dão tudo,
porque dão para o Senhor! Caríssimos, aquelas mulheres pobres acreditavam
nisso, aquelas duas coitadas sabiam abandonar-se nas mãos benditas do Deus de
Israel: uma dá tudo quanto tinha para comer a uma estranho simplesmente porque
ele era um homem de Deus; a outra, não hesita em jogar tudo no tesouro da Casa
do Senhor… Elas são como o Cristo Jesus, “que sendo rico se fez pobre para nos enriquecer com a
sua pobreza” (2Cor 8,9). Elas são tão diferentes de nós, apegados,
desconfiados, iludidos com o pensamento que podemos garantir nossa vida com
nosso egoísmo e que somos senhores dos nossos dias. – Senhor, dá-nos um coração
de pobre! Senhor, fonte de riqueza, dá-nos um coração confiante!
E agora, para terminar, agora olhemos Jesus. A segunda leitura de hoje no-lo
apresenta no céu, diante do Pai, em nosso favor. O Autor sagrado explica que
ele se fez homem uma só vez, entregando-se todo, a vida toda, por nós, até morrer
para apagar os pecados da multidão! Ele fez como aquelas viúvas: Ele não se
poupou, não poupou nada; tudo entregou ao Pai por nós. E agora, ele estará para
sempre diante do Pai, com o seu sacrifício, como Cordeiro glorioso e imolado
(cf. Ap 5,6), até que apareça nos final dos tempos “para salvar aqueles que o esperam”.
Eis caríssimos, o mistério: sem saberem, aquelas duas mulheres participavam da
entrega de Cristo, da generosidade de Cristo, dos sentimentos de Cristo! Sem
nem imaginarem, aquelas mulheres colocaram a esperança em Cristo!
Por favor, voltemos agora o olhar do coração para o Céu, para junto do Pai! Lá
está o nosso Salvador, eternamente vitorioso e eternamente imolado de amor! Lá
está Jesus, com seu sacrifício eterno, único, perfeito irrepetível, totalmente
suficiente e eficaz! Ele nos deu tudo! Mais ainda: ele se deu todo… Todo a nós,
todo por nós! Agora, olhemos para este Altar, em torno do qual nos reunimos.
Daqui a pouco, esse sacrifício único e santíssimo, essa sacrifício que está
para sempre diante de Deus, estará aqui, sobre este Altar sagrado, para ser
nossa oferta e para que nós dele participemos! Daqui a pouco, a Hóstia santa –
isto é, a Vítima do Sacrifício – estará aqui, do céu para nós, do céu entre
nós, para ser nossa oferta e nosso alimento! É muito dom, é muito mistério, é
muito piedade, é muita misericórdia de Deus para conosco!
Caríssimos, não sejamos mesquinhos, não sejamos incrédulos, não sejamos duros
de coração: aprendamos a ver Deus agindo na nossa vida, aprendamos a confiar, e
coloquemos nossa vida e nossa pobreza nas mãos de Deus! Amém.
D.
Henrique Soares
https://presbiteros.org.br/homilia-do-d-henrique-soares-da-costa-xxxii-domingo-do-tempo-comum-ano-b/
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