sexta-feira, 22 de agosto de 2025

VIII- REFLEXÃO DOMINICAL II 24 de agosto – 21° DOMINGO DO TEMPO COMUM Por Gisele Canário* A porta estreita e o chamado universal: uma reflexão sobre justiça e conversão

 

 VIII-      REFLEXÃO DOMINICAL II

 

24 de agosto – 21° DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Gisele Canário*

A porta estreita e o chamado universal: uma reflexão sobre justiça e conversão

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

As leituras de hoje são um convite para juntos refletirmos sobre o chamado universal à salvação e a resposta que cada um de nós deve dar. O tema mais impactante é a tensão entre a misericórdia de Deus e nossa responsabilidade pessoal. A “porta estreita” é um convite à transformação interior, onde o esforço não está em obras exteriores, mas em um coração disposto a abraçar o projeto do Reino de Deus de justiça e inclusão.

 

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

1.    I leitura (Is 66,18-21)

 

No capítulo final de Isaías, apresenta-se uma visão importante de restauração universal, onde Deus reúne todas as nações para contemplarem sua glória. O texto, pertencente ao período do pós-exílio babilônico, apresenta as aspirações de uma comunidade que busca redefinir sua identidade em meio ao desafio de reintegração na terra e convivência com outras culturas. A intenção do profeta é reafirmar a universalidade da salvação divina, contrastando com uma visão restritiva da eleição de Israel.

É no versículo 18 que a expressão “conheço suas obras e seus pensamentos” destaca a onisciência divina, apresentando um Deus que rompe com as fronteiras étnicas e culturais, e que conduz a humanidade ao reconhecimento de sua soberania. A menção de nações como Társis, Fut, Lud, além de Javã e outros territórios, demonstra um conhecimento geopolítico amplo para a época e simboliza a abrangência da missão salvífica, que alcança os confins da terra conhecidos pelos antigos. Esses nomes representam povos distantes, sugerindo um movimento missionário de convocação universal.

Exegeticamente, o termo hebraico kavod, traduzido como “glória”, não se limita a um atributo estático de Deus, mas carrega o sentido de uma presença dinâmica e transformadora, que manifesta o poder divino e exige resposta concreta das nações. A glória de Deus, portanto, revela-se como um chamado à conversão e ao reconhecimento da sua justiça.

Outro elemento teológico significativo é a inclusão de sacerdotes e levitas “de todas as nações” (v. 21), rompendo com uma visão exclusiva do sacerdócio levítico e apontando para uma redefinição da identidade religiosa de Israel. Este movimento representa uma abertura radical à diversidade, sugerindo que a eleição não é mais privilégio de um povo específico, mas uma vocação universal, em que todos podem participar do serviço a Deus.

 

2. II leitura (Hb 12,5-7.11-13)

 

A carta aos Hebreus apresenta uma reflexão sobre a disciplina divina como uma expressão do amor e cuidado de Deus para com os fiéis. No contexto das provações e perseguições enfrentadas pela comunidade cristã, a “correção” divina é compreendida não como castigo, mas como um processo de formação na fé, um caminho pedagógico de crescimento espiritual e fortalecimento moral. O autor recorre a uma linguagem familiar aos leitores, utilizando a metáfora paterna, em que Deus é retratado como um Pai amoroso que instrui e convida seus filhos para a vida em retidão.

Exegeticamente, o termo grego paideia, frequentemente traduzido como “educação” ou “disciplina”, tem um significado amplo, englobando instrução, correção e treinamento com o objetivo de promover o amadurecimento moral e espiritual. No pensamento helenístico e na tradição judaica, a paideia estava associada ao desenvolvimento integral da pessoa, envolvendo a aquisição de conhecimento, a prática da virtude e a construção do caráter.

As imagens das “mãos cansadas” e dos “joelhos enfraquecidos”, inspiradas em Isaías 35,3, evocam a exaustão e o desânimo enfrentados pelos fiéis diante das dificuldades, ao mesmo tempo que apontam para a necessidade de renovação espiritual e perseverança. O autor encoraja a comunidade a se fortalecer e a prosseguir com firmeza no caminho da fé, confiando na ação restauradora que vem de Deus, amoroso e cheio de compaixão.

 

3. Evangelho (Lc 13,22-30)

 

No Evangelho deste domingo, Jesus responde à questão sobre o número dos que serão salvos com uma reflexão sobre esforço pessoal e verdadeira conversão. A imagem da “porta estreita” simboliza as exigências do discipulado autêntico, destacando que a entrada no Reino de Deus não se dá por privilégios herdados, mas por um compromisso pessoal, marcado pela renúncia e pela vivência concreta dos valores do Evangelho.

Historicamente, o Evangelho de Lucas foi escrito para comunidades compostas por judeus e gentios, que enfrentavam tensões relacionadas à inclusão e à identidade no novo povo de Deus. A expressão “virão do Oriente e do Ocidente” (Lc 13,29) é uma alusão às promessas escatológicas do Antigo Testamento (cf. Is 43,5-6; Sl 107,3) e reflete a teologia universalista característica de Lucas, enfatizando que a salvação está aberta a todos os povos, rompendo com a concepção exclusivista da eleição de Israel.

Do ponto de vista linguístico, o verbo grego agōnizomai, traduzido como “fazer esforço”, evoca a ideia de uma luta árdua e contínua, remetendo às competições atléticas da época. Essa escolha de palavra reforça que a adesão ao Reino de Deus exige perseverança, autodisciplina e determinação. O esforço mencionado por Jesus implica uma busca ativa pela justiça e uma transformação radical da vida. Além disso, a presença do termo adikía, traduzido como “injustiça”, denuncia uma prática religiosa superficial e incoerente, que não gera frutos de retidão nem reflete uma verdadeira mudança de coração.

A estrutura narrativa do texto adverte contra a falsa segurança baseada em proximidade cultural ou religiosa com Jesus, apontando para a necessidade de uma resposta concreta ao chamado divino. Sem dúvida, esse Evangelho convida a uma conversão genuína, em que a prática da justiça, a humildade e a inclusão dos marginalizados são sinais autênticos do Reino de Deus. Dessa forma, Lucas enfatiza que a salvação é um convite aberto a todos os que, com sinceridade, se dedicam ao caminho da fé com esforço e fidelidade.

 

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Universalidade da salvação. Isaías nos lembra que Deus chama todos os povos para participar de sua glória. Como podemos, como comunidade cristã, viver e promover essa inclusão?

Disciplina como amor. A correção divina não é punitiva, mas educativa. Estamos abertos a reconhecer os desafios da vida como oportunidades de crescimento humano e espiritual?

Porta estreita e conversão. Jesus nos convida a um compromisso real com o Reino. Que esforços estamos dispostos a fazer para alinhar nossas vidas aos valores do Evangelho?

 

IV. CONCLUSÃO

 

As leituras de hoje nos desafiam a abraçar o chamado universal de Deus, reconhecendo que a salvação é um dom que exige compromisso. Em um mundo onde ainda enfrentamos desigualdades e exclusão, o convite é urgente: precisamos exigir de nossos governantes que acolham refugiados, migrantes e marginalizados. Segundo dados da ONU, mais de 100 milhões de pessoas estão atualmente deslocadas de suas casas devido a guerras, violência e crises climáticas. Inspirados pelo projeto de Jesus, que possamos caminhar pela “porta estreita”, sendo testemunhas vivas de inclusão, justiça e restauração, construindo um mundo mais humano e solidário.

 

Gisele Canário*

 

*é mestra em Teologia (Exegese Bíblica Antigo Testamento) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pela Instituição São Paulo de Estudos Superiores e licenciatura em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul. É assessora no Centro Bíblico Verbo onde atua com a orientação de comunidades eclesiais e cursos bíblicos, para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em material para leitura online desde 2011.

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/24-de-agosto-21-domingo-do-tempo-comum/

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