IX-
A BÍBLIA PARA
OS CATÓLICOS
VI-
O papel dos concílios na definição do Cânon
A definição dos livros inspirados que
compõem a Bíblia, conhecida como o cânon, foi um processo cuidadoso realizado
pela Igreja ao longo de séculos. Diante das várias escrituras usadas pelas
primeiras comunidades cristãs, tornou-se essencial discernir quais textos eram
verdadeiramente inspirados pelo Espírito Santo e dignos de fazer parte da
Sagrada Escritura. Esse trabalho foi realizado sob a orientação do Magistério
da Igreja, que, com a ajuda do Espírito Santo, identificou os livros que seriam
oficialmente reconhecidos como Palavra de Deus.
O primeiro passo significativo
ocorreu no Concílio de Hipona, em 393 d.C., quando a Igreja
Católica fixou uma lista de livros inspirados. Este cânon incluía os livros que
hoje compõem o Antigo e o Novo Testamento da Bíblia Católica, incluindo os
livros deuterocanônicos, que posteriormente foram contestados por algumas
denominações protestantes. Essa definição inicial foi reafirmada no Concílio
de Cartago, em 397 d.C., que consolidou a mesma lista, estabelecendo uma
base para o cânon bíblico usado pela Igreja.
A definição do cânon foi solidificada
no Concílio de Trento (1545-1563), em resposta aos
questionamentos da Reforma Protestante. O Concílio de Trento reafirmou a lista
tradicional, incluindo os livros deuterocanônicos, como parte integrante da
Bíblia. Além disso, esse Concílio declarou oficialmente e de forma infalível o
cânon da Bíblia Católica, confirmando a inspiração divina de todos os livros
que fazem parte dela.
Assim, foi pela ação desses
concílios, iluminados pelo Espírito Santo, que a Igreja definiu de forma
inequívoca os livros inspirados, preservando a unidade da fé e assegurando que
os fiéis pudessem confiar plenamente nas Escrituras como Palavra de Deus.
VII-
A Bíblia e a Igreja Católica
A Sagrada Tradição e a Sagrada
Escritura
A Igreja Católica não se apoia apenas
na Bíblia, mas também na Tradição Apostólica, que é fundamental para a
compreensão da Revelação divina. Cristo, ao instituir a Igreja, confiou
aos Apóstolos a missão de pregar o Evangelho, transmitindo a mensagem de
salvação através de palavras e ações. Essa transmissão não se
limitou ao que foi escrito; ela foi, antes, um processo vivo que envolveu a
oralidade e a prática da fé desde os primórdios do cristianismo.
A Tradição Apostólica é a forma pela
qual os ensinamentos de Jesus e os ensinamentos dos Apóstolos foram passados de
geração em geração. Mesmo antes da elaboração do Novo Testamento, essa tradição
falada era vital para a vida da Igreja. Os Apóstolos e seus sucessores — os
bispos —, desempenharam um papel fundamental em conservar e transmitir essa
mensagem de forma autêntica.
Enquanto a Sagrada Escritura é a
Palavra de Deus escrita, a Sagrada Tradição complementa e enriquece
essa Revelação. A Igreja considera ambas como fontes de verdade, que,
unidas, garantem a integridade da fé cristã. A Tradição, além de manter viva a
mensagem evangélica, é responsável por interpretar a Escritura à luz das
circunstâncias e culturas diversas ao longo do tempo.
Dessa forma, a Igreja Católica
sustenta que a doutrina não pode ser compreendida apenas por meio da leitura da
Bíblia, mas também pela riqueza da Tradição, que assegura a
continuidade e a autenticidade da fé. É por meio dessa combinação que a
Igreja transmite, preserva e vivencia a totalidade da Revelação divina.
VIII- A interpretação das
Escrituras pelo Magistério
O Magistério da Igreja desempenha um
papel essencial na interpretação correta das Escrituras e na transmissão da fé.
Segundo a tradição católica, a responsabilidade de interpretar autenticamente a
Palavra de Deus, contida na Sagrada Escritura e na Tradição, foi confiada ao
Magistério, que é composto pelos bispos em comunhão com o Papa, o sucessor de
Pedro. Essa autoridade não é arbitrária; ao contrário, o Magistério serve à
Palavra de Deus, garantindo que as doutrinas e ensinamentos da Igreja
permaneçam fiéis ao que foi revelado.
Ao atuar sob a inspiração do Espírito
Santo, o Magistério não apenas escuta a Palavra de Deus, mas também a guarda e
a expõe de forma correta, evitando distorções e interpretações pessoais que
possam levar a erros doutrinários. Essa função é vital, pois a interpretação
das Escrituras pode variar dependendo do contexto cultural e histórico. A
Igreja, portanto, tem o dever de proteger a verdade da Revelação divina,
assegurando que a mensagem evangélica seja compreendida de maneira autêntica e
em unidade.
Os fiéis, ao ouvirem os ensinamentos
do Magistério, são convidados a receber essas diretrizes com humildade e
abertura. Cristo mesmo disse: “Quem vos escuta, escuta-me a Mim” (Lc 10, 16), o
que reforça a importância de seguir as orientações dos pastores da Igreja.
Assim, a interpretação bíblica não se torna uma questão de opiniões pessoais,
mas uma tarefa coletiva e guiada, fundamentada na Tradição e na autoridade do
Magistério, que visa à edificação da fé e à salvação dos fiéis.
IX-
A importância da leitura comunitária
A leitura da Bíblia assume um papel
importantíssimo na vida da Igreja, especialmente na liturgia, quando as
Escrituras são proclamadas e vividas em comunidade. Durante a Missa, as
leituras bíblicas formam o coração da celebração, proporcionando
alimento espiritual e revelando a presença de Deus na vida dos fiéis. O
Antigo e o Novo Testamento são lidos de forma a iluminar o mistério de Cristo e
a vida da Igreja, promovendo um encontro direto com o próprio Deus.
Além das leituras na Missa, a Igreja
também valoriza a prática do Ofício Divino, que inclui a recitação de Salmos e
outras passagens bíblicas. Esse tempo dedicado à oração comunitária não só
fortalece a união entre os membros da Igreja, mas também aprofunda a
compreensão da Escritura, permitindo que todos cresçam juntos na fé.
A leitura em grupo, como na prática
da Lectio Divina, é especialmente significativa. Essa forma de meditação
bíblica envolve a leitura atenta de um texto sagrado, seguida pela reflexão,
oração e contemplação. A Lectio Divina promove um ambiente em que os
participantes podem partilhar suas experiências e reflexões, enriquecendo a
compreensão coletiva das Escrituras. Essa abordagem comunitária permite que os
fiéis experimentem a Palavra de Deus de maneira mais profunda e pessoal,
fortalecendo seus laços como membros do Corpo de Cristo.
Assim, a leitura comunitária da
Bíblia não é apenas uma prática devocional, mas uma vivência que integra a vida
da Igreja, alimentando a fé e aprofundando o relacionamento com Deus, ao mesmo
tempo em que constrói uma comunidade unida na Palavra.
X-
A Bíblia na Vida do
Católico
Como ler a Bíblia?
Para que a Palavra de Deus dê frutos,
é necessário que encontremos em nosso coração uma acolhida genuína. Ela deve
despertar em nós o mesmo ardor que tocou os discípulos de Emaús ao ouvirem a
explicação do próprio Cristo — pois é Ele que nos fala quando nos debruçamos
sobre as Escrituras.
De acordo com o Catecismo da Igreja:
“A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o
desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé,
suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo. A
oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos «mistérios de Cristo»,
como na « lectio divina» ou no rosário. Esta forma de reflexão orante
é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais longe: até ao conhecimento
amoroso do Senhor Jesus, até à união com Ele.” 9
Existem métodos práticos para
integrar a leitura e o estudo da Palavra em nossa vida cotidiana, sendo a
Lectio Divina um dos mais recomendados pela Igreja. Esse processo é estruturado
em quatro etapas: leitura (lectio), meditação (meditatio), oração (oratio) e
contemplação (contemplatio).
Leia mais sobre o
que é e como fazer a lectio divina.
Para os que estão iniciando, uma
sugestão é começar pelos Evangelhos, que narram a vida e os ensinamentos de
Jesus. Ler um pequeno trecho diário, talvez escolhendo um versículo específico
para meditar ao longo do dia, ajuda a cultivar esse hábito. Manter uma Bíblia
em um local visível e estabelecer um espaço fixo para a leitura facilitar a
disciplina.
A constância é fundamental. Dedicar
um momento diário, mesmo que breve, para essa leitura permite que a Palavra de
Deus se enraíze em nosso ser, iluminando nossas ações cotidianas. Assim, pouco
a pouco, a Bíblia deixa de ser apenas em um livro de estudo e se transforma,
para nós, em uma fonte viva de orientação e inspiração de vida.
XI-
A Bíblia na
liturgia católica
Na liturgia católica, a Bíblia ocupa
um lugar central e vibrante, especialmente durante a Missa, onde as Escrituras
são proclamadas para instruir e inspirar a comunidade de fé. Durante a seguir,
as leituras bíblicas seguem uma estrutura cuidadosamente planejada: a primeira
leitura é retirada do Antigo Testamento (exceto na Páscoa), seguida por um
salmo responsorial, depois a segunda leitura das cartas apostólicas e, por
último, o Evangelho, que é lido exclusivamente por um diácono ou sacerdote.
A proclamação do Evangelho é um
momento solene, cercado de cânticos e reverência, que confirma a presença de
Cristo em Suas palavras. A homilia que se segue ajuda a comunidade a refletir e
a aplicar as leituras em sua vida cotidiana, facilitando uma compreensão mais profunda
da Palavra.
O ciclo
litúrgico organiza a leitura das Escrituras ao longo do ano, podendo ser de um ou
três anos, dependendo se é uma missa dominical ou diária. Este ciclo — com os
anos A, B e C nos domingos e anos pares e ímpar nas leituras diárias — permite
que praticamente toda a Bíblia seja lida na Missa, revelando o mistério de
Cristo de forma completa e progressiva.
O Catecismo nos lembra que “o ano litúrgico
é o revelador dos diferentes aspectos do único mistério pascal. Isto vale
especialmente para o ciclo das festas em torno do mistério da Encarnação
(Anunciação, Natal, Epifânia), que comemoram o princípio da nossa salvação e
nos comunicamos como primícias do mistério da Páscoa.” 10
Assim, os fiéis acompanham a vida de
Jesus desde o Advento até o Pentecostes, e, no Tempo Comum, são convidados a
refletir sobre Seus ensinamentos. Esse calendário cíclico garante que a
comunidade, a cada ano, revisite e aprofunde as mesmas passagens em diferentes
fases da vida e da fé. A Bíblia, portanto, não é apenas lida, mas vivida,
guiando os católicos em sua jornada espiritual diária e, especialmente, em sua
vida em comunidade.
XII-
Como a Bíblia nos guia moralmente?
A Bíblia é uma luz que ilumina o
caminho moral dos católicos, funcionando como um guia divino que revela o que
significa viver em virtude e justiça. Os princípios que Deus transmite a Moisés
vão além das meras normas; eles são orientações que ajudam os fiéis a discernir
suas ações à luz da vontade divina. Cada mandamento é uma expressão do amor
paternal de Deus, que deseja ver Seus filhos vivendo o bem.
Além dos mandamentos, as Escrituras
estão repletas de ensinamentos que ressaltam as virtudes que moldam o caráter
cristão. Na carta aos Gálatas 11, São Paulo nos apresenta os frutos
do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, paciência, fidelidade, mansidão e
autocontrole. Essas qualidades não são meras recomendações, mas convites à
ação, mostrando que viver de acordo com esses princípios é essencial para nos
relacionarmos com o próximo.
O Sermão da Montanha 12 também oferece lições profundas
sobre nossas interações com os outros. Passagens como “Amarás o teu próximo
como a ti mesmo” (Mateus 22,39) e “Bem-aventurados os puros de coração, pois
verão a Deus” (Mateus 5,8) destacam a importância da intenção e da pureza em
nossas ações .
Dessa forma, a Bíblia não oferece
apenas diretrizes morais; ela nos convoca a uma transformação interior que
reflete os valores do Reino de Deus. A leitura e a reflexão sobre as Escrituras
tornam-se, portanto, fundamentais para moldar a nossa conduta e o nosso
caráter, guiando-nos pelo amor e pela justiça divina.
Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo. Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu faça?». 13
10 - CIC, 1171[↩]
11- Gl 5,22-23[↩]
12- Mt 5[↩]
13- CIC, 2706[↩]
https://bibliotecacatolica.com.br/blog/destaque/biblia-para-catolicos/
(CONTINUA
NO PRÓXIMO DOMINGO...)
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