SOBRE A FÉ, A ESPERANÇA E A CARIDADE
Por volta de 421 Agostinho escreveu o Enchiridion de fide, spe et caritate (Manual
sobre a fé, a esperança e a caridade) ao seu amigo Lourenço, e apresentou algumas
inquietações práticas: quais as verdades que o cristão deve crer e as heresias que
precisa evitar?
Em que medida a razão pode intervir a favor da religião? O que foge ao seu alcance?
O que deve ocupar o primeiro e o que deve ocupar o último lugar no ensinamento e
na vida cristã? Qual o fundamento seguro e autêntico da fé católica (Ench.1.4)?
A virtude não é meta em si mesma, é caminho para a verdadeira felicidade humana
que é a visão de Deus (Ench. 1.5). Caminho virtuoso que a razão sozinha não consegue
percorrer, mas que iluminada pela Sabedoria divina, assume o compromisso de sustentar
o cristão nesta vivência (Ench. 1, 4). Está de acordo com o pensamento agostiniano
a distinção entre as virtudes naturais e as assim chamadas virtudes infusas ou teologais.
As primeiras são derivadas da experiência e da razão, se referem a um bem finito,
às quais o homem pode chegar pelos princípios de sua natureza. As segundas referem-se
à felicidade ou a bem-aventurança que excede a natureza do homem, as quais ele pode
chegar somente pela graça divina (Ench. 1.4). Chamamos de teologais as virtudes
da fé, esperança e caridade porque tem origem no próprio Deus que as infunde (dom
absoluto), possuem Deus como objeto e fim, e se referem à sua veneração. Por elas
somos ordenados a Ele (Ench. 1.3).
Virtude da Fé Deus amavelmente vem ao encontro do ser humano para salvá-lo e doa
a fé para que ele possa aceitar a verdade salvadora. Agostinho salienta o aspecto
gratuito da fé, que é dom, é graça, é fruto da bondade de Deus que não abandonou
o gênero humano na perdição do pecado, mas que na sua misericórdia propõe a salvação
(Ench. 8.27).
Nos escritos de Agostinho o substantivo fé e o verbo crer são utilizados como termos
equivalentes. A fé é uma virtude sobrenatural (Ench. 1.6), um dom (Ench. 9.31) através
da qual o ser humano, sob a autoridade divina, aceita livremente (Ench. 9.32) a
verdade salvadora revelada por Deus em Jesus Cristo (Ench. 1.5). Verdade que vem
testemunhada pela Sagrada Escritura e pela Igreja (Ench. 15.56). Crer é assentir
à verdade da revelação acolhendo o mistério de Deus (Ench. 7, 20).
Degeneração pelo pecado
Toda a criatura em si mesma é boa. A bondade de Deus é a causa do bem (Ench. 3.10;
8.23). O mal é privação do bem, é causado pela vontade do homem ferida pelo pecado,
vontade de um bem mutável que abandona um bem imutável (Ench. 8.23). Na linguagem
do nosso autor o mal é corrupção do bem (Ench. 3.11-12).
O ser enquanto tal é um bem e o mal é corrupção do ser. Deus não é nem direta nem
indiretamente causa do mal. Ele é autor da natureza humana que é boa, é autor do
homem e não do mal presente neste e por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer
mal existir nas suas obras se não fosse poderoso o suficiente para fazer resultar
o bem do próprio mal (Ench. 3.11). A verdadeira liberdade interior é alcançada quando
conseguimos libertarmo-nos do mal que está dentro de nós.
Regeneração em Cristo Jesus
No centro da reflexão sobre o pecado, Agostinho apresenta o mistério redentor de
Cristo (Ench. 10.33) e, portanto, da graça e da misericórdia divina. Deus na sua
justiça poderia abandonar o gênero humano, que por sua vez abandonou os Seus ensinamentos,
profanando a imagem do seu Autor. Mas Deus não é só justo, é também misericordioso
e faz uso da sua misericórdia liberando quem não merece (Ench. 9.27). Deus se abaixou
e exaltou o gênero humano11.
Desde o momento em que o ser humano rompeu o relacionamento primeiro com Deus através
do pecado, teve a necessidade de um mediador. Esse é Cristo, Filho de Deus, Deus
e homem. Enquanto Adão introduziu o pecado no mundo, Cristo, único mediador, cancelou
não só aquele pecado, mas todos aqueles que se lhe acrescentaram. Por isso mesmo
que a profissão de fé do cristão contempla a remissão dos pecados. Sem essa remissão
não seria possível nenhuma esperança para a vida futura e para a libertação eterna
A Virtude da Caridade
Graças à fé é que podemos amar a Deus no qual acreditamos. É por meio dela que vêem
operadas nossas boas obras (Ef 2, 8-9). Fé que age através da caridade (Gl 5, 6)
e que não pode existir sem a esperança (Ench. 2.8). As três virtudes estão intimamente
unidas, mas é a caridade, segundo o apóstolo Paulo, a exercer a primazia (1Cor 13).
Quem não ama crê inutilmente, ainda se o que crê seja verdadeiro. E inutilmente
espera, ainda se as coisas que espera dizem respeito à verdadeira felicidade. Mas
quem ama retamente, crê e espera retamente.29
A caridade é a realização da vida cristã. Todos os mandamentos divinos a ela fazem
referência (Ench. 32.121). Agostinho usa os termos amor e caridade como sinônimos.
O amor é força da alma e da vida. É ele que a determina no sentido bom ou ruim,
segundo o objeto que se ama. Amor é uma vida que combina o amante e o objeto amado.
É movimento, uma inclinação, uma tendência que nos impulsiona a sair de nós mesmos,
do nosso mundo em direção ao amado. Daí a importância do amor a Deus, a nós e ao
próximo.
São esses os “objetos” que devem ser amados. O amor está no centro da vida cristã
e a identifica. Assim como a fé e a esperança, o amor é dom de Deus, que dota a
vontade humana de uma aspiração divina. Nosso amor deve ser inspirado pelo amor
divino e refletido em nossos atos concretos. Amamos com o amor divino derramado
em nossos corações (Rm 5, 5). A salvação depende da fé que opera pela caridade (Gl
5, 6).
E se, ao contrário, opera o mal, se permanece no pecado, é uma fé morta, que não
poderá salvá- lo (Tg 2, 14. 17).
Não basta ser cristão, é preciso operar o bem.
30 Afinal, se Cristo ocupa o lugar central no coração do homem, de modo que nenhum outro fundamento venha anteposto, então ele estará pronto a superar, mesmo com sacrifícios (provado pelo fogo), as obras más (Ench. 18.68) e abraçar uma vida cristã digna desse nome.
Se em Cristo, Deus amavelmente vem ao encontro do ser humano que está nas trevas
para redimi-lo, esse deve como resposta, deixar que o amor de Deus possa guiar o
seu coração movendo-o ao dom do serviço. Sua vida muda e centraliza-se na caridade.
Um amor que não impõe limites, mas estende-se aos inimigos (MT 5,44). Um jeito de
amar próprio de quem é filho de Deus e orienta o espírito para essa disposição,
graças a uma vida de oração e boas obras (Ench. 19.37).
Fonte: http://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/2010_02_05.pdf
Nota: este é um pequeno e humilde resumo de um trabalho sobre o Enchiridion de fide, spe et caritate; não tem a pretensão de resumir o mesmo e sim, apresentar de uma forma agradável ao leitor do blog, pincelando os principais tópicos.
Fonte: https://mdemisericordia.blogspot.com/2015/05/manual-sobre-fe-esperanca-e-caridade.html
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