sábado, 2 de abril de 2022

A IDENTIDADE DAS CEB’S


F/ Cartaz do 14º Intereclesial das CEBs

"O adjetivo ‘eclesial’ é mais importante do que o substantivo ‘comunidade’ ..."
Por Pe. Nelito Nonato Dornelas

1. As origens das CEBs 

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram no Brasil como um meio de evangelização que respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico dos anos da ditadura militar e, ao mesmo tempo, como uma forma de adequar as estruturas da Igreja às resoluções pastorais do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965. Encontraram sua cidadania eclesial na feliz expressão do Cardeal Aloísio Lorscheider: “A CEB no Brasil é Igreja — um novo modo de ser Igreja”.

Em 1979, reunidos em Puebla, os bispos latino-americanos firmaram o seguinte compromisso:

Como pastores, queremos resolutamente promover, orientar e acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo com o espírito de Medellín e os critérios da Evangelii Nuntiandi; favorecer o descobrimento e a formação gradual de animadores para elas. Em especial, é preciso procurar como podem as pequenas comunidades, que se multiplicam nas periferias e zonas rurais, adaptar-se também à pastoral das grandes cidades do nosso continente” (Pb 648).

Os bispos do Brasil já haviam feito a opção pelas “comunidades de base” desde 1966, para tornar a Igreja mais viva, mais corresponsável e mais integrada. As CEBs foram consideradas atividade “urgente” pelos bispos, para renovar as paróquias. Esse plano foi sistematizado e lançado em 1968, pela Editora Vozes, na obra do Pe. Raimundo Caramuru Comunidades eclesiais de base: uma opção decisiva.

E o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, em Roma, afirmou: “Sendo que a Igreja é comunhão, as novas ‘comunidades eclesiais de base’, se verdadeiramente vivem em unidade com a Igreja, são uma verdadeira expressão de comunhão e início para construir uma comunhão mais profunda. Por isso, são motivo de grande esperança para a vida da Igreja”.

O teólogo Leonardo Boff, falando sobre o termo “eclesial” das CEBs, em seu livro Eclesiogênese, diz: “O adjetivo ‘eclesial’ é mais importante do que o substantivo ‘comunidade’ porque ele é o princípio constituinte e estruturante da comunidade. A inspiração religiosa e cristã aglutina o grupo e confere a todos os seus objetivos, também aqueles sociais e libertadores, características evangelizadoras. A consciência e a explicitação cristã constitui, portanto, a característica das CEBs e o elemento de discernimento face a outros tipos de comunidade”. 

As CEBs, fruto da eclesiologia do Vaticano II e nascidas especificamente para atualizar a Igreja e adaptá-la ao mundo atual, tiveram profundas implicações na Igreja e na sociedade.

Devido ao contexto específico da sociedade brasileira, que vivia sob o regime de exceção, com cerceamento dos direitos civis, as CEBs se tornaram uma plataforma válida e eficiente para as mudanças sociais, apresentando ainda as bases de uma nova sociedade.

Hoje, passada a euforia inicial e tomando a devida distância, podemos constatar que as CEBs estão na raiz de vários movimentos sociais e têm contribuído para a formação de muitas lideranças no campo social e político. Foram responsáveis também pela formação de lideranças leigas no interior da Igreja, que assumiram o jeito de viver e celebrar a fé de uma maneira nova. Muitas vocações religiosas e sacerdotais foram despertadas pelas CEBs, possibilitando uma nova imagem do(a) consagrado(a).

No início do cristianismo, quem tentava viver como Jesus viveu, conforme seu testemunho e ensinamento, era identificado como alguém que estava no caminho, na caminhada. Não é fora de propósito que, em grego, caminho é método. As CEBs foram capazes de criar um método novo de ler a Bíblia, de celebrar a fé e de olhar a realidade. E, identificados com este novo método, o caminho, muitos foram tombados, deram a vida, foram martirizados. A profecia e o martírio têm sido uma das marcas mais fortes das CEBs. Além disso, as CEBs têm participado do amplo movimento de promoção e restauração da ética na economia, na política, na cultura, nas relações de gênero, nas relações ecológicas etc.

Em razão dos volumosos problemas humanos, com sua orientação excludente, que o atual sistema neoliberal vem criando em níveis globais, as CEBs têm procurado formar cristãos(ãs) “adultos(as) na fé”, desejosos de uma Igreja que leve adiante as intuições e teses do Concílio Vaticano II. Em linhas gerais, querem: uma Igreja inserida na complexidade de seu momento histórico, com a audácia tanto de ser profética como de estar aberta a aprender dos outros, das outras tradições cristãs e das outras religiões e culturas;

— assumir os valores do mundo moderno, acolhidos pelo Concílio Vaticano II, no campo institucional, teológico e pastoral;

— reformar as estruturas de governo da Igreja, ação capaz de desencadear outras reformas;

— autonomia das conferências episcopais e mais autonomia das Igrejas locais;

— maior protagonismo dos(as) leigos(as) no âmbito dos ministérios;

— reconhecimento canônico-jurídico das CEBs como Igreja;

— cultivar uma espiritualidade libertadora, enraizada no seguimento de Jesus Cristo, comprometida com os(as) excluídos(as).

Passadas quatro gerações, as CEBs construíram sua história e hoje são conclamadas a se pronunciar sobre sua identidade.

Fonte: Vida Pastoral

http://revista.olutador.org.br/noticia/a-identidade-das-cebs-08052019-103700

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