UMA VISÃO LITÚRGICO-CATEQUÉTICA
Por Victor Souza
Nossa vida é marcada
por algo passageiro e efêmero conhecido como tempo. Vivemos pautados nos
diferentes ritmos do tempo. Contudo, podemos pensá-lo por meio de dois
conceitos distintos. O tempo do relógio (o Kronos), que é aquele tempo
passageiro, e o tempo oportuno (Kairós), o tempo da graça. Pela Igreja
vivenciamos uma união de ambos os conceitos. As celebrações são “kairológicas”,
mas sem perder a conexão com o tempo cronológico. Nesse sentido, a Liturgia da
Igreja propõe ritmos diferentes do que vivemos no dia a dia. Podemos falar em
ano civil, ano agrícola, ano escolar... e ano litúrgico. O Ano Litúrgico
trata-se do mistério sacramental celebrado ao longo do tempo, em um ciclo
anual, fazendo memória das ações de Deus na história da criação, “transformando
Chronos em Kairós, transfigurando o tempo”. Nessa didática do Ano Litúrgico,
vivenciamos, durante o Ciclo Pascal, um momento muito importante e atual,
chamado quaresma. É sobre este momento particular do ano litúrgico que propomos
refletir. A Igreja nos propõe a vivência de um tempo voltado especialmente para
as práticas da oração, do jejum e da caridade. Um período chamado de quaresma,
por se tratar de uma caminhada de aproximadamente 40 dias. Um número simbólico
de grande importância ao longo da história da humanidade que experiencia o amor
de Deus. O número 40, na Bíblia, indica um tempo necessário de preparação para
algo novo que vai acontecer. Uma preparação que sempre antecede fatos
importantes. Recordamos, por exemplo, os 40 dias e as 40 noites do dilúvio; os
40 anos do povo de Israel caminhando rumo a Terra Prometida (Exôdo); os 40 dias
de Moisés no Monte Sinai e de Elias, no Monte Horeb. Por fim, recordamos que
Jesus, antes de iniciar sua vida pública, jejuou e foi tentado por 40 dias, no
deserto. Tendo consciência da importância e do valor simbólico, a Igreja
Católica, por meio do calendário litúrgico, estabelece um período de tempo
nomeado Quaresma. Mantendo a tradição, este período nos prepara para a vivência
da festa ápice do cristianismo: a Páscoa. O tempo da quaresma tem início na
Quarta-feira de Cinzas e se encerra na tarde da Quinta-feira da Semana Santa.
Esse tempo é repleto de gestos, símbolos e celebrações litúrgicas e
paralitúrgicas que nos situam no mistério vivido por Jesus cristo. A cor roxa,
o costume de se cobrirem os santos, em algumas igrejas particulares, a omissão
do canto do Glória e do Aleluia nas celebrações, a realização das Vias Sacras,
a reflexão mais aprofundada da Campanha da Fraternidade e a piedade popular
acompanhando as procissões são exemplos marcantes. A Semana Santa é um momento
muito especial por se tratar da última etapa de preparação para a vivência da
Páscoa. Chegando ao fim dessa caminhada quaresmal, a Semana Santa detalha, mais
claramente, a riqueza do mistério pascal em vários dias, em que se inicia no
Domingo de Ramos, o último domingo da quaresma. Nesse domingo vivemos a
abertura solene da grande semana que tem como centralidade a Páscoa de Jesus
Cristo. Ainda no contexto da Semana Santa, vivenciamos o Tríduo Pascal, que
consiste no centro de toda a vida da Igreja. É o ápice da liturgia e de todo o
acontecimento da redenção. É o cume da história da Igreja. Como o próprio nome
nos induz a pensar, trata-se de três dias. Apesar de serem três dias, nesse
período vivenciamos uma única celebração em momentos distintos. Daí a
importância do cristão participar de todos os momentos. Não se celebra o
mistério pela metade. A Quinta-feira da Semana Santa marca o fim da Quaresma e
o início do Tríduo Pascal. Esse dia, portanto, faz parte de tempos litúrgicos
diferenciados. Encerra a quaresma até a hora das vésperas e abre o tríduo com a
missa na Ceia do Senhor, na qual a Igreja repete a Ceia para perpetuar a
Páscoa. O segundo momento do tríduo é a Paixão do Senhor, celebrada na
Sexta-feira Santa. Este é o único dia do ano em que a Igreja não celebra missas
e sacramentos. O fundamental nesse dia, mais do que participar das procissões e
da Via Sacra, é a celebração da Palavra, composta pela liturgia da Palavra, o
rito da comunhão e a adoração da cruz. O último momento acontece no Sábado
Santo. O Sábado da Semana Santa é marcado pela celebração da Vigília Pascal.
Trata-se da celebração mais importante do ano. É a missa das missas. A “mãe de
todas as celebrações”, pois é a partir desta que nós celebramos a Páscoa
semanal aos domingos e os sacramentos. Nessa noite, a Igreja celebra toda a
história da humanidade e a obra da redenção e da perfeita glorificação de Deus
como memória, presença e espera. O sentido deste dia é vivermos a Páscoa que
celebramos ritualmente para que opere em nós a espera da Páscoa eterna. A
Vigília Pascal apresenta ritos diferenciados, que formam um conjunto unitário.
Ela é marcada por quatro partes: a liturgia da Luz, a liturgia da Palavra,
liturgia Batismal e Liturgia Eucarística. Na liturgia da Luz recebemos o fogo
novo, a luz que brilha novamente para nós. Com esse mesmo fogo que guiou o povo
rumo à Terra Prometida, acende-se o Círio Pascal. Em seguida, tem-se a liturgia
da Palavra, marcada por nove leituras e oito salmos. São 7 leituras do Antigo
Testamento e 2 leituras do Novo Testamento. A proclamação desses textos é um
relato de toda a história da salvação. Inicia-se com a criação, passando pela
caminhada do povo de Israel rumo à libertação, chegando à Ressurreição de Jesus
Cristo e ao nascimento da Igreja. Esse momento também é marcado pelo canto do
Glória e do Aleluia, até então omitidos. Em seguida vive-se a liturgia
Batismal, momento em que somos convidados a renovarmos nossas promessas
batismais e assumirmos o compromisso de professar a nossa fé. Além disso,
invocamos os santos e santas para interceder por todos. O rito se encerra com a
liturgia Eucarística, onde o Cristo Ressuscitado nos é dado como alimento, que
nos sustenta na caminhada. Por fim, após o Tríduo Pascal, que se encerra no
Domingo de Páscoa, passamos a viver o Tempo Pascal. Trata-se de uma extensão da
celebração da Páscoa. O Concílio Vaticano II determinou que a Páscoa houvesse
um prolongamento festivo por oito dias (oitavas de Páscoa), durante o qual a
liturgia se volta para a solenidade principal. Os cinquenta dias que se
prolongam desde o Domingo da Ressurreição até ao Domingo do Pentecostes, que
marca o fim do Tempo Pascal, celebram-se na alegria e exultação como um único
dia de festa, melhor, como «um grande Domingo». São os dias em que de modo
especial glorificamos a Deus e cantamos o Aleluia.
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