sábado, 1 de outubro de 2022

ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA

 

ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA

Não há missão sem conformação a Jesus Cristo.

Por Francesco Sorrentino*

Nos últimos tempos o tema da missão voltou, com intensidade, ao centro do debate eclesial. Com certeza, o pontificado de Francisco contribui a reavivar o espirito missionário na Igreja. A sua criativa expressão “Igreja em saída” questiona, seriamente, um tipo de pastoral de “conservação” que continua a ser dominante em vários âmbitos eclesiais. Contudo, o projeto da “Igreja em saída” não está preocupado com a multiplicação de atividades. Seu objetivo primário é moldar a comunidade cristã por uma verdadeira espiritualidade missionária, fundamentada no mandato missionário de Jesus Cristo de anunciar o Evangelho a todos (cf. Mc 16,15).

Tal espiritualidade possui uma marca trinitária. Estrutura-se à luz de sua própria fonte, isto é, a Trindade, paradigma, por excelência, da missão da Igreja. Com efeito, missão é, primeiramente, a autocomunicação de Deus: do “amor fontal” do Pai origina-se a missão do Filho e a missão do Espírito Santo (cf. AG 2). Desta forma, a Trindade, que em si mesma conjuga unidade e diversidade, amplia essa vivência saindo de si mesma, como se constata na criação. Em Deus a alteridade não é um problema. Portanto, no contexto atual de pluralismo cultural e religioso, a espiritualidade missionária não prescinde de uma referência constante à Trindade, para garantir uma missão pautada pelo diálogo e pelo acolhimento do diferente, na contramão da lógica individualista que domina a pós-modernidade. Além disso, nesse espirito de viver a missão é possível proporcionar um horizonte universal à evangelização que, existencial e geograficamente, chega aos extremos confins da terra.  

Há outro aspecto que caracteriza nossa espiritualidade. É a dimensão pneumatológica. Trata-se da fidelidade ao Espirito Santo. Antes da elaboração de planos pastorais ou projetos de evangelização é necessário discernir para onde o Espirito está conduzindo. O evangelista Lucas nos diz que Jesus, após as tentações, volta à Galileia (círculo dos gentios), “com a força do Espirito” (Lc 4,14). Na sinagoga de Nazaré reconhece que seu messianismo é guiado pelo Espirito, que o leva a anunciar a Boa-Nova da libertação aos pobres e excluídos (cf. Lc 4,18-19). Não há dúvida: o Espirito Santo é o protagonista da missão e precede quem é enviado. Norteia os passos dos discípulos missionários e os endereça a seguir as pegadas de Jesus, missionário do Pai, para irem, com ele, até às fronteiras e além-fronteiras.

Não há missão sem conformação a Jesus Cristo. Por isso, a espiritualidade missionária é, necessariamente, cristológica. Longe de qualquer triunfalismo e busca de privilégios, modela, quem a assume, à luz da quénose do Filho de Deus, que “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo” (Fl 2,7). De fato, o cumprimento do mandato missionário exige o mesmo “esvaziamento” do Cristo que se fez pobre (cf. Lc 1-24), serviu aos pequeninos do Reino de Deus (cf. Lc 7,18-23) e encerrou sua jornada terrena como servo sofredor (cf. Lc 23,1-46). Colocou-se existencialmente, e não idealmente, ao lado dos mais sofredores.

Compreende-se, então, por que a espiritualidade missionária abraça a evangélica opção preferencial pelos pobres. Enxerga a amplitude do mundo a partir dos últimos da sociedade. Infunde carisma profético de anúncio da verdade e de denúncia dos males que deturpam a dignidade humana. Não deixa as pessoas protegidas nas estruturas eclesiais. Muito pelo contrário, prepara-as para o enfrentamento da hostilidade por causa da justiça, até o dom total da própria vida (cf. Mt 5,10-12), como nos recordam os/as mártires de ontem e de hoje.

Enfim, a espiritualidade missionária é imbuída de contemplação. De fato, sem a experiência de Deus, a missão perde credibilidade e se torna mero proselitismo. Somente a capacidade contemplativa gera homens e mulheres que, por uma vida grávida da Palavra, testemunham o que viram, ouviram, contemplaram, apalparam (cf. 1Jo 1,1-3) e, como sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16), evangelizam por atração.

Missão não é prerrogativa de algumas pessoas ou grupos na Igreja. Todo cristão deveria sentir a alegria de ser enviado a compartilhar a Boa-Notícia do Reino de Deus em qualquer lugar e situação existencial. A espiritualidade missionária oferece o “equipamento” necessário para responder, com coragem, ao desafio da evangelização, na perspectiva testemunhal e, assim, tornar realidade o sonho da “Igreja em saída”.

 

(*)Francesco Sorrentino é mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia FAJE (Belo Horizonte MG). Presbítero missionário do Pontifício Instituto das Missões (PIME) na Diocese de Macapá-AP.

https://domtotal.com/noticias/index.jsp?id=1092940#:~:text=Tal%20espiritualidade%20possui%20uma%20marca,miss%C3%A3o%20do%20Esp%C3%ADrito%20Santo%20(cf.

 

 

 

 

 


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