ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA
Não há missão sem
conformação a Jesus Cristo.
Por Francesco Sorrentino*
Nos
últimos tempos o tema da missão voltou, com intensidade, ao centro do debate
eclesial. Com certeza, o pontificado de Francisco contribui a reavivar o
espirito missionário na Igreja. A sua criativa expressão “Igreja em saída”
questiona, seriamente, um tipo de pastoral de “conservação” que continua a ser
dominante em vários âmbitos eclesiais. Contudo, o projeto da “Igreja em saída” não
está preocupado com a multiplicação de atividades. Seu objetivo primário é
moldar a comunidade cristã por uma verdadeira espiritualidade missionária,
fundamentada no mandato missionário de Jesus Cristo de anunciar o Evangelho a
todos (cf. Mc 16,15).
Tal
espiritualidade possui uma marca trinitária. Estrutura-se à luz de sua própria
fonte, isto é, a Trindade, paradigma, por excelência, da missão da Igreja. Com
efeito, missão é, primeiramente, a autocomunicação de Deus: do “amor fontal” do
Pai origina-se a missão do Filho e a missão do Espírito Santo (cf. AG 2). Desta
forma, a Trindade, que em si mesma conjuga unidade e diversidade, amplia essa
vivência saindo de si mesma, como se constata na criação. Em Deus a alteridade
não é um problema. Portanto, no contexto atual de pluralismo cultural e
religioso, a espiritualidade missionária não prescinde de uma referência
constante à Trindade, para garantir uma missão pautada pelo diálogo e pelo
acolhimento do diferente, na contramão da lógica individualista que domina a
pós-modernidade. Além disso, nesse espirito de viver a missão é possível
proporcionar um horizonte universal à evangelização que, existencial e
geograficamente, chega aos extremos confins da terra.
Há
outro aspecto que caracteriza nossa espiritualidade. É a dimensão
pneumatológica. Trata-se da fidelidade ao Espirito Santo. Antes da elaboração
de planos pastorais ou projetos de evangelização é necessário discernir para
onde o Espirito está conduzindo. O evangelista Lucas nos diz que Jesus, após as
tentações, volta à Galileia (círculo
dos gentios), “com a força do Espirito” (Lc 4,14). Na sinagoga de
Nazaré reconhece que seu messianismo é guiado pelo Espirito, que o leva a
anunciar a Boa-Nova da libertação aos pobres e excluídos (cf. Lc 4,18-19). Não
há dúvida: o Espirito Santo é o protagonista da missão e precede quem é
enviado. Norteia os passos dos discípulos missionários e os endereça a seguir
as pegadas de Jesus, missionário do Pai, para irem, com ele, até às fronteiras
e além-fronteiras.
Não
há missão sem conformação a Jesus Cristo. Por isso, a espiritualidade
missionária é, necessariamente, cristológica. Longe de qualquer triunfalismo e
busca de privilégios, modela, quem a assume, à luz da quénose do
Filho de Deus, que “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo” (Fl
2,7). De fato, o cumprimento do mandato missionário exige o mesmo
“esvaziamento” do Cristo que se fez pobre (cf. Lc 1-24), serviu aos pequeninos
do Reino de Deus (cf. Lc 7,18-23) e encerrou sua jornada terrena como servo sofredor
(cf. Lc 23,1-46). Colocou-se existencialmente, e não idealmente, ao lado dos
mais sofredores.
Compreende-se,
então, por que a espiritualidade missionária abraça a evangélica opção
preferencial pelos pobres. Enxerga a amplitude do mundo a partir dos últimos da
sociedade. Infunde carisma profético de anúncio da verdade e de denúncia dos
males que deturpam a dignidade humana. Não deixa as pessoas protegidas nas
estruturas eclesiais. Muito pelo contrário, prepara-as para o enfrentamento da
hostilidade por causa da justiça, até o dom total da própria vida (cf. Mt
5,10-12), como nos recordam os/as mártires de ontem e de hoje.
Enfim,
a espiritualidade missionária é imbuída de contemplação. De fato, sem a
experiência de Deus, a missão perde credibilidade e se torna mero proselitismo.
Somente a capacidade contemplativa gera homens e mulheres que, por uma vida
grávida da Palavra, testemunham o que viram, ouviram, contemplaram, apalparam
(cf. 1Jo 1,1-3) e, como sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16), evangelizam
por atração.
Missão
não é prerrogativa de algumas pessoas ou grupos na Igreja. Todo cristão deveria
sentir a alegria de ser enviado a compartilhar a Boa-Notícia do Reino de Deus
em qualquer lugar e situação existencial. A espiritualidade missionária oferece
o “equipamento” necessário para responder, com coragem, ao desafio da
evangelização, na perspectiva testemunhal e, assim, tornar realidade o sonho da
“Igreja em saída”.
(*)Francesco Sorrentino é mestre em Teologia pela Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia FAJE
(Belo Horizonte MG). Presbítero
missionário do Pontifício Instituto das Missões (PIME) na Diocese de Macapá-AP.
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