Congresso Eucarístico: história da fé no mistério da Eucaristia
Por Moisés Ferreira de Lima*
Este artigo apresenta breve
síntese das origens e da história dos congressos eucarísticos, com o objetivo
de fazer memória de sua celebração como testemunho da fé no mistério da
Eucaristia e de compromisso eclesial e social.
Introdução
A ideia de congresso eucarístico
nasceu na segunda metade do século XIX, na França. Sua gênese vincula-se ao
contexto do jansenismo (que ensinava que a humanidade decaída não merecia
receber a Eucaristia, sendo ela prêmio dos perfeitos) e do ateísmo militante. A
iniciativa do “congresso” teve como objetivo principal a renovação da piedade
eucarística por meio do culto de adoração e da afirmação da presença real de
Cristo na Eucaristia.
Inspirada no apostolado eucarístico
de São Pedro Julião Eymard, Émilie-Marie Tamisier (1834-1910) promoveu
peregrinações de reparação aos santuários que recebiam os testemunhos dos
milagres eucarísticos. Com o apoio do papa Leão XIII e o empenho apostólico de
Émilie-Marie, de São Pedro Julião e de outras figuras importantes da época, as
peregrinações eucarísticas foram transformando-se nos congressos de obras
eucarísticas, que depois ficaram conhecidos como congressos eucarísticos.
Para a realização do primeiro
Congresso Eucarístico no ano de 1881, em Lille, já havia sido constituída a
Comissão para os Congressos Eucarísticos, com a bênção do papa Leão XIII, em 27
de agosto de 1879. Essa comissão é a responsável pela promoção das celebrações
periódicas dos congressos eucarísticos. Do primeiro até os dias atuais, a
comissão já promoveu 52 congressos. Sob o papa São João Paulo II, a comissão
recebeu o título de “pontifícia”, passando a chamar-se Pontifícia Comissão para
os Congressos Eucarísticos.
No pontificado do
papa Pio X, além de conservar o caráter da manifestação pública da fé católica
na Eucaristia, os congressos serviram para favorecer a consciência da comunhão
frequente e até cotidiana (cf. decreto Sacra Tridentina Synodus, de
1905) e a administração da primeira comunhão a crianças, antecipada para a
idade de 7 anos pelo decreto Quam Singulari, de 1910.
Com o pontificado de Pio XI, os
congressos passam a ser celebrados rotativamente em todos os continentes e
adquirem uma dimensão missionária e de evangelização. No contexto do
pós-guerra, só voltam a ser celebrados no ano de 1952, em Barcelona. Esse
período da história conta também com a efervescência do movimento eucarístico e
do movimento litúrgico, que ajudaram a exprimir o espírito da liturgia, na qual
a piedade eucarística é orientada para a celebração.
1. Congresso Eucarístico, povo que peregrina à luz da fé na Eucaristia
Com os Congressos
do Rio de Janeiro (1956) e, sobretudo, de Munique da Baviera (1960), é
integrada, de modo sábio, a piedade devocional típica do século XIX à renovação
litúrgica contemporânea, e assim os congressos eucarísticos internacionais
passam a ser conhecidos como statio orbis, tendo a celebração
eucarística como ápice e centro de todo congresso. Trata-se de uma espécie de
festa oficial da Igreja, e a Eucaristia celebrada pelo legado pontifício, para
toda a Igreja, constitui um resgate da antiga statio urbis da
Igreja romana, em que o papa, para expressar a unidade da diocese, celebrava a
Eucaristia em diversas igrejas (JUNGMANN, 1959, p. 401-402).
Na celebração da
Eucaristia, em que se glorifica o Pai pelo Filho no Espírito, temos a
manifestação da Igreja como corpo místico, como povo que crê e peregrina à luz
da fé. Nesse sentido, o congresso eucarístico expressa a peregrinação do povo
em direção ao altar da Eucaristia. Retomando essa ideia, o ritual romano A
Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa assim
descreve o que são os congressos eucarísticos:
Os congressos
eucarísticos, introduzidos em época mais recente como manifestação do culto
eucarístico na vida da Igreja, devem ser considerados como um lugar (statio)
para o qual uma comunidade convida toda a Igreja local, ou uma Igreja local, as
outras igrejas de uma região ou país, ou mesmo de todo o mundo para
aprofundarem em conjunto algum aspecto do mistério da Eucaristia, prestando-lhe
um culto público no vínculo da caridade e da unidade (A SAGRADA…, 2000, n. 109,
p. 63).
Com base nessa compreensão dos
congressos eucarísticos, ressalta-se que o sacrifício eucarístico é a fonte e
ápice de todo culto da Igreja e de toda a vida cristã (SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS
RITOS, 2003, n. 3, p. 8), de modo que o culto eucarístico fora da missa e toda
manifestação de piedade para com o Santíssimo Sacramento decorrem da Eucaristia
celebrada e devem mover os fiéis a participar do mistério pascal de Cristo. Por
isso, um critério fundamental na organização dos congressos eucarísticos é que
a celebração da Eucaristia seja realmente o centro e o ápice para onde devem
orientar-se todas as iniciativas, bem como as diversas formas de piedade (A
SAGRADA…, 2000, n. 112, p. 64).
A partir do
Concílio Vaticano II, com a constituição Sacrosanctum Concilium, de
1963, a instrução Eucharisticum Mysterium, de 1963, e o
ritual A Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da
Missa, de 1973, inicia-se uma abertura às temáticas tratadas nos Congressos
Eucarísticos relacionadas aos problemas da atualidade, bem como ao ecumenismo e
ao diálogo inter-religioso.
Dessa forma,
percebe-se que o congresso eucarístico consiste não em um evento de caráter
privado, mas sim em uma dupla dimensão da celebração eucarística como ponto
culminante de todo o evento e no aspecto social da Eucaristia como consequência
da “fé que age pela caridade”.1
2. Congressos Eucarísticos no Brasil
Depois do Congresso Eucarístico
Internacional de Lourdes (1914), surgiu a ideia de que os congressos
eucarísticos internacionais fossem precedidos por congressos nacionais,
diocesanos e até paroquiais. Sob essas motivações, no contexto da iniciativa
dos bispos do Brasil de promover grandes eventos para arregimentar a massa
católica (VIEIRA, 2016, p. 245), destacaram-se os congressos eucarísticos
nacionais. Foi realizado, assim, o I Congresso Eucarístico Nacional em 1933, na
cidade de Salvador, com o tema: “Vinde, adoremos o Santíssimo Sacramento”.
O Primeiro Congresso, em 1933, “sobre
os mares azuis da Bahia”, foi uma recapitulação de nossa história cristã, desde
frei Henrique Soares de Coimbra até dom Augusto Álvaro da Silva; desde a
primeira missa, nas praias virgens da Cabrália, até o triunfal cortejo eucarístico,
da ermida histórica da Graça aos portais magníficos da Conceição da Praia, na
veneranda metrópole do Salvador (CEN, 3., 1940, p. 87).
Em 1936, o II
Congresso, “sob o altar das montanhas de Minas, foi como um grito augusto,
partido dos seios mais profundos das minas onde dormem filões de ouro e donde
brotam caudais de fé”, clamando pelo advento do Reino de Deus mediante o
apostolado “urgente e insubstituível da Ação Católica” (ibidem). Esse
Congresso Eucarístico Nacional, com o tema “Eucaristia, luz e vida”, esteve
marcado pela consolidação dos fiéis leigos na sociedade e por sua colaboração
com a hierarquia da Igreja, especialmente por meio da Ação Católica,
organização leiga aprovada pelo papa Pio X, em 1905, na encíclica Ubi Arcano
Dei Consilio. Recorde-se que, no ano anterior, teve início oficialmente a
Ação Católica no Brasil pelo mandamento dos bispos brasileiros (em 9 de julho
de 1935), o qual apresentava, como seu fim último, “dilatar e consolidar o
Reino de Jesus Cristo” e, como seu fim próximo, “a formação e o apostolado dos
católicos leigos” (VIEIRA, 2016, p. 254).
O III Congresso Eucarístico Nacional,
com o tema “A Eucaristia e a vida cristã”, ocorreu na cidade do Recife em 1939,
ano em que começou a Segunda Guerra Mundial: “Aos clarins do congresso sagrado,
Pernambuco se ergueu varonil e o Recife se fez, lado a lado, catedral onde reza
o Brasil”. Em sua carta pastoral, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Miguel de
Lima Valverde (1872-1951), com entusiasmo, assim motivava o clero e os fiéis de
sua arquidiocese: “Um congresso eucarístico, filhos diletíssimos, é uma
assembleia de fiéis que se reúnem para tributar a nosso Senhor sacramentado as
homenagens mais expressivas de sua fé, de sua esperança e de seu amor” (CEN,
3., 1940, p. 16). Ele propunha a cooperação de todos pela prece, pela ação,
pela contribuição pecuniária, mas sobretudo pela preparação espiritual,
realizada por meio do culto eucarístico.
Ainda no contexto da Segunda Grande
Guerra, aconteceu o IV Congresso Eucarístico Nacional, em 1942, em São Paulo,
com o tema “Vinde a mim todos”, sob a responsabilidade de dom José Gaspar de
Afonseca e Silva (1901-1943). Mais uma vez, o evento constituiu uma proclamação
de unidade cívico-religiosa diante da relativização do papel da Igreja e do
processo de laicização da sociedade brasileira (KUHN, 2017, p. 13).
Os demais Congressos Eucarísticos
Nacionais (CENs) apresentaram temas que estabeleceram relações entre ação
social e evangelização e a fé na Eucaristia, sobretudo depois do Concílio Vaticano
II, das Conferências do Episcopado Latino-americano e do magistério recente da
Igreja:
- V CEN: Porto Alegre, de 28 a
31 de agosto de 1948 – Eucaristia e ação social;
- VI CEN: Belém, de 12 a 16 de
agosto de 1953 – A Sagrada Eucaristia, sacramento da unidade da
comunidade;
- VII CEN: Curitiba, de 5 a 8
de maio de 1960 – Eucaristia, luz e vida do mundo;
- VIII CEN: Brasília, de 27 a
31 de maio de 1970 – A mesa do Senhor;
- IX CEN: Manaus, de 16 a 21
de julho de 1975 – Repartir o pão;
- X CEN: Fortaleza, de 9 a 13
de julho de 1980 – Para onde vais?;
- XI CEN: Aparecida, de 16 a
21 de julho de 1985 – Pão para quem tem fome;
- XII CEN: Natal, de 6 a 13 de
outubro de 1991 – Eucaristia e evangelização;
- XIII CEN: Vitória, de 7 a 14
de julho de 1996 – Eucaristia, vida para a Igreja;
- XIV CEN: Campinas, de 19 a
22 de julho de 2001 – Eucaristia, fonte da missão e da vida solidária;
- XV CEN: Florianópolis, de 18
a 21 de maio de 2006 – Ele está no meio de nós!;
- XVI CEN: Brasília, de 13 a
16 de maio de 2010 – Eucaristia, pão da unidade dos discípulos
missionários;
- XVII CEN: Belém, de 15 a 21
de agosto de 2016 – Eucaristia e partilha na Amazônia missionária.
3. Em Recife, mais um congresso eucarístico nacional
O III Congresso Eucarístico Nacional
marcou profundamente a fé dos pernambucanos. Mesmo as gerações mais novas, de
uma forma ou de outra, quer mediante os relatos dos antepassados, quer mediante
a leitura dos anais do evento, sabem da grandiosidade dessa manifestação de fé,
ocorrida em 1939. Em 2017, pôde a arquidiocese de Olinda e Recife receber a
notícia de que o XVIII Congresso Eucarístico seria celebrado, pela segunda vez,
na “Veneza brasileira”.
O anúncio da sede desse congresso não
foi feito logo após o término do XVII Congresso Eucarístico Nacional, realizado
na arquidiocese de Belém entre os dias 15 e 21 de agosto de 2016. A LV
Assembleia Geral Ordinária da CNBB, realizada em Aparecida de 26 de abril a 5
de maio de 2017, foi a ocasião em que se tratou da cidade-sede do próximo
congresso. Na ata n. 4 do dia 29 de abril, no número 17, lê-se:
Dom Fernando Saburido comentou o
pedido feito pelo regional NE 2 de que Recife aceitasse o convite para sediar o
próximo Congresso Eucarístico Nacional. E, apesar dos temores quanto ao custo e
a necessidade de recursos humanos, e com o apoio e incentivo do regional, a
arquidiocese aceita, com alegria, a possibilidade de sediar o próximo Congresso
Eucarístico (CNBB, n. 17, p. 79).
Dom Leonardo
Steiner, então secretário-geral da CNBB, pôs em votação a candidatura da
arquidiocese de Olinda e Recife para sediar o próximo Congresso Eucarístico
Nacional, a qual foi aprovada, por unanimidade, por todos os presentes (ibidem,
n. 19, p. 79).
Desde que foi aprovada a sede do
XVIII Congresso Eucarístico Nacional, Olinda e Recife vêm preparando-se para
essa grande celebração. Em 15 de novembro de 2019, deu-se a abertura do Ano
Eucarístico em Recife, com celebração eucarística presidida pelo então
presidente da CNBB, dom Sergio da Rocha, e concelebrada pelos bispos do
regional NE 2. Em razão da pandemia da Covid-19, o evento teve de ser adiado
duas vezes. Em 14 de novembro de 2021, Dia Mundial dos Pobres, o arcebispo do
Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, presidiu, no centro da cidade do
Recife, a celebração da Eucaristia para relançamento do Congresso Eucarístico.
Com base no tema escolhido – “Pão em todas as mesas” –, esse congresso,
celebrado na região Nordeste do Brasil, marcada por tantas desigualdades
sociais, que foram ainda mais acentuadas pela crise pandêmica, quer levar à
conscientização de que a Eucaristia nos compromete com os mais pobres
(CATECISMO…, 2000, n. 1397, p. 387).
Considerações finais
Com esse olhar sobre a história dos
congressos eucarísticos, podemos obter luzes para viver o XVIII Congresso
Eucarístico Nacional como uma oportunidade de renovação da fé no mistério da
Eucaristia e do compromisso social e missionário da Igreja no Brasil, como bem
expressa a oração oficial de preparação para o Congresso, a qual condensa a
teologia e a reflexão sobre a Eucaristia e suas dimensões na vida eclesial e
social: dirigida a Cristo presente na Eucaristia, o qual é invocado como o
Salvador do mundo, titular da Sé de Olinda, faz memória bíblica do pão com o
qual o povo da Antiga e da Nova Aliança é saciado. Reafirma a fé da Igreja na
Eucaristia como memorial da Páscoa do Senhor e pede que, com base na Eucaristia
celebrada e na adoração da presença eucarística de Cristo, a fé aja pela
caridade, ao fazermos a opção evangélica pelos pobres, para que o testemunho
dos primeiros cristãos seja seguido pela Igreja de hoje no anúncio alegre do
Evangelho.
Referências bibliográficas
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Eucarístico fora da Missa. São Paulo: Paulus, 2000.
CATECISMO da Igreja católica: edição
típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.
CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Ata n. 4, 55ª Assembleia Geral
Ordinária. Comunicado Mensal, Brasília, n. 687, p. 79, 2017.
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em: https://it.cathopedia.org/wiki/Congressi_Eucaristici. Acesso em: 22 fev.
2022.
CONGRESSO
EUCARÍSTICO NACIONAL (CEN), 3., 1940, Recife. Anais… Recife:
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JUNGMANN, Joseph A. Corpus Mysticum. Gedanken zum kommenden
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401-409, 1959.
KUHN, João Carlos
Santos. São Paulo, metrópole católica: IV Congresso Eucarístico Nacional em São
Paulo. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 29., 2017,
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SAGRADA CONGREGAÇÃO
DOS RITOS. Eucharisticum Mysterium: Instrução sobre o mistério
eucarístico. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.
VIEIRA, Dilermando
Ramos. História do catolicismo no Brasil. Aparecida:
Santuário, 2016. v. 2.
Moisés Ferreira de Lima*
*é presbítero da
arquidiocese de Olinda e Recife, presidente da Comissão Arquidiocesana de
Pastoral para a Liturgia e membro da Comissão Executiva do XVIII Congresso
Eucarístico Nacional. E-mail: pe.moiseslima@hotmail.com
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